ossivorius | técnica mista | 70 x 50 x 45 cm
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Durante o processo de pesquisa e criação de performances, fomos sempre conduzidos a um estado ontológico de ser que nos pareceu constantemente visível e abertamente possível de ser conceituado. A partir de um certo momento do percurso, criamos os conceitos de metacorporeidade e philomundus, conceitos elaborados precisamente em virtude da investigação de processualidades que nunca se reduziam ao espaço delimitado de uma ação X ou Y.

Desse modo, todo silêncio, repouso, movimento, gesto ou objeto escultórico se corporificava e se tornava uma metacorporeidade compondo-se assim com outra corporeidade numa dilatada faixa de matéria-tempo onde toda forma se fazia metacorporificável. A palavra metacorporeidade (do prefixo grego metá + corporeidade) é um conceito estético-filosófico criado em função da necessidade de esclarecer tal processualidade artística. Surgiu a partir da construção das performances/esculturas e da análise de uma certa recorrência de verbos compostos em grego clássico tais como metabaíno(passar de uma situação a outra), metanoéo (mudar de pensamento/sentimento), metarrythmídzo (mudar a medida ou a forma) e metaskeuádzo (mudar de vida, de domicílio). O sentido geral no campo semântico grego é sempre a ideia de mudança, transformação ou participação. O termo metá utilizado frequentemente nas orações gregas pode também funcionar como preposição e significar:   

1) "em meio de", "com", "em companhia de", "de acordo com", exprimindo a noção de "estar no meio de", "ir-se" e "mover-se de acordo com", enfocando a ideia de contato/participação;

2) o sentido de "em" e "dentro de", com ênfase sobre o conceito de espacialização;

3) e ainda, com a ideia de temporalidade, exprimir a noção de passagem/mudança.

Assim, a ideia fundamental do processo de "metacorporeidade" consiste:

1) na participação de uma corporeidade em seu contato com as outras corporeidades (meu corpo encavalando-se com a escultura e com as sonoridades perceptíveis/imperceptíveis);

2) na imersão das corporeidades em sua ambiência (as ressonâncias dos sintetizadores  metacorporificando-se com o meu corpo, com as diversas corporeidades como seres moleculares, objetos, piso do chão etc);

3) e, durante a passagem de uma corporeidade a outra, consiste na construção de uma imensa textura escultórico-sonora, ou seja, naquilo que podemos conceber como universo philomúndico habitado por seres amantes dos infinitos mundos possíveis.

Podemos qualificar tais seres precisamente como "amantes", e nesse sentido, philomúndicos, porque a sua condição ontológica é imersão, naufrágio, estado de quem imerge nas profundezas das interconexões e se entrega "afetuosamente" ao mundo e à vastidão dos seres que nele habitam. A palavra philomundus, cujo sentido é "amante-do-mundo" significa mais a condição de fluidez intrínseca ao ser, e portanto, um modo intuitivo de existir do que um estado premeditado e sustentado por critérios de racionalidade. Por isso, concebe-se tal estado diferenciado como certo modo de contractilidade/expansividade do corpo humano do que deliberada escolha, decisão existencial, atitude fenomenológica, afirmação da potência da diferença, visão metafísica ou posição autorreflexiva da consciência. É, em sentido mais preciso, a condição ontológica de todo ser (humano, animal ou vegetal), isto é, o estado de ser-corpo-aberto suscetível às interconexões e simultaneidades dos diversos mundos que nos atravessam.

Nesse sentido, todo ser que se faz amante-do-mundo se corporifica, se torna consciente de seu estado-amante, ao mesmo tempo que se transmuta no que podemos chamar de metacorporeidade, ou seja, uma modulação de ser-corpo-outro (sem deixar de ser si-mesmo), constituindo assim o vasto campo da metacorporificação. Tais metacorporeidades são texturas escultórico-sonoras corporificáveis e corporificadas nesse interstício relacional, nesse espaço que existe entre as interconexões onde se atraem e se repelem, se desfazem e se refazem os seres philomúndicos como formas de espacializar o próprio domínio do espaço. Daí o ato performativo de tornar-se uma corporeidade em meio às outras corporeidades num estado ontológico de "amante-do-mundo", e ao mesmo tempo, corporeidade espacialmente única e plurívoca a ponto de instalar-se "dentro" de outras forças, criando-se a si próprio como metacorporeidade. 

