antiguia

 

 

Dedicado à Ana Carolina B.P.

 

 

um quarto de hotel ruminando a palavra distanciânsia

ecoam evoés tristes antes de beber o vinho invisível

ouvi do fantasma de zé celso que a hora certa é já

duas vezes pontuei direções: balões negros suspensos nos olhos de ana

balões negros grudados no corpo da bacante insana

 

falo o silêncio pelo avesso e a cidade pacífica porque eu queria

a confusão de sons e anti-dramas e buzinas e ruídos estavam dentro

acho que nosso retardo é estar no ombro de uma brisa em frente ao prédio em ruínas

na paulista.

 

as estações de um amor perdido não são pedras no metrô

 

é a vida mesma assim que me passa a vista

toco-a por entre os prédios de abóbadas cinza

tão cinza quanto a tromba de elefantes lunáticos.

 

 

 

 

 

 

repulsa ao sexo

 

 

Ana era tardia suas vestes de meia preta tocaram o meu coração

O meu coração é um circo de palhaços mortos.

 

 

 

 

 

 

estação da luz

 

 

Qualquer lugar será triste se atravessado por vagões negros que nos

expiam inquietos.

 

 

 

 

 

 

a.c

 

 

Tenho medo das mulheres de óculos grandes.

Elas atravessam as ruas em segredo.

 

 

Os passos são azulados como os cadáveres na sala de anatomia.

 

 

 

 

 

 

veste

 

 

dos meus medos faço uma anágua e visto.

 

 

 

 

 

 

infância

 

 

desisti de lutar contra

agora orquestro sombras

 

 

 

 

 

 

ampla

 

 

os teus estilhaços são transfigurações que lêem o meu dizer de bruxa abracadáver.

 

gosto de escrever garatujas em papel reciclado.

cartas de amor avançadas e impossíveis. mando-te meu livro mais querido todo rabiscado de caneta escrita fina.

 

percebe.

 

há todo esse espaço entrecortado que nos distanciaproxima.

teu vulto das nove e meia passeia ao meu lado.

 

meu passatempo é acordar bonita penteando os cabelos de uma estranha atriz de cinema pendurada na parede do quarto. o chão é frio e minhas costelas estão doloridas. sonho com um quarto lunar a meio céu. vem comigo?

 

convido-te a ser rainha de uma amplitude sem demora.

tomaremos chá de lama em conchinhas selvagens.

 

 

 

 

 

 

o doador chagado e a prisioneira amadora

 

 

a imagem afeto que traga o vício

artifício

 

peça mágica da ilusionista maga

 

o passo manco de um diabo frágil

aparece

 

o inferno é calmo.

 

 

 

 

uma sereia em river gauche

 

 

estilhaçada

 

sou o sopro vivo do nada

cavando entre tuas tulhas

o paraíso perdido

ou o último insuflado suspiro...

 

aquele véu anaítico de uma casa saída

às avessas do incesto;

 

lambo lory minha irmã

e seu caderno mais que rosa

lambo lory tua irmã

 

e fodo a poesia com minha prosa!

 

 

 

 

 

 

break fast

 

 

Tua casa é alegre

diz beto.

 

Uma mentira sutil é pouco distante do erro

diz godard.

 

Levanto para tomar chá.

 

 

 

 

 

 

tristeando

 

 

Amorte é ralo. Escoa lenta e insone.

cheia de mandacarus-girassóis abraçados em plácida calma.

 

 

amorte cicatriza a vida.

paralisação estranha do que se foi.

 

 

Amorte também cicatriza a espera. 

Cerca velha apontada para o alto.

focada em máquina de fotografia antiga.

 

 

 

 

 

 

a depressiva do tambor

 

 

é delicado um fio de cabelo solto. ele voa.

mesmo quando sobrancelhas grossas afogam sorrisos para dentro.

 

feia é a instância de alguma secreta.

traduzida no sol quando ilumina unhas descascadas em vermelho.

 

 

 

 

 

 

partilhamento

 

 

Devastada a correnteza da cegueira

[Insisto em dizer]

Sobra a vontade de reconstruir segredinhos

de uma despedida feita por mãos-dadas.

 

 

 

 

 

 

auto-irretrato

 

 

Escrever poesia-rima

 

Aciona algo que desanima

 

Ventania que de baixo para cima

 

Levanta a saia de uma Marylin morta.

 

 

 

 

 

 

poema solto

 

 

Há uma estranha objetalização em sussurrar bataille no teu ouvido ouvido transfigurado pelo óbito dos tabus mesmo os viris. se falo sou sádica quero tua imobilidade não podes nem cruzar as pernas numa epifânia súbita de coisas molhadas que escorregam nem suplicar obscenas imitações de labirintos super-povoados por homens morcegos esmoler trágicos mulheres lazulis bodes lunares tetas curtidas melancólicos olhares. bebe bebe o vinho labirintoso português em goles nada amenos e te manténs imóvel enquanto falo.

 

 

Só quero ver — em película noir — esse filete de saliva escorrer-te nádegas.

 

 

 

 

 

 

*

 

 

respira fundo

vê a lua vazando?

aspirada pelo sopro quente do dia

inalada como ópio

e nossos corpos sobrevoados por anjos matutinos

carregados de incensos

o tarot exposto em leque na mesa

ao lado, a imperatriz de mãos dadas com a

sacerdotisa

loucamente vestida...

teu rosto não é estranho mas

nem falo de séculos atrás por que em meio à bebedeira percebi-me

enevoada pelo desvario

e vi

bem dentro de ti e do teu sorriso

alguma coisa santa:

TEU SORRISO É FEITO DE ABELHAS

 

 

[imagens ©hans bellmer]

 

 

 

 

 

 

 

Jorgeana Braga. Publicou Janelas que escondem espíritos (poesia) e A casa do sentido vermelho (prosa). Algumas publicações intermediárias, e inéditos: Cemitério de espumas (encenado no teatro), Abololôs: poemas para caixa de fungos e Sangrimê (prosa). Nasceu e vive em São Luís, Maranhão.