[ colagem feita com imagem em cores de nelson antoine/associated press ]
 
 
 
 
 
 

 

 

 

Quando de alguma forma se lida com a História, como pesquisador, produtor de livro, com a historiografia, como professor e mesmo como leitor atento de obras, é condição sine qua non considerar a necessidade de "não silenciar a multiplicidade de vozes dos diferentes sujeitos" envolvidos nos fatos relatados e "vencer preconceitos" contra a versão única da verdade exclusiva de uma autoria. Aprende-se com Cainelli e Schimidt, p.ex., que uma realidade não contém em si mesma a chave de sua própria explicação, pois os problemas culturais, políticos, econômicos e sociais de uma localidade explicam-se, também, pela relação com outras localidades, outros países e até mesmo por processos históricos mais amplos. Ao dar início ao trabalho da História Contemporânea de Oliveira falou-se aqui neste minifúndio de papel sobre a importância do Wu Ming para a História, no sentido de que "quando um escritor escreve História, todo o mundo escreve com ele, uma vez que seu objetivo é ajudar a contar melhor, superando os mitos, os ritos e os detritos da propriedade intelectual".

Tive a honra de ganhar do secretário municipal de Saúde, José Rinaldi de Almeida, exemplar do livro Guia politicamente incorreto da História do Brasil, de Leandro Narloch (Leya, 2011), cuja leitura, acredito, deva ser feita com olhos críticos, sem preconceito, se possível comparativamente, considerando tratar-se de um livro que contesta com inteligência a história oficial brasileira, sobretudo em sua versão didática que chega ao corpo docente/discente cristalizada como "dona da verdade". A começar por cinco verdades que todo brasileiro deveria conhecer a respeito da "educação" católica que os jesuítas tentaram evangelizar os índios, que é bem diferente da versão oficial que se conhece nos livros, porque passa por "ofensas a Deus, adultérios, doenças, brigas, ferimentos, mortes, indisciplina e beberragens homéricas, tudo bem diferente do indianismo romântico pintado por José de Alencar. Basta dizer que o autor prova que quem mais matou índios no Brasil foram os próprios índios e que as bandeiras são apontadas como a maior causa de morte da população indígena depois das epidemias. A descrição da sífilis trazida pelos europeus é de arrepiar. Talvez novidade para muitos, fato é que Zumbi tinha escravos no Quilombo dos Palmares,sequestrava mulheres, raras nas primeiras décadas do Brasil, e executava aqueles que quisessem fugir do quilombo, porque não havia nada de errado nisso, diz Narloch. Cogita-se até que seu verdadeiro nome era Zambi, que viveu no século 17, tinha por tio Ganga Zumba. A novidade é que os portugueses aprenderam com os africanos a comprar escravos. Por sua vez, o poeta barroco Gregório de Matos, o Boca do Inferno, quem diria?, era um tremendo dedo-duro! Estudos recentes mostram que o poeta na verdade odiava não apenas padres, mas negros, pobres, índios, mulatos, cristãos-novos e judeus e os atacava em versos comparados a denúncias secretas à Inquisição, comuns naquela época, 1591, quando a Bahia abrigou agentes do Santo Ofício. Euclides da Cunha, autor da obra-prima Os Sertões, foi considerado picareta como correspondente de O Estado de S. Paulo na cobertura da Guerra de Canudos, que cobriu como freelancer. É formidável (no sentido literal) o texto desmistificador que o autor faz contra o Aleijadinho. Apoiado na teoria romântica do belo-horrível, Narloch detona a imagem do escultor mineiro, dizendo que pode ser comparado a Frankenstein, de Mary Shelley, Quasímodo, o corcunda criado por Vitor Hugo, além de valer-se da descrição hedionda de Rodrigo Ferreira Bretas, para concluir que o mestre das obras da Bíblia de pedra-sabão é autor de obras que muito provavelmente não sejam suas e que muito do que existe a seu respeito não passa de literatura. Santos Dumont é outro desmistificado historicamente: além de lhe ser negado, no que corroboro, o título de inventor do avião, uma vez que os irmãos Wright fizeram essa façanha primeiramente e de modo mais consistente, nos Estados Unidos, a apatia dos franceses levaram-no à depressão e esta ao suicídio em um hotel do Guarujá, S. Paulo, em 1932. O capítulo sobre a monarquia no Brasil é muito interessante e nele fica-se sabendo de algo realmente inusitado: é que o verde-amarelo da bandeira nacional veio de duas famílias – Bragança, de dom Pedro I, e os Habsburgo, da princesa Leopoldina, sendo, portanto,  um mito a ideia de que essas cores foram inspiradas na natureza brasileira, considerando que o último reinado no país durou 49 anos, 3 meses e 22 dias, o 2º mais duradouro daquela época, atrás apenas da rainha Vitória, da Inglaterra. Acrescente-se, segundo ainda o autor, que até 1822, ninguém ligava para a separação do Brasil do reino português. Há coisas interessantíssimas sobre Pixinguinha e Donga, os comunistas, escravos de olhos azuis, as bobagens de Machado de Assis, samba e fascismo, a origem europeia da feijoada, a vaidade de Lampião, e muito mais. É ler com prazer e conhecer um outro lado da História. Da nossa História.