A imbricação entre escultura, performance e poesia como campos heterogêneos de intensidades que se encontram e se afetam produz metacorporeidades diferenciáveis, porque não existe um corpo, uma corporeidade ou uma metacorporeidade, mas sim plurívocas metacorporeidades constituídas por diversos seres philomúndicos. Assim, o fenômeno da metacorporificação torna-se acontecimento processual autoexploratório que expõe identidades alternativas múltiplas e dissemelhantes. Ao invés de realizar algum ato de expressão, o performer se reinstala no espaço pré-expressivo da linguagem, espaço este repleto de metacorporeidades e acontecimentos. Ao invés de uma coreografia, seria fundamental pensarmos numa imbricação e consequente multiplicação de todas as metacorporeidades, visto que a palavra "coreografia" já nos remeteria ao universo dos movimentos da dança enquanto código delimitado e identificável. Logo, a ideia de metacorporificação não poderia ser associada à delimitação prévia de um corpo específico, à formulação de uma cena coreográfica ou à forma sequencial de gestos e movimentos pré-ensaiados. É evidente que o ato de metacorporificar cria gestualidades, movimentos e sons no espaço, mas, estas forças somente adquirem seu caráter ontológico no ato presente da performatividade, pois, trata-se antes da criação de uma textura escultórico-sonora de ressonâncias espacializadoras do que de uma coreografia no sentido tradicional da palavra.

Desse modo, em relação às nossas pesquisas e trabalhos, à medida que o corpo adquiria uma dimensão de interconectividade com outras instâncias problemáticas, seja através de sua imersão performática-poética-escultórica-sonora no espaço, seja pela forma situacional com que se expunha ao público, começávamos a refletir sobre o nosso conceito de metacorporeidade no contexto das indagações da arte contemporânea. Eis que então nos perseguia a pergunta essencial: de que modo nos relacionamos com o nosso próprio corpo? Como percebemos as sensações, os afetos, os pensamentos, os estados e as intuições que aparecem dentro de nosso ser, e sobretudo, como percebemos a relação entre o corpo, o espaço circundante e as diversas metacorporificações surgidas nesse espaço? O que move nossa caminhada com a escultura numa determinada situação? Interrogando-nos dessa forma, percebíamos não mais um elemento isolado, mas um tecido entremeado pela respiração, luz do ambiente, piso do chão, escultura, vozes alheias, olhares, ruídos, nossa própria memória e outros acontecimentos imprevisíveis que se metacorporificavam nesse processo. Tudo se passava como se, problematizando a questão da metacorporeidade, pudéssemos questionar o modo de subjetivação de nossa própria identidade.

Na medida em que éramos atravessados por espacialidades e temporalidades, nosso estado de ser se metacorporificava com a tessitura das formas e com as diversas camadas da matéria. Tornávamo-nos assim seres de potência imersiva, constelações de fluxos volatilizantes preenchendo uma variedade de estados diferenciais, ao mesmo tempo que descentrados e transportados por um labirinto de interconexões. Deslocados para diversas linhas irregulares, construíamos nesse trajeto uma imensa textura escultórico-sonora. Sob a condição de seres amantes do mundo (philomúndicos) lançados às inúmeras intermediações - assim como ressonâncias que crescem e se multiplicam em miríades de sonoridades - nosso ser se propagava no vasto campo das forças, no redemoinho das plasticidades, no vórtice dos fragmentos identitários e no movimento das translações pulsantes.

Como corpos se esculpindo e sendo esculpidos pelos materiais do mundo, começamos a vislumbrar outro modo de subjetivação. É nesse aspecto que a expressão metacorporeidade adquire relevância e sentido fundamental para a compreensão de tal processo. Imersa em sua ambiência, a corporeidade se fragmenta e se dessubstancializa em contato com as outras corporeidades. A partir dessa dessubjetivação, ocorre uma transmutação inerente ao próprio corpo enquanto agenciamento de elementos heterogêneos em estado de mudança. Todos elementos orgânicos se desarticulam gradativamente e assim se abrem às outras possibilidades de existência do próprio ser matérico. É como se houvesse uma reconstituição genésica ocorrida a partir de uma metamorfose fundamental. Isso se torna perceptível quando se presentificam os diversos estados de passagem em que o ser-corporeidade se transmuta de um limiar a outro sem que haja uma espécie de construção teleológica com vistas a um fim premeditado.

