*

 

abra

e não tema

 

este poema não sara

 

mas aclara

o que te queima

 

 

 

 

 

 

*

 

os braços tortuosos

desta árvore

embalam

aquela nuvem

 

 

 

 

 

 

*

 

peço perdão

às minhas pedras

 

pelas eras dormindo

 

e às minhas pétalas

relegadas ao limbo

 

peço perdão

a tudo que

rindo

me faz ver

de mim

 

o desaprumo

em que

me opri

mo

 

 

 

 

 

 

*

 

de silêncio em silêncio

de estremecimento

em estremecimento

irrompe a flor

 

— tão branca —

 

do fundo mais escuro

do cimento

 

 

 

 

 

 

*

 

como se me esmagassem

no estado crisálida

 

ou se me arrancassem

do verde da casca

 

como se tocada

no sumo da asa

 

assim me vejo

mudando de casa

 

 

 

 

 

 

*

 

eu sei

eu sei

você me amava

 

era meu choro

que te escandalizava

 

uivava

uivava

 

em seguida

desabava

 

dilúvio

afogando o Atacama

após meio século sem água

 

 

 

 

 

 

*

 

a chuva desfere seus golpes

semifusas de ausência

 

 

tudo é sonoro

 

e sangra

 

 

 

 

 

 

*

 

Soltou-se uma folha

do meu velho dicionário

 

Letra D, página 416

 

Dítono  ditirambo

dissonar  dissolver

distúrbio  diurnal...

...

 

A folha se desfez

no vão dos dedos

 

Em testemunho

gotas  de vinho tinto

no fundo da taça azulada

e um livro aberto sobre a mesa

— Cem poemas chineses —

onde a poeta Cho Su Seng

dos confins do século XI

diz:

 

está vazia a minha taça

numa saudade que não passa

 

pétalas soltas tombam no pó

 

Como estou triste

Como estou só!....

 

 

 

 

 

 

 

*

 

AbrO aO meiO

O dia em que me trancO

 

EnegreçO e enegreçO

a fOlha em brancO

 

até rugir no centrO

em desatinO

 

flamejante

cOmprimidO

 

O Tigre AlbinO

 

 

 

 

 

 

*

 

 (para Paulinho da Viola)

 

dias em que atravesso os meus espelhos

num retinir de poros e de pelos

ao som instrumental de Choro Negro

 

é assim

que o desconsolo

em mim se esvai

 

que me desprego do solo

em desapego

 

e me desintegro

sem um ai

 

 

 

 

 

 

*

 

pois ia eu

meu amor

 

quero que saiba

 

no mais profundo estado

de vigília

 

só até ali

 

 

só até a lira...

 

 

 

[Poemas do livro Zunidos Rósea, inédito]

 

 

 

(imagens ©madziula)

 

 

Neuzza Pinhero é poeta e compositora nascida no Paraná. Acaba de mover duas peças no nome de batismo (acréscimo de um "z" e exclusão de um "i") por questões cabalísticas. Ganhou um prêmio nacional de música (cantando "Sabor de Veneno", de Arrigo Barnabé) e um prêmio nacional  de poesia, em 2007, com o livro Pele & osso (um livro-fantasma, já que a FUNJOPE - Fundação Cultural de João Pessoa-PB, pelo menos até hoje, 2009, não encaminhou os 500 exemplares devidos). Olodango, seu cd autoral independente, também é um cd-fantasma em menor grau: só teve 100 cópias editadas. É socióloga e vive em Santo André.