Metades

 

 

impreciso como querer meias para os pés

quando não se aceita mais as meias verdades

e metades de maçã não saciam mais a fome

 

meia lua não faz mais uma noite de romantismo como antes

e meio copo com um liquido qualquer

não conota otimismo ou pessimismo para ninguém

 

não está cheio

mas também não está vazio

como eu

que estou cansado de não ser inteiro,

farto de um mundo

artificialmente verdadeiro.

 

 

 

 

 

 

Destino

 

 

não foi a mochila

nas costas

que o fez moleque,

nem os saltos

que deu sobre o muro

 

: foram os tiros

que deu

 

no escuro

 

 

 

 

 

 

Espelhos

 

 

o mundo é uma massa cega

quando as mazelas assolam

lugares do continente perdido

 

não carece do colírio

se o problema chega perto

& suas crianças choram

 

então é chegada a hora

de descortinar os espelhos

para olhar o que há por detrás dos vidros

 

lançar caravelas ao mar

e tarde encontrar no mapa

a rota mais curta para o continente destruído

 

 

 

 

 

 

Nós

 

 

nós

no deserto

a vestir

 

vendavais

& poeira

por perto

 

temporais

de areia

& de nós

 

(no deserto)

 

 

 

 

 

 

Na parede

 

 

Viajo em paisagens pictóricas

viagem que não percebo

apenas vejo

: um percevejo

 

 

 

 

 

 

Dois

 

 

Sol do entardecer

Espetacular, anuncia,

o perecer do dia

 

Ilumina a tarde

Discreto e colossal —

Cortado pela catedral

 

Atrás da montanha

some — sisudo e lento:

Mágica tamanha!

 

Ao relento, dois.

Agora a noite encrua

Só eu e a lua.

 

 

 

 

 

 

Poema quase erótico

 

 

a poesia ululante

revelou detalhes do teu corpo

para o pensamento

 

as mãos,

presas ao volante,

não esqueciam

 

uma fração sequer

daquele momento

em que deslizavam,

 

subiam pelo tornozelo

às pernas e coxas,

do orgasmo à luz alta

 

daquele caminhão

que pôs um fim

ao nosso delírio.

 

 

 

 

 

 

Extorquida

 

 

tudo da vida

é tirado de assalto

: nada se leva daqui

 

vacilou: — mãos ao alto, já era

não está mais ali

 

se vão os dedos,

cabeça, tronco

&membros

 

: perdas em demasia

 

porém resta uma certeza

: fica a poesia

 

 

 

 

 

 

Transitivo

 

 

está proibido

andar de mãos dadas,

paquerar

como dizia antes

 

está proibido

sonhar

caminhar sobre as nuvens

está proibido

 

proibir e não, está.

 

 

 

 

 

 

Ópio

 

 

a conquista humana é o ópio

que leva à Lua,

explora Marte

& manda sinais de fumaça

aos quatro cantos do mundo

 

um flash

em que tudo parece evoluir

 

como uma droga vazia

não deixa o homem superar

a própria ignorância

 

 

 

 

 

 

Tabuleiro

 

 

a morte é iminente

assim como a vida

não é diferente

a mudança

de estado a outros

mundos e instantes

imundos,

quiçá inquietantes

em guerra

onde ambas donzelas

cavalgam sobre cavalos

negros ou brancos,

combatem peões,

sobrepõem seus reis

e passam pelas janelas,

os poderes itinerantes

sobre o tabuleiro

até manchar

de múltiplas histórias

o grande livro

da existência

 

 

 

 

 

 

Atrás

 

 

de um tempo

em que era chique

o choque nos inocentes

o chicote nos traficados

a chacota dos indigentes

o charme dos abastados.

 

 

 

[imagem ©vassilis tangoulis]

 

 

 
 
 
Carlos Antonholi nasceu em 1972 na cidade de Araras/SP. Atualmente reside em São Bernardo do Campo, no ABC paulista. Sua formação abrange a Habilitação Profissional de Ator pela Fundação das Artes de São Caetano do Sul e é formado no curso superior de Letras pela Faculdade de Ciências e Letras de São Bernardo do Campo. Participou como aluno especial da disciplina "A Narrativa em Cena", no curso de mestrado em Artes da UNESP. É professor e gosta de escrever. Não importa o gênero. Escreveu peças para teatro, crônicas, contos e poemas, com os quais já participou de coletâneas e publicações em revistas especializadas. Publicou o livro de poesia Balcão de Almas e de Corpos (2012, edição do autor). As Garras de Nina (Multifoco, 2013) foi o primeiro romance publicado para o público jovem-adulto. Prepara para 2015 lançamento de outro livro de poesia e mais um romance. Mantém dois blogs na internet: um de microcontos [www.microcontos180.blogspot.com] e outro de poemas [www.micropoetricidade.blogspot.com]. Twitter: @cantonholi.