É nesse sentido que se percebe um percurso intersticial mais do que a passagem de um ponto X a um ponto Y. Há, sobretudo, uma pluralidade de sentidos, uma cartografia de fluxos, um agenciamento de interconectividades, uma conjunção de linhas moventes que se desdobram e se transpassam em matérias anárquicas, oferecendo ao espaço pluridimensional aquela carga fervorosa de máquina heterogênea e o rigor do questionamento das formas matéricas. Nesse aspecto, não seria possível restituir o ser-corporeidade à sua gênese intersticial? De que forma poderia o pensamento-corpo desvencilhar-se da armadilha insidiosa da mera reprodução, uma vez que se erguem inúmeras barreiras entre a nossa compreensão intelectualizante e a própria imanência do mundo? Com uma obstinação irremediável, consideramos que isso só se torna possível mediante a criação de nossos próprios conceitos. É por esta razão que, ao invés de reproduzir os pensamentos alheios, devemos ser capazes de moldar as nossas próprias ideias.

Comecemos pela reflexão sobre a estrutura ontológica do Ser. De fato, ignoramos esse velho objeto de indagação filosófica. Embevecidos pela sua ruminação, caminhamos na selva desconhecida. Não conhecemos o objeto em si e nem o sujeito em si. Por isso mesmo, nossa existência se revela vazia de significação e não adianta investi-la de pseudociências, premissas e proposições abstratas. O Ser se arrasta e nos arrasta cada vez mais. Conduzidos pela sua questão indecidível, somos afogados pelas suas categorizações:

 

Substância Primeira

Cogito Cartesiano

Saber Absoluto

Ontologia da Carne

 

O Ser nos impele a movimentos de variação em torno de sua suposta identidade. Mas, por debaixo de suas camadas de repetição e variação, ouvimos sua voz estridente,  suas fissuras insaciáveis, seus ruídos desarticulados. Somos levados à percepção de sua potência metacorporificante, e portanto, à violência das rupturas. Num turbilhão de fluxos, o Ser extravasa a sua carne assimétrica, os seus ossos descontínuos. Nada permanece estático. Essa estrídula e imperceptível ressonância do Ser torna-se visível com a reverberação das matérias. A metacorporeidade passa a ser o seu fundo indomável, o seu reverso intempestivo. Na dimensão do estado philomúndico de ser, pressentimos os modos inumeráveis dessa tenebrosa incandescência. Despertamos naquela bruma cujo ímpeto se perde em vórtices tentaculares. Suspendidos nas bordas das metacorporeidades, somos atraídos pelo movimento daquela extrusão que cresce até as alturas inacessíveis a tal ponto que já não podemos mais nos apegar ao invólucro dos apriorismos abstratos e à inércia epistêmica de nossos pensamentos habituais.

Em nosso olhar proliferam-se as metacorporeidades: texturas descentradas que se torcem e se retorcem como centopéias de anéis escultóricos. Nossa música se dilata na nota dissonante da Natureza. A excedência, a extrusão e a transmaterialização são modulações do corpo pelas quais se desdobram, se encavalam e se suspendem as variações dos seres metacorporificantes. A excedência é o modo de descentramento de si. A extrusão é o modo de expansão de si. A transmaterialização é a interconexão produzida/propiciada pelo encontro das metacorporeidades. Nesse sentido, o movimento de transmaterialização é criado a partir da excedência e da extrusão do ser-amante-do-mundo na medida em que este ser se descentra, se expande e se interconecta com uma constelação de afetos que se difunde pelos interstícios do tempo/espaço. Portanto, o ser-philomúndico não é algo a ser isolado, dividido e analisado em teoremas e corolários, pois ele, por si só, é um fenômeno complexo. O que sinto e vivo na espessura real é um fluxo de sensações antes de qualquer racionalização. Sou esse modo-de-ser metacorporificável, já que minha existência em metamorfose é fenomenalmente primeira em relação a quaisquer categorizações. Não podemos encarar a existência do ser-philomúndico ou o próprio Philomundus como um objeto a ser inteiramente decodificado. Philomundus é fluxo matérico (e não materialista) de pensamentos, sensações e afectos em processo de transmutação. Isso significa que é pura passagem e transitoriedade com todas as suas modificações subjacentes. Nesse sentido, a arte ou a filosofia que queira se furtar ao arrebatamento dos afectos está fadada ao enrijecimento. Com efeito, o que será a existência senão o fluxo das intensidades, a flutuação cambiante dos limiares, o terreno das variações múltiplas, a torrente de afectos qualitativamente distintos? Tanto a arte como a filosofia, no seu âmago radical, expõem absurdos, catástrofes, mutações, falhas orgânicas, fenômenos vitais, ou seja, tudo aquilo que escapa à grade estreita de nossas conceitualizações. Desse ponto de vista, o filósofo é um artista tanto quanto o artista é um filósofo. Ambos pensam e criam a partir do confronto com aquilo que é a-conceitual. A diferença ocorre somente em função de nomenclaturas, discursos e formas de exposição. O que importa é a gênese empírica da obra que não é senão o desdobramento do próprio pensamento do artista/filósofo. No fundo, trata-se da questão de elucidar aquilo que podemos chamar de "empirismo metacorporificante".

