©botero
 
 
 


 

O poema

 

 

às terças e quintas:

richard gere

às segundas e quartas:

brad pitt

às sextas e domingos:

johnny depp

todo sábado:

antonio banderas

 

sempre de madrugada

 

nos restos dos dias

ela vagueia pela casa

arrastando

 

                a sua obesidade mórbida

                a sua solidão mórbida

                a sua lucidez mórbida

 

 

 

 

Razão

 

 

Esse poema — publicado na antologia 8 Femmes (Org. Virna Teixeira, 2007) — começou pelo fim. Tudo o que escrevo começa pelo fim (ou o que leio. Não começo a ler um livro sem primeiro descobrir a sua última frase. Abro os jornais sempre nas últimas páginas). Então, o verso de origem foi "a sua obesidade mórbida".

 

Sofro de anorexia nervosa e bulimia, e meu estado de saúde piora cada vez que saio para caminhar e encontro minha vizinha. Morro de medo dos suados 140 quilos dela esbarrarem nos meus enxutos 39. Minha vizinha foi minha musa.

 

Mentira. Eu sou a vizinha. Depois que o médico me alertou sobre os perigos da obesidade, voltei para casa com o mote e escrevi essa espécie de diário de uma mulher rigorosamente infeliz, que finge que é feliz. Uma semana de minha vida. Que vai se repetindo indefinidamente.

 

Mentira. Ela não sou eu. O poema foi escrito a partir de olhares na vida real e fora dela e mereceu segunda versão, dedicada a um bom amigo:

 

 

às terças e quintas:

richard gere

às segundas e quartas:

brad pitt

às sextas e domingos:

johnny depp

todo sábado:

antonio banderas

 

sempre de madrugada

 

nos restos dos dias:

antônio augusto dos santos

 

 

Nada tira a tristeza desse poema.

 

Várias vozes disseram que ele é cruel (e o leitor sempre tem razão), talvez seja: a solidão mórbida é cruel e pode causar arriscados disfarces. Acho, entanto, que é engraçado. Fico pensando que a gorda, no escuro, deve ser muito gostosa. Afinal, eles voltam todas as noites.

 

Houve uma voz que afirmou: "sua escrita é ferina/felina". Deve ser por conta da minha lucidez mórbida. A mesma lucidez que assola várias cabeças que o aplaudem. Sim, é um poema que tem me dado muito gosto. As pessoas entram dentro dele, tomam posse, sofrem todas as suas palavras. Fazem o melhor uso. Como deveriam fazer com toda a poesia.

 

 

março, 2009
 
 
 
 
Silvana Guimarães (Belo Horizonte/MG). Co-editora da Germina — Revista de Literatura e Arte. Co-editora das Escritoras Suicidas.