 

  

 

Ao escrever "Saber de pedra — o livro das estátuas" (1999), o professor doutor da UFMG Luís Alberto Brandão Santos como que criou uma taxionomia para o "gênero" ensaístico por demais incisiva e enriquecedora para o discernimento de livros similares. Segundo ele, entre a tarefa da estátua está a de concentrar em si mesma "um estado de alerta", uma vez ser preciso saber "ser ela observada", assim como ser também "ignorada no seu papel no funcionamento do maquinário urbano "garantida pela distração dos olhares em trânsito"; por ser ela "um anteparo para o exercício da indiferença: é importante que esteja lá, despercebida, exatamente para que a ação de não perceber ocorra".

A estátua tem, portanto, que enfrentar esse grande desafio, conforme acepção do mestre mineiro: "ser presença absoluta, radicalmente constante, na mesma proporção em que é ausência, coordenada nula para os sentidos". Então Brandão Santos observa nas estátuas a força de uma presença sagrada, quando paralisada "por uma revelação"; quando "a nudez do corpo desperta polêmica"; quando a pose tem "a intenção de gerar um efeito, seja o de uma situação extraordinária, seja o de uma cena banal"; quando nela a água é "cristal recheado de movimento"; quando "as estátuas são guardiãs da verdade, mas também avisos de que a justiça só é cega se for muda"; quando, interagindo com o espaço urbano quer dizer que "a cidade que não muda não tem passado", donde a estátua ser "maleabilidade temporal".

Além de ser síntese da vida, a representatividade das estátuas permite uma leitura de um processo de condensação de sentidos e de significações, pois é também o objeto de estranhamento que se vai identificar geralmente como obra de arte, adquirindo desse modo um caráter surpreendente e comportamento imprevisto para os olhares de sua identificação, dando-se a revelar em sua imutabilidade e indiferença. Contudo a estátua é também uma obra de arte e como tal ela é flagrada como o ar dotado de vida. Neste caso, diria Bachelard, "uma estátua é tanto o ser humano imobilizado pela morte como a pedra que quer nascer numa forma humana." É tamanha, às vezes, a animação, que chega a lembrar La vénus d´ille, de Prosper Mérimée. Como faz lembrar Goethe quando diz em "Máximas e reflexões" que "as pedras são mestres mudos. Atingem com o mutismo o observador." Ou a aceitar ou não a provocação de Guillevic, quando a faz em "Terraqué": "Se um dia vires – que uma pedra te sorri – irás dizê-lo?".

Pedro Du Bois sentiu-se provocado pelo tema e produziu O Senhor das Estátuas (Penalux, 2013), o mais consistente livro de sua vastíssima produção poética. A partir da motivação da obra do escultor João Bez Batti, o poeta generalizou reflexões alusivas à estátua, reunindo desde sua materialidade à abstração do objeto.

