WHEATFIELD WITH CROWS

 

:: as flores de joan mitchell são garatujas infantis que disparam clarões amarelos, vermelhos & azuis ou lilases tão líricos como a  emergência anarquista dos princípios pulsionais da escritura ::

 

:: as flores de joan mitchell são três ou quatro traços de giz colorido que saltam da miséria da infância enquanto o staff de algum partido político desvia  verbas de projetos de ação social para crianças da periferia ::

 

:: as flores de joan mitchell respiram o vento verde vindo de um jardim alucinógeno & verde que não será revelado à luz dos flashes que fosforescem fashions entre babas cosméticas, concisas & calculadas ::

 

:: as flores de joan mitchell são girassóis coriscando arabescos como rabiscos de relâmpagos espiralados & os escritores dissidentes internados nas clínicas psiquiátricas da china amariam chorar através das flores de joan mitchell ::

 

::  flores de joan mitchell não assinaram os manifestos anti-imperialistas de barnett newman, franz kline ou robert motherwell mas poderiam deitar suas pétalas entre os manacás da serra do mar ::

 

                                                 se um bando de araras canindé :: revoasse nas bordas :: do ambá tenondé

 

 

 

 

 

 

CÚSPIDE ZODIACAL DE TUA ESTRELA ÀS QUINZE HORAS

 

:: existe um ninho de escorpiões escuros ao sol dos dias que doem sobre o estropício do teu amor em trapos ::

 

um ninho de escorpiões em núpcias na sombra bárbara & encrespada de teu cabelo em labareda

 

:: existe um invólucro lacrado de escorpiões visíveis nas vísceras de cada realidade aparente ::

 

um ninho de escorpiões em chamas a cada pontada de arpão ardente que a passagem dos sóis nos reserva

 

:: existe um invólucro de escorpiões lacrados se revirando no fogo frio que se alastra pelo interior em carne viva das cores

 

negras :: um ninho de agulhas encharcadas no veneno de cada manhã que desponta a leste destes travesseiros ::

 

existe uma toca de escorpiões nas frestas da madeira podre da porta do quarto desta cabana que se abre para uma lagoa verde (uma toca

 

podre de escorpiões que passeiam nos delírios entre parênteses que transcrevo literalmente há exatos trinta anos)

 

:: uma ninhada amorosa de escorpiões que se escondem nas gretas da alma em estado bruto que se chama Corpo (femina) ::

 

uma ninhada de escorpiões amorosos que eu adoraria extrair de teu cerne através de tuas narinas usando para isso os ganchos das vitrines das butiques de carnes

 

:: existe uma dúzia de escorpiões mal dissimulados no discurso tolo da tola natureza humana ::

 

(duas dúzias de escorpiões explícitos em cada ato ético dos partidários da sarna societária)

 

:: existe um ninho fosforescente de ardentias

 

que desaparecem na negrura das centelhas embruxadas de seu próprio movimento :: um ninho hermético de escorpiões que sobem

 

à superfície das coisas cada vez que se afundam na profundidade sem fundo ::

 

uma fossa repleta de escorpiões no fundo secreto & violento das arcas da miséria da infância

 

                                  (à tarde eu atravessava a cerca viva de arbustos de amora & colava os ouvidos nas frestas da tampa do poço de pedra do casarão abandonado para ouvir a música verde que vinha do inferno)

 

:: existe uma sesta de sábado negro repleta de animais latejando nas pilhas de lenha dos porões de 1967

 

onde eu queria sexo sádico com minhas primas (sadomasoquista com minhas tias) ::

 

existe um suicídio consumado de escorpiões quando teus olhos destilam o arsênico que coloquei em teu copo

 

para que provasses o sabor que teus olhos provocam nas voltas dos meus intestinos :: um incêndio

 

de escorpiões enredados nas vésperas do verão quando acenas com tuas pequenas promessas de vingança

 

:: um rastro em brasas de escorpiões dançando na linha que vai do estômago ao sexo entre as flores alaranjadas onde se esconde a besta inexplicável do amor ::

 

um sol

 

de escorpiões da áfrica gozando o estranho deleite do ritos do sangue quando vestes a nudez sagrada

 

 que os animais escalpelados não possuem

 

 

 

 

 

 

 

 

 

:: vênus amoris : bela, aphrodisea, labial : naturalis, divinal, imagini magi : perversa, polimorfa, bárbara, arcana, gótica picatrix : putana,

 

poma floresque in manu dextra (occulta) : & in sinistra erecti ignem flores : faminta, ofídica, felídea curvilínea : bestia domina, encantatrix, bruxuleante :

 

obscoenum splendor solis, uivante, rubentium fumus : vita  coelita, ctônica, floral, cunnilíngua : necromântica, cosmética

 

: Alucinógena Máxima :

 

plutônica, úmida, cálida fenestra : arrogante, amorosa, barroca virgo violata : vagabunda, adorada, phoecunda : venérea venerada

                                                               

:: nigra sed pulchra ::

   

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            A história do Ocidente é a da interdição da idolatria (das imagens, negras): a vertigem como peste a ser extirpada. Razão aristotélica + universalismo político = 20.000 bruxas executadas na Idade Moderna. O espaço da besta triunfante

 

         é o império da revolução permanente. A esquerda & os evangélicos se amam.

