a persistência da memória | salvador dalí | óleo sobre tela |

33x24 cm | MoMA | new york | 1931
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

O poema     

 

 

O sol na planície lança chamas

ao coração incendiário.

 

Guia o olhar

a luz da paisagem

Que em pó e outro

de nuvens levantadas

encobre a rebelião.

 

Entre arvoredos,

encontra um veio

o amarelo amor,

subterrânea força

de passagem.

 

Queima-se a memória.

 

Insólito e bruto diamante

ao fim resulta

dourado de paixão.

 

 

 

 

 

Razão

 

 

De que é feita a memória? Não tenho a mínima ideia. O que tenho, são certas lembranças que parecem afundadas em um sítio subterrâneo, que não se deixam extraditar. Às vezes, uma dessas imagens arredias parece querer vir para a luz do dia, porque uma amálgama de sons, cores e emoções pulsa subitamente diante de um estímulo exterior, como por exemplo, a visão de uma paisagem. Foi o que aconteceu, para que fosse produzido o poema O amarelo amor.

Estava viajando de trem de Belo Horizonte para Governador Valadares, minha cidade natal, onde moram meus pais idosos. Naquela ocasião, um deles estava mal de saúde, e eu estava bastante apreensiva. Enquanto olhava a paisagem que corria pela janela junto com o trem, algumas sensações da infância fizeram a conexão da memória como mundo lá/cá fora.

A paisagem vista era um campo com terreno meio seco, mas nele havia árvores que ofereciam boas sombras. A luz do sol se infiltrava entre aquelas ramagens de modo incisivo, provocando um contraste forte de cores, e deixando a nu tudo o mais. (Vale lembrar, como aditivo da composição da cena, o calor infernal que faz naquela região de Valadares?)

Então, daí veio o poema, que está no livro Coração Incendiário (Porto Alegre: Pragmatha, 2014), nascido como uma minúscula e íntima explosão. Que precisou de muita labutação, pois o momento da fusão escapou sem dó nem piedade da poeta. Persegui as palavras: pesei, medi, escutei, excluí e, afinal, agarrei as melhores que pude. Dei-me por satisfeita com o resultado, agora, o leitor é que o diga!

 

 

junho, 2015

 

 

 

France Gripp (Belo Horizonte/MG). Escreve poesia, contos e crônicas. Mestre em Estudos Literários pela UFMG, leciona na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Tem textos/poemas em várias coletâneas, revistas e jornais literários. Publicou, entre outros títulos de poesia, Coração Incendiário (Porto Alegre: Pragmatha, 2014), TrilililiParalelá (infantil, Belo Horizonte: Edição da Autora, 2011) e Vinte Lições (infantojuvenil, Belo Horizonte: Dimensão, 1998).

 

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