Do nosso ponto de vista, o Ser não se define pela noção de "essência". Ele só existe enquanto corporeidade, modo encarnado, pura imanência. À semelhança de um movimento cheio de reentrâncias, o Ser se desenrola no processo de metacorporificação, a saber, naquele fluxo temporal de mutação permanente. Devido aos nossos velhos hábitos, nossa relação com as coisas mundanas se enrijeceu em representações puramente abstratas. Assim, quando olhamos para uma árvore diante de nossa janela, não a vemos como uma presentidade fenomenal, um ser que está aí enquanto presença encarnada. Produzimos, ao contrário, construções teórico-causais para explicá-la de modo que ela possa ser compreendida pela nossa racionalidade instrumentalizante.

Contudo, a árvore, antes de ser um objeto do meu conhecimento (um Em-si cognoscível), um objeto a ser esquadrinhado pelo olhar da mensurabilidade, é um ser espacial e temporalmente encarnado no mundo. Antes de ser submetida aos meus cálculos geométricos, físicos ou utilitários, ela é metacorporeidade, isto é, um modo de existir, uma presença que se situa numa relação de conectividade com as outras presenças. Pois, mesmo que eu quisesse imaginar uma árvore dourada, esse ser imaginado só aconteceria no campo da minha percepção se também repousasse no mundo de outras presenças interconectadas. Portanto, a árvore não é vista, sentida ou imaginada na minha consciência in abstracto, mas, num lugar, numa paisagem que, por sua vez, está situada no mundo em que eu existo corporalmente. Ela está presente como ser metacorpóreo, isto é, como um ser que se relaciona com homens, animais, seres imaginários e universos infinitos.

De modo análogo, o ser da subjetividade humana já se encontra lançado no mundo enquanto corporeidade, mas, o conceito de corporeidade aqui não significa um corpo materialmente circunscrito aos limites do espaço. Por exemplo, é evidente que, ao realizar uma performance num determinado lugar, meu corpo se dilata para além dos limites de seu invólucro material. Desloca-se num movimento de excedência, já que, antes de ser a expressão sígnica de algum sentido, pode ser visto como fenômeno de plena mutabilidade. Meu corpo extrapola os limites físicos comumente estabelecidos pelo conhecimento racional. Seria ingênuo supor que os seus movimentos possam ser calculados por uma variável temporal conhecida como t. As histórias, as vivências, os incidentes e o processo mutante pelo qual o corpo se transmuta constituem essa forma incalculável do Ser. O corpo enquanto fenômeno metacorporificável ultrapassa o estado do Ser-em-si, recusa-se à objetificação, tanto em termos espaciais quanto temporais. Em outras palavras, jamais poderá ser reduzido à coisa entificada, ao objeto inerte ou ao composto material no sentido de um reducionismo materialista. Mas se é verdade que o corpo está intrinsecamente ancorado no mundo circundante, ele poderá vir a ser uma metacorporeidade na medida em que o seu modo de ser se potencialize numa vasta rede de interconexões. É nesse aspecto que se concebe o fenômeno da metacorporificação, processo através do qual a corporeidade se alarga, se distende e se expande até o limite de suas possibilidades.

Na sua dimensão ontológica, a corporeidade revela sua potência metacorporificante no momento em que suporta em si o estado de ser-amante-do-mundo (Philomundus) e assume sua potência de existir como modulação plenamente fluídica no sentido da coexistência imersiva com os diversos seres do universo. No confronto excepcional com esse estado philomúndico, encontra em si a abertura necessária para a extrusão de seus próprios limites e vê-se a si própria como metacorporeidade. Diante de tal horizonte desconhecido, vislumbra-se como autenticidade de uma potência singular, que justamente é a irrecusável potencialidade de abertura aos diversos mundos possíveis.

