Jamais pude explicar o que via naqueles livros que me fazia esquecer de comer e de dormir. Minha mãe batia na porta do quarto: "Comer!". Vinha com uma refeição que eu beliscava sem tirar o olho da leitura. "Dormir, menino! Vai dormir, anda!". Isso era de madrugada, quando ela me encontrava no silêncio da cozinha, lendo. Só tinha parado para fazer café. A xícara em uma das mãos, o livro na outra.

Lia A Ciência da Vida, de H. G. Wells, G. P. Wells e Julian Huxley. Onze grossos volumes que estudei com avidez. Só parei na última linha. Fiquei craque em localizar os assuntos no volume de índices. "Do protozoário ao elefante", dizia o texto de abertura da coleção, que tratava de diversas disciplinas como Biologia, Política, Filosofia, Religião, etc. Claro que, aos treze anos, o volume quatro, que discorria sobre sexo, satisfez muitas de minhas dúvidas sobre o assunto. Mas as experiências com médiuns espíritas é o tema de que lembro com mais nitidez. Foi o que mais me impressionou.

Aquelas substâncias todas saindo da boca dos médiuns, materializando-se, tornando-se visíveis na frente dos mortais presentes, inclusive do fotógrafo, não me saem da cabeça até hoje. Às vezes me deparo com cenas parecidas em filmes trash, que são exibidos na programação noturna de algumas tevês. E essas cenas me remetem àqueles últimos anos de infância: cá estou eu, quase quarenta anos depois, lendo, noite adentro, café quente perto, a televisão ligada para fazer companhia.

Durante a adolescência, meu companheiro de leitura era um pequeno rádio de pilhas. Sempre achei bom ler ao som de um barulhinho qualquer, de ruído que significasse sinal de vida. Serve para que a gente se sinta sempre no planeta Terra. Principalmente, quando se está imerso em leituras de ficção científica. Essas companhias, discretas, não me deixam constrangido ao enxugar lágrimas, profundamente comovido com a história.

É inexplicável o impacto que uma boa leitura pode ter na vida de uma pessoa. Quando estou triste, apelo logo para o primeiro cronista da biblioteca. Após ler, me sinto mais feliz e saio para uma caminhada. É a hora de ruminar as ideias do livro. Quando o pensamento fica tomado pelas ideias, frases e sentimentos do texto, preciso remoer isso tudo. Depois de caminhar pela cidade, de comparar as experiências da leitura que acabei de fazer com a de vida urbana, com as feições e o comportamento das coisas e das pessoas, volto para terminar o livro, ou para começar outro.

Hoje, estão em moda os chamados livros de autoajuda. Digo que todo aquele que lê já está se autoajudando. Ler é a maneira mais fácil de conseguir viver bem consigo mesmo. Por isso é que, sempre que me aborreço, parto para a literatura. O macete é apenas saber escolher os autores certos para cada momento. Depois de acertar no tema, a cabeça se acerta sozinha. Daí, basta partir para a rua a conhecer novas pessoas, a observar novas opções de vida.

Já vi um bom texto mudar o destino de muita gente. Um amigo meu não moraria em Portugal se não fosse por um livro que leu sobre aquele país e que o deixou encantado com a vida nas aldeias pequenas da antiga metrópole. Hoje, além de ler, escreve muito bem. Não quer mais sair de lá. Se não houvesse encontrado, um dia, aquele autor, em sua biblioteca, talvez ainda estivesse trabalhando na agência bancária da Avenida Paulista, de onde tirava o sustento enquanto alimentava sua neurose. Mais autoajuda que isso, impossível.
Mas imaginem entusiasmar-se com as descrições, por exemplo, da China; juntar o dinheiro, comprar a passagem, entrar no avião e partir para lá. Como a viagem é longa, daria tempo de ler mais ainda sobre o maior planeta da Terra, digo, país da Terra — às vezes, acho que a China é mesmo um planeta à parte. Dentro do avião, assistiria à decolagem e, quando o serviço de bordo passasse com o guaraná, certamente já estaria completamente absorto, como quando minha mãe precisava gritar para que eu a ouvisse. Só faltaria a aeromoça também berrar: "Comer!". Porém, em vez disso, creio que diria delicadamente: "Deseja alguma coisa, senhor?". Quando prestasse atenção, os passageiros ao lado já estariam atentos à cena. Notando ser o centro das atenções, rapidamente e sem graça baixaria a mesinha à frente e receberia o lanche, o guaraná. Uma pena que o café servido nos aviões sempre me dê azia.

Agradeceria e não falaria mais nada. As pessoas talvez ainda permanecessem olhando, pedindo que esclarecesse a razão de meu descaso pela tripulante. Porém, não haveria como explicar que no exato momento em que a aeromoça me chamou, eu estava numa praia deserta da China, vivendo uma grande paixão. E que paixão não se explica e que ler é paixão. Minha única alternativa seria abrir novamente o livro e viajar, esquecer. E ler e ler e ler.

 

 

 

junho, 2015