"Não
pecarás contra a castidade".
Espelhos
não invertem. Foi aquele italiano
quem
disse. O nome do italiano não
chegava
à memória dela. A desmemória
havia
feito a faxina ao longo dos anos,
desde
que ela se aposentara do trabalho
como
professora. O mundo do magistério
lhe
parecera o fabuloso ringue das ofensas.
Lembrava
até hoje — a desmemória não
dizimara
esse entulho — daquela aluninha
petulante.
"Mal-amada", gritava a malcriada,
sempre
que a nota a desapontava.
Espelhos
não invertem. Então, deve ser
mesmo
beleza. Olhou bem aquele rosto:
era
verdade, era beleza, insistente no
meio
das rugas. A única novidade na
paisagem
da cara era o batom, e o
trabalho
do batom demorava. Demorava.
Então,
se lembrou novamente do morto.
De
novo no quarto, fez as mãos apertaram
mais
uma vez aquelas carnes murchas,
aquele
monte de cabelo crespo saindo de
entre
as pernas e seguindo até acima do
umbigo.
Até achou bonito a marca do
batom
que deixou nas virilhas dele,
vermelho
no branco, saliva.
Era
seu único irmão, o morto. Eram quase
iguais:
ele também era só, nunca se
casara,
imaginava até que nunca havia
visto
o corpo de uma mulher, assim, ao
vivo,
sem panos. Ela nunca vira um corpo
de
um homem, assim, ao vivo, sem panos.
O
corpo do irmão, agora, amanhecido
morto.
A barba branca por fazer.
Ela
olhou o telefone e depois a janela.
Puxou
as persianas. Ela se deitou ali, na
cama,
ao lado dele. Deixou as mãos
demorarem
subindo o vestido em direção
a
um certo céu vertical que parecia estar
atrás
da cabeceira da cama. O batom na
boca,
a demora.
Dois
mortos ali, as carnes velhas e
murchas
dos irmãos. Dizem os vizinhos
que
um certo inferno os chamou.