Às vezes, a síntese surpreende e vale por todo o livro: "O exemplo personifica a coisa – afeita e da madeira a forma – conformada no desbaste. – Lixa a peça – e a pinta – nas cores escolhidas. – A coisa transcende a ideia – original do dono – e se assenhora. (IV)" De outra feita o devaneio advém do metabolismo mineral com seu signo substancial a culminar no "próprio sonho do fogo excessivo": "Imenso os aspectos – atraídos pelas mãos que criam a ilusão da vida. O metal tem olhos e ouvidos: não escuta e não enxerga. – A mão sustenta a luva. – os pés contraem a terra. - Diz que respira e oxida – Mãos recriam o fantasmagórico: escuta e enxerga. (XIV)". De vez que há uma confissão do poeta: "Estátuas dizem segredos – engessados em acidentes (XXX). Para guardá-los, observa o poeta, o senhor das estátuas, como um operário da beleza imóvel, "decifra o silêncio – estendido nos olhos fechados e nas mãos postas (XXXII); "em todas as horas de todos os dias – observa o detalhe da pedra – o granito áspero – o mármore em água – o metal – a madeira retratada – [a sua própria] imobilidade do senhor diante do abismo (XXXIII)". E outra confissão do senhor das estátuas: "Busca na estátua o significado – encravado  pelo artífice: a dor – a fertilidade – o coroamento – a desfaçatez – a guarda do corpo – decomposto em tempo. – Rebuscada em sua esterilidade – a estátua traduz o despropósito – de ser tomada como referência (L)." Por isso a conclusão que a estátua tira de si mesma: "A estátua não se submete – em servir ao senhor: recusa – o serviço incômodo – de ser movimento. – Não receia o castigo – de ser observada cegamente – em toque de mãos (LV)".

O senhor estatuário duboisiano é o que "não se conforma no limite, no bloco desgastado em cortes e no lixar recorrente", mas o que "avança espaços – e se confronta com o inexistente", o que "contempla o pensamento – e paciente recolhe aparas – de amarras desconfortáveis (XXXVI)". O senhor das estátuas é o que "receia desconhecer na afetação da pose a madeira corroída em cupins: pedra esvoaçante em lançamentos concêntricos e o papel endurecido cola o refazer do sentido em perdida imagem (XXXVII)". Em nível do folclore, "o senhor contempla a proa embevecida – na face encravada como promessa de travessia: a carranca reduz – o medo na necessidade da partida (XXXIX)". Às vezes o senhor das estátuas as recupera "em enigmas indecifráveis", quando "dispõe sobre as bases elementos concretos: ama o paradoxo da frieza da pedra – e no metal deixa a sua marca (XLVIII)".

Na concepção de Du Bois, "a estátua representa a ação intencional – da sobrevivência – e da criação deletéria – de outras vidas (LVII)".

Do tema imóvel ao texto mobilizador, O senhor das estátuas antepõe a poesia como espaço do objeto da matéria pensada para servir de reflexão ao "resultado da vida concretizada em atos confessados" (III), "memória e apresentação – impropriedade: proximidade entre o objeto e o modelo — monólogo entre a vida e a prisão em vida (XVIII)" – ao nada [que] é revisto no retorno – e ao tudo [que] se desorienta no estado primitivo (XXI)"; à "ilusão degradada em realidade (XXIII)".

 

 

Referências

 

BACHELARD, Gaston. A terra e os devaneios da vontade. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

SANTOS, Luís Alberto Brandão. Saber de pedra — o livro das estátuas. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

 

 

 

