Homens

Pastam bois, mansamente.
Pastam, simplesmente por serem bois.
Homens, por serem homens,
arrastam-se sempre querendo mais.
Cavam, cavam suas covas
garimpando ouros de morte,
peneirando riquezas falsas,
alicerçando o caos
de suas vidas.

Voam pássaros.
Cantam; humildes, encantam
suados homens que
repousam sobre seus túmulos.

Caem das árvores
frutas que não foram
colhidas. Adubam o solo,
são esmagadas pelos pés
dos homens, que acabarão feito elas.

 

 

 

 

 

 

Quando

Quando:
os beijos esfriarem,
os olhos perderem o brilho,
as mãos mantiverem-se inertes,
nas barrigas não houver mais o 'friozinho',
as horas passarem sem deixar rastro,
a fala não for mais ouvida,
a presença não for mais notada,
a ausência não for mais chorada,
a distância não for mais um fardo,
o desejo transformar-se em rotina.

Quando dois não mais forem um,
e nem mesmo o que for
externo tiver importância
(gestos, pele, cabelos),
o amor, simplesmente,
não mais terá sentido.

 

 

 

 

 

 

Vertigem do tempo

Vertigem do tempo, vertigem:
segundo a segundo formando
um minuto a minuto formando
uma hora, um dia, uma vida.

Vertigem do tempo, vertigem:
quem sou? O que resta
de mim nesta pálida figura
que versa, que chora,
que atravessa o mundo
com o tempo pingando
dos olhos como lágrimas
construindo o arrebol
de um sol atômico?

Vertigem de mim, vertigem:
o que crio sou eu? O que faço
perde-se no vazio
do silêncio contido no
eu te amo de sempre, no
vá e não volte, suporte
imperfeito para o esquecido
solilóquio inaudível?

Vertigem do tempo, vertigem:
onde estou?

 

 

[Do livro Vertigens do tempo]

 

 

Poema solto

 

caro leitor
de antemão o interpelo:
o que aqui procuras?
o que queres de mim
ou melhor: o que pensas
que sou?
imaginas que eu seja isso
aqui escrito?
pobre de ti, leitor!
podre de mim que o engano,
engabelo senduvidamente
criando imagens à tua frente e tu,
ingênua figura, deitas sobre
minhas letrinhas calculadamente
postas cá, no que ouso chamar de
"poema" e: ooooooooooh!

coitado de ti
caro leitor!
teus aplausos ou vaias
guarda-os! o arder de teus olhos
em lágrimas? putz! a ti
devem valer alguma coisa!

sou um ratinho roendo palavras!
ruidosamente rumino rotos restos de frases:
sintagmas! sílabas! letras em frangalhos!

caro leitor
estou à solta!

(grato por esconderes
teus calcanhares!)

 

 

 

 

 

 

É teu!

 

cada página, um
feudo cujo senhor
és tu, leitor!

minha obrigação — nosso
vínculo — estas letrinhas
porcamente organizadas,
dadas a ti como fração
inexata da ideia que me tomou
de súbito.

a utilidade destes versos
está em tuas mãos:
faze deles o que bem
o queiras; rasga-os!, queima-os!,
guarda-os junto ao peito se
isso é o que te faça bem!

caso não te agrade o poema,
caro leitor, degola o eu-
lírico que o habita
ou deixe o poeta viver
em paz!

 

 

 

 

 

 

Singelo poema de despedida

 

Talvez,
enquanto arder a vida em nossos olhos,
caminhes desgarrada de mim.
Talvez eu tente explicar
às paredes deste lugar enferrujado
que tudo não passou de nadinhas
daqueles calculadamente inexatos.
Talvez eu durma nos braços
tropicais desta solidão,
passeando por uma cidade cada vez
mais cinza, de um mundo cada vez
mais próximo, cada vez mais frio,
cada vez mais.
Talvez!

No fim,
tudo se resume
ao mais precário e inútil álbum de recordações:
nossa memória.

 

 

[Do livro (Quebrando) Objetos inúteis]

 

 

 

Frio

 

no frio

tudo diminui:

ponte vira frio,

cio se dilui;

vento corta ossos,

corpos tremem tortos,

(a)braços tornam-se portos

onde se deve navegar:

o que aqui acontece

é que frio também anoitece

sol somente amanhã!

 

 

 

 

 

 

Outropsicografia

 

O poeta finge dor que não se vê

e por não se contentar completamente

chega a fingir a ferida em que não crê

dor que desatina e ele não sente.