 

            O Ocidente não sabe suportar a visão de suas próprias vísceras (germinando: apodrecendo). A Commedia Humana ou Da Racionalização do Horror como estratégia. O despotismo esclarecido se encontra em toda parte.

 

            Duas sedições: o barroco mestiço & o romantismo nórdico. A poesia provençal inaugurou uma tradição (bárbara, obscura). A Madona de Guadalupe; a Aurélia de Nerval. Romantismo & barroquismo (mestizo) traduzem a angústia de um desterro: a libido de um regressus ad uterum : a anamese da horda: uma cópula com súcubos. Estes vitrais de beladona, estas igrejas em ruínas.

 

            As mulheres que me amaram: eram várias ou a Mesma? Romantismo idealiza (filosófica & sexualmente). Barroco dessublima (erótica, etnologicamente). O barroco é arquetípico, & o romantismo, histórico. Romantismo dissolve; barroco coagula.

 

            A palavra bruxaria remete, em todas as línguas, à palavra fecundidade.

 

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            A bruxaria é uma luxúria do olho.

 

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            A mística é o paladar de um anjo. Carnes brancas & vermelhas; vinhos; & o grelo à entrada da Fenda.

 

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[Do livro Nigra Sed Pulchra, 2004, inédito]

 

 

 

para a próxima quarta-feira agendarei destrinchar / teu corpo sobre o balcão das cozinhas entre as réstias / de alho que se trançam vermelhas como as víboras que roçam / tua crina de égua amorosa anunciada por tua intimidade selada / que se abre para mim como a alegria de uma cripta egípcia / forrada de líquens lilases tão agrestes como um jardim de juremas / negras que se bebem como vinho consagrado nos catimbós da caatinga / que me fariam querer ser cristão apenas para que me torturasses com teus tamancos de nobre patrícia romana

 

(porém te escrevo estas cartas arcaicas apenas por não pertencer ao rebanho dos literatos latinos — antigos, up to dates ou pós)

 

exatamente quando a crueldade de um clarão vem trazer / meu corpo de volta à delicada dimensão dos viventes / que não sabem que os deuses das flores são também os deuses dos esfolamentos

 

(o amor

como a Alegre Tragédia da Devastação:

                                                                 

                                                                      amanhã

 

estarás outra vez nos states & eu

na cidade das crianças degoladas)

 

:: do exílio do outro (a mulher não existe) ao borrado gozo da linguagem ::

 

 

 

[Do livro Ménage, 2005, inédito]

 

 

 

OS NOMES DO FILHO

 

"estranho" em 1963 – "lento" em 64 – "nas nuvens" –

 

"tarado" em 66; "temperamento de artista" (a partir de 67); "introvertido, isolado, quieto demais";

 

"arrogante" em 69 – "desligado"; "melancólico"; "fantasioso" – "bicha" em 71, 72: "tendência homossexual" – "ladrãozinho"; "problemático"; "fora da realidade" –

 

"esquizóide" em 75 – "esquisito" em 77 – "traidor da pátria, bicha subversiva", ainda em 77 – "petulante" – "pequeno-burguês decadente" –

 

"desconfiado, suspeito, calado demais" – "filhinho de papai" em 78 – "mórbido" (pela primeira vez) – "suburbano", "vigarista", "rato de laboratório" – "lumpen" em 81 – "drogado"; "lírico alienado";

 

"inadequado" – "ridículo, imoral, educador antiético" – "reticente às normas" – "comportamento impróprio" em 1989 – "mórbido", "perdido", "maníaco-depressivo" em 91 –

 

"pré-rafaelita" em 93 – "morcego aristocrata" a partir de 94  – "resistência ao coletivo" –

 

"elemento pouco confiável" em 94, 95, 96, &c.  – "problemático" (novamente); "louco, irresponsável, traiçoeiro"; "mórbido"; "anormal"

 

– "tendência suicida" –

 

"melancólico"; "anômalo"; ""venenoso"

 

 

 

[Do livro Recuerdos do Apocalipse, 2012, inédito]

 

 

 

[imagem ©gremlin]

 

 

 

 

 

Rubens Zárate (Santo André/SP, 1959) publicou os livretos Pedra (1978), Barra (1978) e Medium coeli, campus stellae (1980) e foi incluído em Una antología de poesía brasileña (Madrid: Huerga y Fierro, 2007). Historiador e antropólogo, trabalha como produtor cultural.