apresentação 

 

 

Mais velha que Funérea

Escalpelada pela vida

Filha relegada das Parcas

Maldita como as malditas

 

Sou o que sou;

O vírus mais pervertido

O Ebola que evola

Um abismo no abismo.

 

 

 

 

 

 

perspectivas do de cujus 

 

 

Em pé no caixão

— Com as mãos sob o ventre —

Observa-nos com seu semblante cerrado e corado.

 

Para ele, estamos deitados

— pálidos —

Nós, que já morremos.

 

 

 

 

 

 

uma andorinha 

 

 

Uma andorinha só

É mais livre que

Uma revoada

Que não sabe para

Onde voa.

 

Mais importante que o voo

É a liberdade.

 

 

 

 

 

 

ataúde

 

 

Na despedida,

O velho Ataúde

Estava

Deitado

Pelado

Sem mortalha

 

O velho

Banguela

Sem bengala

Deitado

— Imóvel —

Frio como o

Azulejo.

 

 

 

 

 

 

reforma

 

 

Para reformar, é preciso destruir

Destroçar os cacos

Derrubar colunas

Inserir vigas

Assentar o piso

Com cimento

E com a espátula

Lacrar o túmulo.

 

 

 

 

 

 

rabecão 

 

 

Atrás do Rabecão,

Uma carreata;

 

Na frente,

Os vivos

Correndo

Desesperadamente

Como se não fossem

Uma coisa só.

 

 

 

 

 

 

consultório

 

 

No consultório,

A médica de bigode

O atendente

De voz fina

Os pacientes

Entreolhando-se

Com olhares insólitos

Escalafobéticos

Como se os

Doentes

Fossem os outros.

 

 

 

 

 

 

exorcismo 

 

 

                   Para Adriane Garcia 

 

O último padre que vi

Queria me exorcizar

Seus olhos silenciaram

Minha alma

 

E meu olhar

Aniquilou

o seu espírito

 

Passada a apresentação

Sentamos para conversar

Colocamos uma

Cevada na água benta

E com a cabeça de alho

Cozinhamos uma bruxa

Em sua fogueira.

 

 

 

 

 

 

retrato de velhos tempos 

 

 

Em cada repartição

A foto insossa do presidente

Reproduz

O seu governo.

 

Nos hospitais,

A bandeira hasteada

Parada, inerte,

Murcha

Porque não venta.

 

 

 

 

 

 

UT-I-ML 

 

 

1.

 

Tudo começa

com

o ríctus

cínico

e

debochado

da

morte;

 

A solércia atrevida

O último vagido

Um ruflar

Estertorado

   

 

2. 

 

A nuvem turva

Se pôs no firmamento

O hausto vem vindo lentamente

Agonizando

O claustro

Delirante

 

A um passo da morte

Recordo-me dos que já morreram.

 

 

 

 

 

 

perfídia 

 

 

O fim de ano

Coroa

O sepultamento

Autopoiético

E

Antropofágico

De

Uma

Civilização

Esquizo-suicida

 

O fim de ano

Coroa

As promessas

Antípodas

De

Uma

Corja

De

Excomungados;

 

O fim de ano

coroa

o

fim

de

um

ciclo

e

o

pérfido

início

doutro

natimorto.

 

 

 

 

 

 

 

 

[imagens ©margarita georgiadis] 

 

 

Difunta Correia é uma defunta (e foi uma das Escritoras Suicidas). Não a confunda com a Difunta Correa — a Santa que amamentava mesmo estando morta. Com silicone estourado e os peitos murchos, está longe de amamentar alguém. A gravidade é uma merda.