 

E os solitários entre gentes que o leem

estão presos por vontade ao que escreve

servem-no não no querer que não têm

mas pela morte da lealdade à sua verve.

 

Tentando causar favor nas calhas de roda

gira a entreter humanos corações

amizade amor num comboio de corda

tão contrário a si e a qualquer razão.

 

 

 

 

 

 

Poema de Sete Farsas

 

Quando nasci, um anjo bobo

desses que vivem pregando peças

disse: Vai, Tafuri! ser gordo na vida.

 

As casas recebem mulheres

nos braços dos homens que as alcançaram.

A tarde com certeza é carmim

justamente por tantos desejos.

 

O bonde descansa na ausência das pernas que não mais têm cor.

Onde estariam as pernas, meu Deus,

não encontra resposta meu coração.

Todavia meus olhos

se calam no ônibus lotado.

 

O homem de cabelos curtinhos

é gaiato, discreto, rechonchudo.

Quase não o ouvem.

Possui amigos, e um grande amor, loucos como

o homem de óculos pretos e barba inexata.

 

Obrigado, meu Deus, por estar comigo

por saberes que não sou Deus,

por saberes que sempre fui fraco.

 

Mundo mundo vasto mundo

eu teria um desgosto profundo

se faltasse o Flamengo no mundo.

Mundo mundo vasto mundo,

mais time tem o mengão.

 

Eu não devia dizer

mas esse poema

mas essa paródia

botam a gente enrolado como um contraventor.

 

 

 

 

 

 

Vida de poeta

 

tudo murcha em marcha lenta!

 

maneira mais idiota de se iniciar

um poema não há:

letras me veem e tentam, se

apontam e dizem "hei, você! aceita

uma fantasia de poeta?" respondo-lhes:

"não tem de jogador de futebol, não?"

"não! Somos letras, não bola!"

tudo bem. conduzam-me!

 

bem que poderia ser assim o parto

de um poema! Mas não! à mercê do

esforço do meu pensamento:

estico; escavo, paro feito doido e olho

sem ver, através do que se poste a minha

frente e pairo o poema que nem um chorinho

se digna a dar para se anunciar.

 

vida de poeta é difícil!

estar prenhe constantemente de novas

maneiras de agrupar letras sílabas

dá um trabalho danado! não há musa

não há hit há busca pela palavra perfeita

sem esmeril ou material de ourivesaria,

antes de cutelaria: afiado o instrumento

que melhor convier, pede-se ao poeta

que pouco grite que o poema já está

para nascer.

 

 

 

 

 

 

Pensão Especial

 

o mal que me acomete não é crime

tampouco discrimina!

 

apesar de assumido fingidor

sem que isso me acrescente

pessoa ao sobrenome, sei que sinto

algo estranho do lado esquerdo do peito:

será somente sintoma ou seria manifestação

de uma futura hipocondria? avesso a

remédicos e sem hematomas,

sou levado a crer que nada do que aqui

escreva vai fazer com que o governo

institua pensão especial aos que portem

o mal que me coleciona:

 

quantos sofrem desta mesma dor

que cresce ao nos invadir o peito

estreito por estreito e explodir

aqui, nestas folhinhas de papel,

numa caótica por em constate

mutação harmonia:

 

poesia!

 

(aos não-poetas sugiro lerem a bula

antes de darem o próximo passo.)

 

 

 

[ imagem ©evilmuffins ]

 

 

 

 

 

HERNANY Luiz TAFURI Ferreira Júnior (Juiz de Fora/MG, 1982). É servidor da Universidade Federal de Juiz de Fora, instituição na qual cursa Letras. Ganhou 14 prêmios em concursos literários nacionais e internacionais, participou de diversas antologias de contos, crônicas e poemas em nível nacional e internacional e publicou, em 2008, com apoio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura Murilo Mendes, do Município de Juiz de Fora, o livro de poesia Vertigens do tempo, que recebeu o prêmio de Melhor Livro Estrangeiro de Poesia Jovem da Accademia Internazionale "IL Convívio" Castiglione di Sicília (CT) – Itália. Em 2009, publicou (Quebrando) Objetos Inúteis, pela Virtual Books. Em 2010, publicou, junto aos amigos Alexandre Vieira e Carolina Fellet, o livro de contos III em Contos. Escreve o blogue Ga-gueira da alma e no Verdades Provisórias. Mais sobre o autor: clique aqui.