XÍCARA

 

 

 

 

 

PARAFINA

 

De vez em quando

minha fé resmunga

reclamando

 

Inconstância súbita

me questiona

me põe em dúvida

me indaga

 

Mas meu pavio

não se apaga

segue aceso

e embora ileso

em chaga

 

 

 

 

 

 

BÚSSOLA

 

Vento vagante em meu peito imerso

soprando palavras sem rumo nem rima

num mar de poemas ainda disformes

decerto deserto de versos diversos,

 

Lúcidos.

 

Decerto bússola de agulhas incertas

Disturbando o nauta que, embora poeta,

explora inseguro seus versos-dilemas,

prendendo palavras que estavam libertas,

e livrando os sentidos de suas algemas

 

Ácidas.

 

Sopra, brisa pungente, minha vela reclusa!

E move esta nave donzela a epopéias bravias

para as águas gestantes de vãs poesias,

para os mares sedentos desta proa intrusa,

 

Límpidos.

 

Cruza percursos remotos privados de mapa

e brevemente (que és só fôlego e mocidade)

leva meu poema a mergulhar na saudade,

mas batiza-o somente na palavra que me escapa

 

Líquida.

 

Depois traze-o certeiro a esta mesma embarcação,

pois se a rosa-dos-rumos converteu-se na dos ventos,

um sopro que me venha há de mudar-se em alento

e transbordar de poesia o navegante coração

 

Ínfimo.

 

 

 

 

 

 

MIOPIA

 

(Sobre a estátua de Drummond)

 

Serão dez ou serão onze

os seus óculos de bronze?

Por favor ou por astúcia,

não reponham tal minúcia

na estátua que verseja.

Não permitam que ela veja

que a maldade que profana

ultrapassou Copacabana.

 

 

 

 

 

 

PAPAGAIO

 

A pipa a pino no céu

tem saudades do piá

que carrega o carretel

 

 

 

 

 

 

RABIOLA

 

O piá que empina pipa

também voa, participa

da aventura-ventarola

 

 

 

 

 

 

POEMA  PARA  A  POETISA

 

Flor do ipê do pé de Assaí posto

Epopéia nos idos raios de agosto

Ipê mesmo, mão de Deus, dedicatória

caindo angélico nos versos da história

 

Aproveitar a poesia pra proveta

Chapar de chá até rachar as borboletas

Salgar as rosas que estejam dessalgadas

E adoçar as solitárias calcinadas

E, com lirismo [embora seja um certo fardo],

fazer sorrir o mais revolto Leonardo

 

A chuva última haverá de ser primeira

que da Medusa apaga o fogo em cabeleira

e molha fértil e de forma tão precisa

a inspiração brotando à mão da poetisa

em Curitiba, pelos parques, pelas ruas

em Peabiru, de pó rubi, de estrelas cruas

para regar, banhar de luz a poesia

eternizar o que compor Bárbara Lia

 

 

 

 

 

 

TEMPESTADE  GAÚCHA

 

Gotas errantes

imitam vanera

Caem dançantes

sem eira nem beira

 

Um vento criança

recorda sanfona

Fissura de dança

me vem logo à tona

 

 

 

 

 

 

ALGEA, ELEISON!

 

Que é a dor,

senão fria corrente

que une os mortais?

 

Que é o amor,

senão medo pungente

de murmurar ais?

 

É a dor quem desenha

os santos e os pecadores.

É ela a mesma senha

nas prisões e nos andores.

 

Pois santidade e imperfeição

têm nas veias mesmo sangue:

São filhas da aflição,

paridas num mesmo tanque

cujo nome é coração.

 

 

 

 

 

 

PAPEL  DE  PAREDE

 

Saudade feroz

de quando as paredes ouviam,

condenavam, proibiam

a nossa voz

 

Errávamos menos

quando as paredes tinham ouvidos.

Pois precavidos,

éramos plenos.

 

Hoje os ouvidos têm paredes.

Não é esquisito?

Pois nem meu grito

tu já não sentes.

 

Reclamo em vão...

Mas se há paredes

Pintemo-las verdes

pra ocultar solidão

 

 

 

 

 

 

AMAR, VERBO TRANSITIVO

 

Nasço amores

Chego amassos

Moro abraços

Chovo flores

 

Amanheço idades

Anoiteço brigas

Sorrio cantigas

Choro saudades

 

Converso festas

Fracasso juras

Morro loucuras

Viajo promessas

 

"Amo". E sem objeto (direto / indireto)?

"Amo". E sem complemento? Que tom mais cinzento!

"Amo". Sem-eira-nem-beira? Que besteira!