Por ter sido pai do anarquismo do Brasil, a genialidade de José Oiticica, nascido em Oliveira, em 22 de julho de 1882 e morto no Rio de Janeiro, em 30 de junho de 1957, ficou empanada em sua terra, onde mantém-se em silêncio conveniente de todos mesmo em face de sua importante obra intelectual. Fosse alguma figura política ou representante de igreja e já teria estátua em praça pública. Em 1971, em plena ditadura militar, foi fundada em Salvador, por Antonio Fernandes Mendes, a Escola Comunitária Professor José Oiticica. A casa do mestre era frequentada por pessoas como Coelho Neto, Monteiro Lobato e Viriato Correia. Seu neto, Hélio Oiticica, artista plástico internacional, foi fundador do Grupo Neoconcreto e um dos gestores do movimento Tropicália (1967-68), que reuniu, entre outros, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Os Mutantes, Tom Zé, Gal Costa, Rogério Duprat, Torquato Neto, Capinam, e foi reprimido pelo Ato Institucional nº 5. "Foi José de Oiticica um dos maiores sábios que conheci na vida, afirmou o professor Cândido Jucá Filho. Eram-lhes familiares as humanidades, conhecia história, filosofia e filologia como poucos, entendia-se em matemática e em medicina. Em línguas, não somente cultivou o português como ainda ensinou o francês, o latim e o grego. Sabia o alemão que praticou em Hamburgo e incursionava pelo russo". Foi, segundo Roberto das Neves, o primeiro poeta no Brasil a compor poemas em esperanto. Carlos Maximiliano, ministro da Justiça do presidente Venceslau Brás, declarou ser Oiticica "o pequeno David armado tão somente com a funda de sua competência". Peregrino Júnior, da Academia Brasileira de Letras, afirmava que ele era um dos homens mais corretos e dignos, além de chefe de família exemplar. Pedro Nava relembra em seu livro Balão cativo as "aulas-comício do mestre irreverente, obcecado o tempo todo por avivar a consciência da desigualdade entre os meninos." O poeta Manoel Bandeira, também seu ex-aluno, reconheceu-lhe "o batalhador com uma força lógica delirante", que chegou a aprender a arte de Arezzo para musicar poemas do poeta da Pasárgada. Oiticica era o homem de grandeza intelectual que falava aos mais simples operários do Rio de Janeiro sobre a importância do avanço da questão social no Brasil. Exprimiu-se através do teatro total, que ocupou boa parte de sua obra, da história, de programas de rádio, da historiografia, da fonética fisiológica, da linguística, da fonologia, da poesia. Ou seja: a palavra em função de libertar o homem brasileiro para sua própria condição de liberdade consciente de cidadão.

Por todos os seus méritos, e por tudo o que acontece atualmente no país, pondo-se o anarquismo na berlinda do pensamento, pode-se questionar o legado de José Oititica: quem pode negar que o atual sistema capitalista ou neoliberal não seja um sistema terrorista de dominação, estatista e autoritário, escudado por uma burocracia mantida pelos 3 Poderes para garantir uma classe dominante cujo voto obrigatório se presta para sufragar somente os novos sistemas de dominação? O que dizer do afunilamento das formas de controle social, da segmentação do mundo e de cada região em guetos de riqueza cercados de miséria, tudo manipulado por sociedades de consumo massificadas e manipuladas por um sistema sofisticado de informação via internet que vigia e manipula as alternativas sociais, os valores libertários de autonomia, de solidariedade, do livre pensamento e do autogoverno, tudo isso dificilmente inteligível ou aceitável pela maioria dos cidadãos amestrados e incapazes de qualquer reflexão crítica, cooptados pela falta de ética, pelo medo e pelo cinismo pragmático? Desse modo a política promoveu sempre a chamada sujeição conformista que escraviza a pessoa que se vende por muito pouco e entrega sua consciência ao poder. Por isso se conhece a panaceia do desenvolvimento sustentável: se o país ficou seriamente comprometido para que apenas uns tenham muito e quase todos os outros não tenham quase nada, a política não se justificou nem mesmo pelo trabalho da maioria, senão em função da burguesia. As diferenças brutais latentes hoje na sociedade, os focos de violência, a complexidade de se encontrar soluções para os problemas sociais contemporâneos, a prevalência de ideologias comunitárias oriundas da ecologia, do pacifismo e da contracultura, o fim do sujeito histórico único e a não mais aceitação da exclusão de classes, as formas de organização por táticas, o espaço comunitário como locus de socialização e de resistência cultural, as ações públicas coletivas e sempre que possível em escala internacional para impedir a expansão do Estado autoritário, a autodeterminação de sujeitos éticos e solidários para a formalização de mudanças na sociedade, são, em resumo, o ideário anarquista de José Oiticica. O mesmo que hoje leva convictamente milhões de cidadãos e cidadãs às ruas para reivindicar qualidade de vida para o povo brasileiro ante a incompetência da classe política. Porque agora todos já estão conscientes do que escreveu Herbert Read: "Os bois passam debaixo da canga; os cegos vão aonde a gente queira levá-los; mas o homem que nasce livre tem o seu próprio caminho". José Oiticica merece muito respeito do povo de sua terra.