Estando consciente de que meu existir é finito e temporário, só me restará agir no sentido de assumir a minha corporeidade enquanto tal. Assim, todo pensamento, ato, sensação, gesto ou decisão se tornam formas metacorporificantes diante desse horizonte iminente; é evidente que, em determinadas ocasiões, sinto a força do acaso e, num átimo, posso ser golpeado pelas forças efusivas do caos. Em vários casos, a imprevisibilidade se revela como uma das características fundamentais do devir. Contudo, se tais forças inesperadas irrompem à semelhança de um vir-a-ser inevitável, nem por isso deixo de agir naquilo que concerne ao âmbito concreto de minha existência. É neste sentido que, mesmo sendo uma potência de natureza estranha que me transtorna e provoca meu estranhamento, tal casualidade que se impõe só poderá adquirir sentido à luz da plena aceitação da minha potência de existir. O que ocorre nesse percurso é uma dupla determinação: se, de um lado, manifesta-se a avassaladora força que nos condiciona, por outro, há liberdade de escolha que impede o determinismo absoluto.

Esse fato terrível já nos coloca, portanto, diante de uma situação inalienável. Não podemos nos eximir de nossas próprias escolhas enquanto seres infinitamente potenciais. Há, nesse caso, uma inegável potencialização de nosso ser, já que esse mesmo fenômeno contingente nos expõe às infinitas modalidades de agir, às diversas formas de subjetivação e interconexão com o mundo. O ser enquanto transitividade corpórea não seria mais consciência abstrata pairando acima da superfície das coisas, uma vez que se lançaria metacorporeamente às diversas espacialidades escultórico-sonoras e se transmutaria com as múltiplas configurações espaço-temporais. Sou, nesse campo aberto de formas possíveis, uma transição singular cujo estado de ser-amante-do-mundo me conduz à minha própria determinidade. Em última instância, sou atraído e seduzido pela minha própria potência de ser-amante-do-mundo. Percebo que detenho certo grau de potencialidade. Essa potência de ser configura-se como um campo de forças nos interstícios do tempo/espaço. Pois, mesmo que seja arrastado pelas circunstâncias condicionantes, eu ainda posso aspirar à minha própria diferença. Porque é através da presença mesma do mundo que eu posso me determinar enquanto tal. É sobre essa espessura sensória da realidade que meu ser se desdobra, se metacorporifica e se torna o laço intransferível de minhas próprias determinações. Esse ser que se intui como estando em processo de metacorporificação é o mesmo ser que se transmuta e se reconstrói, o mesmo ser-amante que se desdobra como fenda aberta no domínio das forças sensíveis. Assim, nesse caos que se arrasta, ele seria uma espécie de metacorporeidade singular, configurando-se, portanto, como equilíbrio entre a indeterminação absoluta e a determinação específica, entre o acaso e a criação, entre o caos informal e a possível metacorporificação de um modo de ser.

 

 

OSSIVOROUS

 

 

enquanto as pálpebras escarnecidas ao galope dos mausoléus estremecem aquele trilho enrugado das lembranças uma menina com suas veias auspiciosas tritura a pedra de riso condenável no turvo deleite dos dias que se estendem até o ápice das visões mais distantes como se nenhuma sandália de platina pudesse ser resgatada durante a crispação do torso aracnídeo sobre essa algaravia insustentável de tantas lástimas expurgadas quando nem mesmo nossos espasmos saberiam atravessar o limiar das efusões insulares daquela muralha de enxofre onde pela última vez ainda se eclipsavam as gramíneas das vultosas encenações sendo que um promontório bordejado pelas cornijas de barba equina se escureceria aos látegos dos sorvedouros encefálicos daquele forasteiro arqueado no recôncavo em fúria tal como se um caudaloso e inconsolável quebra-mar se agigantasse em meio às profusões de agulhas que se arrastam sob a desfiadura dos salgueiros gaseiformes acima de todas as tábuas enfunadas pelo estrondo do recém-dissecado dédalo de tal modo a desembarcar rumo ao irremediável quadrilátero à beira-vazante do gozo originário das amputações cubiculares com as fluorescências de uma ave fibrilosa que nunca se cansa de morrer em sua própria queda astronômica

 

 

 

março, 2015 

 

 

 

LOZ – O ensaio "Metacorporeidade" e o poema "Ossivorous", acompanhado pela imagem de sua respectiva escultura, pertencem a um conjunto de trabalhos do LOZ, intitulado Metacorporificações (Chiu Yi Chih e Irael Luziano). Ambos artistas fundiram suas linguagens e realizam conjuntamente obras em escultura, performance, poesia e vídeo em torno da proposta da "Metacorporeidade". Juntos, publicaram o livro Metacorporeidade (Editora Córrego) com prefácio de Cláudio Willer e texto de Luis Serguilha. Suas obras se encontram aqui:www.loz2962.com.

 

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