"Amo". E só? Tenha dó!

 

Que me perdoe Mário de Andrade

e Carlos Drummond me permita,

mas, se o amor não transita,

não é amor de verdade:

 

É parasita!

 

 

 

 

 

 

VENEZA

 

Reflexo da lua nas águas

serenas

Luzes mansas nas portas

pequenas

Sombra amiga nas gôndolas ermas

cansadas

Encontro de almas lindas e trêmulas

amadas

Um vento quieto desce

solene

E o mar agradece:

Ti voglio bene...

Ti voglio bene...

 

 

 

 

 

 

AO ESTUDANTE ANÔNIMO

 

Liberdade é poesia

que não se desvia

das muralhas

 

Liberdade ultrapassa

Tanques brutos da praça

represálias

 

Liberdade é música

que vai além da letra

escrita

berrada

mortal:

Manifesto silencioso da verdade

Genuína paz celestial

 

 

 

 

 

 

REPÚBLICA POPULAR

 

Que a poesia sobreviva

compassiva

qual cristal

diante do Mao

 

 

 

 

 

 

SUPERNA  NÓTULA

 

Não escrevo poesia

é ela que me escreve

é ela que se atreve

a grafar-me, tirania

 

Poesia não se lavra

nasce sozinha

erva-daninha

erva-palavra

 

Poema não se poda

é soberano

sobre-humano

incomoda

 

A poesia está em tudo

é quase ente

onipresente

onidesnudo

 

 

 

 

 

 

CÔNCAVO

 

Tem quem viva mesmo morto

Há porém quem venha lúgubre

 

Tem quem ande mesmo torto

Há também quem cresça ínfimo

 

Pois se há quem vença sem conforto

Também tem quem nasça póstumo

 

E embora encontrem mesmo porto

quase não há quem mude o hábito

 

 

 

 

 

 

BALADA  DO  POETA  BIRUTA

 

Se insano é Olavo dos Guimarães Bilac

Com seu "Delírio", sua "Via Láctea"

Sensatez de que serve? Mate-a!

Havendo, pois, quem me ataque

Por dizer que falta um parafuso

Em Fernando Pessoa de Portugal

Ou por chamar Camões de anormal

Imprudente que sou, escuso.

 

Tem senso Drummond de Andrade

Dizer que há gente com cheiro de cafuné?

E agora, José?

Agora é loucura, genialidade!

 

Poesia é o hospício d'alma

Hospício que não sana, vicia

Il cui Dante portò dal cielo della pazzia

Dal cielo che mi rubba la calma

 

Até Kolody, minha favorita

Na brevidade dos haicais

Mostra que não são normais

Os namorados da escrita

 

E se divago em tom introspecto

Rabiscando sob tensão metalingüista

É que ainda há quem insista

não ser louca Clarice Lispector

 

Palavra inútil e filadaputa

Derramo agora em meu teclado

Poema sem jeito, inadequado

Inquieto, peabiruta

 

Sou louco, sim, sem exceto

Como louco é Miguel Sanches Neto

E se também o é Alex Dancini

Haverá quem me recrimine?

 

 

 

 

 

 

XIII

 

Guerra troiana há 13 séculos de Cristo,

amor de Páris por Helena jamais visto

que se repete ao século XIII, temporada

de amor anônimo em pleno viço das Cruzadas.

Eram treze à távola d'último jantar

São trezes rosas à Rainha do Mar

Treze é primo, é seqüência Fibonacci,

Mistério ágata de treze vívidos quilates.

A 13 de maio na Cova da Iria,

Uns piás enxergaram a Virgem Maria.

Noutro 13 doutro maio, por ventura,

se pretendeu amenizar a escravatura.

Treze romances de Nadine Gordimer

Treze epístolas de São Paulo em turnê

"Até quando, ó Senhor, te esquecerás?"

Pergunta o Salmo [que é 13, aliás]

Treze virgens no paraíso de Allah

esperam o bravo que morrer sem reclamar.

Treze ramais cortando o velho Peabiru

Treze pátrias pela América do Sul

Die Dreizehnlinden apelidada Treze Tílias,

de onze estátuas e outras duas maravilhas.

Treze profetas escritores tem a Bíblia

Treze zepelins dispararam contra a Líbia

Aos 13 anos se descobre a adolescência,

e com mais 13 é que se paira a sapiência.

E até a bola, mesmo que se aburguese,

também depende um tal Clube dos 13.

"Treze Homens e um Segredo" no cimena

"Jim Knopf e os 13 Piratas" sem problema

Verei depois da 13ª pétala da idade,

se o bem-me-quer que diz a flor será verdade.