 

 

 

 

Tire a televisão de dentro do Brasil e o país

desaparece. – Eugênio Bucci, Radiobrás

 

É preciso questionar que sentido faz programas como Brasil Urgente, Cidade Alerta e o excessivo noticiário policialesco presente e invasivo na mídia televisiva brasileira. É certo que a mídia, hoje, responde pela mediação entre o indivíduo e a sociedade, mas já não há espaços destinados a discussões e apresentações das reivindicações humanas legítimas, a não ser através das lentes e microfones dos meios de comunicação de massa. Com tamanha influência, detendo os meios de produção e difusão da informação, a televisão detém também o poder, cuja transmissão de ideias e valores coaduna com seus interesses particulares. Ao exibir o que quer, seja violência ao vivo, sexo, pornografia, culinária ou moda, a mídia obriga o telespectador a depender exclusivamente daquilo que seja do interesse dela para que alcance o máximo de audiência e mantenha a posição com uma linha de produtos de consumo que a torna distinta das concorrentes no mercado. Nessa guerra, a televisão faz uso da violência para se transformar na principal mídia de valores, opiniões, posições, crenças, atitudes e ideias e no principal meio de comunicação do mundo junto a sociedade, só perdendo terreno para a internet que dia a dia se torna sua principal adversária.  Por interesses estritamente econômicos, o jornalismo vem cada vez mais deixando de ter a função de contextualizar os fatos, explicando-os ao público, tornando-os fragmentos particularizados de situações de fomento junto a classes distintas. A isto se dá o nome em jornalismo de tirania da Comunicação. E dele faz parte o sensacionalismo da violência que hoje tornou-se uma espécie de estratégia de carnavalização cínica da notícia que envolve no menu assaltos, assassinatos, latrocínios, estupros e muitas outras formas de agressão que geram medo, insegurança e desconfiança em relação aos semelhantes e ao aparato oficial de segurança pública. Além de alimentar a indústria do medo com circuitos internos de TV, carros blindados, escoltas armadas, cercas eletrificadas, cursos de defesa pessoal, cães treinados, alarmes, aparelhos tecnológicos, mercado de armas.

Verdade é que o noticiário sobre assassinatos, sequestros, roubos, tráfico de drogas, entre muito mais, é superficial, não tem profundidade e é quase sempre descontextualizado. Interessa nele mostrar, se possível em primeiro plano, o puro espetáculo da desgraça alheia, preferencialmente das classes mais pobres: corpos estendidos nas ruas, o desespero dos familiares, o big close no rosto do moribundo e em seguida dos parentes desconsolados até mesmo no velório em um momento de desespero íntimo. Discute-se, nesses programas patéticos, a rotinização da violência, mas não a violência, que assim virou uma ameaça ao direito à informação da sociedade, que permita a reflexão e toma de posição ante o excesso de violência. Para piorar a degenerescência da violência através da violência, estudo de David Marques Romão concluiu que o jornalismo policial se vale de recursos sensacionalistas para captar e manter a atenção dos telespectadores; da construção de uma aparência de credibilidade e autoridade para a visão de mundo apresentada; e que essa visão é extremamente perigosa, por colocar os telespectadores numa posição conformista, uma vez que os programas alimentam uma forma paranóica de relação com a realidade social que os circunda. Essa é a realidade para mais de 100 milhões de brasileiros que compõem a nova classe mídia do país, sujeitos, todos eles, à forte influência diária da escala de consumo da violência, cuja mobilidade social está condicionada pelo censo crítico da televisão.

Na esteira do analista Alexandre Figueiredo, em nome do rótulo de "popular", de "imprensa investigativa", o que se vê é o mundo cão de sempre com algum apresentador um tanto bronco prometendo "justiça" para os telespectadores, mas com a radicalização de um processo que culmina com a vulgarização da televisão dado o grotesco em excesso dos programas nesse "popular" midiático onde o povo pobre é "convidado" a se tornar caricatura e estereótipo de si mesmo. Sem contribuir em nada para melhorar a sociedade, esses programas policialescos deveriam ser banidos da programação televisiva e dar lugar a uma programação decente, útil, sadia e instrutiva para que a população pudesse tirar proveito em função de seu entretenimento, prazer, cultura e formação de sua cidadania.

 

 

 

setembro, 2013

 

 

CORRESPONDÊNCIA PARA ESTA SEÇÃO

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