Só saberei se a flor não for tão insensata,

quando vier o novo mundo da 13ª surata,

vencendo assim a fera estranha como eclipse

que fala o capítulo 13 de Apocalipse.

 

 

 

 

 

RISATINA

 

 

 

 

 

 

 

RIVESTITA  DI  SOLE

 

Madonnina, mi dia

Le prego

un tempo ancora

per sentire l'allegria

spiego

che in me si affiora

 

Lei, Mamma Maria

che dal alto collabora

da sempre fino ad ora

Regalami pazzia

per diventarmi aurora

 

Ma se Le sembr' affronto

Le chie’dunque per corolle

che mi faccia almeno sole

così divento un bel tramonto

 

E pronto!

 

 

 

NOSTALGIE  BRASILIANE

"Soltanto nel confino si vede l' incanto della lingua materna.

Soltanto nel confino si vede cosa significa Patria". (G. Freytag)

 

Nel vasto suolo del mio spirito poeta

Dove cultivo tanti sogni e promesse

Risuona l'eco della canzone della mia terra

Come cantico vellutato che delle orecchie si avvicina

Come poema alla simplicità che trascende qualunque rima

Poema insigne che venera una bellezza sempre eterna

Cantico amico, voce in verso, musical lingua materna

Risuona in supplica che sale in pace con l'aurora

E si propaga qui dentro costruendo una dimora:

 

Dio ti salvi, o Patria mia, mio cortile amplificato!

Che ti accoglia vanitoso come il Cristo in Corcovado

Ti benedica sorridente spruzzandoti Iguazù

Che percorra i tuoi cammini, tra i quali, Peabirù

Dio ti bacia, giardin giovane, l'orizzonte maestoso,

e soffi un alito di vita nella bandiera che sostieni

e altro alito di pace in chi l'inalza orgoglioso

Che tuo eco sia sempre alle orecchie come canzone

e speranza sia il sogno che si trovi nelle mie mani

Perché il suono del tuo inno per le strade del confino

Fa tremare fino all'anima in questo cuore latino

 

 

 

 

 

 

NASCONDIGLIO

 

Voglio scrivere la parola più bella

E lasciare sui muri versi soavi

Voglio entrare in casa della poesia

e dalla finestra traslucida, intruso,

guardare il mondo oltre gli orrori.

Voglio veder la vita, ancor intruso,

oltre il portone, cenere, chiuso.

Voglio, dalla stessa finestra poetica,

cucir saperi, goder sapori,

guardar il mondo oltre i dolori,

e scriverlo più bello,

ancorché limitato,

come signor senza vassallo,

come rè senza castello,

cavaliere senza cavallo,

scriverlo più bello,

giacché soltanto la bellezza è chi dovrà salvarlo

 

 

 

Fábio Sexugi (Campo Mourão/PR, 1980). Educador e professor de latim e italiano, nasceu poeta, mas só se deu conta disso em 2008, quando começou a publicar seus rabiscos. Paranaense de nascença e coração, o neopoeta é peabiruta, ou seja, peregrino do famoso Caminho do Peabiru, uma trilha indígena milenar que cortava o Paraná, ligando o Chaco Paraguaio ao litoral brasileiro. Fábio tenta encontrar na poesia aquilo que os índios buscavam percorrendo essa estrada sagrada: a Terra-Sem-Males, uma espécie de paraíso. Às vezes consegue achá-la (como quando venceu o IV Concurso Internacional de Poesia Latino-Americana na categoria "Espiritualidade" ou ainda quando obteve a 3ª colocação no 27º Concurso Internacional Literário das Edições AG) e fica contente. Quando não consegue, pára, ri de si mesmo, reflete um pouco, toma uma xícara de café (bem forte) e tenta de novo. No primeiro certame literário que participou, Sexugi obteve o 1º lugar, com o poema concretista, "Xícara", no I Concurso Nacional de Poesia Caleidoscópio, promovido pelo Projeto Poesia Pública de Belo Horizonte. Amante da língua dantesca, foi selecionado para integrar a Antologia Comemorativa Ítalo-Espanhola dos 40 Anos do Prêmio Júlia de Gonzaga, do Castello di Fondi, no Lácio, bem como a Antologia Parole e Poesia das Edições Il Fiorino, da cidade de Módena. Em abril de 2009, conseguiu um feito inédito para poetas paranaenses: arrebatou o 1º lugar no Prêmio Primaverart, em Lecce, no Sul da Itália, onde também foi contemplado com o prêmio da crítica para a literatura.