Segunda Pessoa

 

I


Devocê

Você

Ah, não fica assim caidinha...

Olha,

Vou colocar essa caixa-alta só pra

VOCÊ

Se impor.

 

Vou sublinhar

Você,

E se for pouco

Eu grito,

Em negrito:

Você!

 

Estou aqui para lhe proteger

Da chuva:

 

Dos males do mundo

([{você}])

 

estou aqui inteiro

devocê,

pra você,

e por você.

 

 

 

 

 

 

II

Tu

 

Tu tá,

Ou tu não tá?

Eis a questão:

Romeu e Julieta sem goiabada

Não dá.

 

Vim fazer um shake pear

Mas sem a pêra

O milk não gira.

 

Tu tá dentro

Ou tu tá fora?

Cast the question.

 

Meu desvelo,

Perdi os dedos a

a tu alizar

Teu velo.

 

Tá tu ada

em minha aorta,

Cat the question.

 

 

 

 

 

 

III

 

Vós

vós

V Ó S

veio fazer o que em minha vida

foz sem razão

de qualquer razão

que eu antes

aspirasse ter

?

 

V Ó S

vós

assoprando surda em meus ouvidos

a rosa dos ventos

desnorteada

revolvendo qualquer direção

que eu antes acaso

acreditasse

trilhar

«»

 

vós

segunda

primeira

inteira

pessoa

.

 

vós

toda

a vendar meus sentidos

()

 

V Ó S

ponto final

,

 

 

 

 

 

 

 

Três Poemas À Procura de Um Sentido

 

I

 

Poema Cego

 

Queria todo o ódio do mundo neste poema

Explodindo na cara da multidão inocente

Feito homem bomba.

 

poemacegomundocegoódiocego

fécegafomecegafacacega

 

Serviria de quê?

Serviria pra quê?

Nada,

Nda.

Apenas palavras despedaçadas pela cidade,

Por entre os engarrafamentos,

No coletivo lotado,

Na casa vazia.

 

Palavras que escancarassem

O que ficou implícito,

O que todos sabemos

E temos medo

De admitir:

 

Acabou.

É finito.

Basta.

 

Agora,

recomeçar.

 

 

 

 

 

 

II


Poemas Por Encomenda

Eu escrevo poemas por encomenda,

Como roteiristas de Hollywood

Escrevem a vida

Sem remendos.

 

Quem ópera a soap-opera?

Quem ouve esta ópera vazia?

Quem bebe esta sopa fria?

 

Eu escrevo poemas por encomenda

Recheados de palavras assim:

"Flor, cheiro, cangote,

Cor, tempero, serrote".

 

DepoisDestemperoDesespero

 

Eu acreditei que a vida era aquele poema que eu me encomendei,

Carta da cidade em que não me encontro,

Metereologia das tempestades que me arrasam,

Astrologia dos signos que não me definem.

 

Mas a vida não era poema,

A vida não era poema algum,

A vida não era poesia,

Não havia happy-end,

Não havia,

Não havia.

 

Rasguei a folha sem terminar,

Matei o poema

E fui ao cinema.

 

 

 

 

 

 

III


Poema Bastardo

Já escrevi à maneira árabe,

Ebará arienam à ivercse áj.

 

 

Mas nem debaixo d'água

Este poema faz sentido.

Sinistro labirinto.

 

Talvez se eu encontrasse primeiro

Direção para o vento,

Remédio para a ferida,

Comida

Para a fome de vida.

 

Talvez depois que o mundo parasse de girar

Eu pudesse saltar e,

Confortavelmente sentado à minha escrivaninha,
Reescrever este bastardo.

 

Talvez assim eu encontrasse tempo de entender

De que serviu-me isto tudo,

Para que,
Afinal,

Servem

Poemas

e

Poetas
?

 

 

 

 

 

 

 

Três Poeminhas de Verão

 

I

 

Ode À Onda

 

Para onde?

Para a onda!

 

Mas para aonde

A onda vai?

E de onde vem

Tanto vai e vem?

 

Não, eu não quero indagar sobre nós,

Bater à porta dos grandes mistérios

Sem fazer barulho.

 

Poetas também são levianos,

Tiram férias de fim-de-ano.

 

Isto é apenas um poema-brinquedo,

Frescobol, palavras-cruzadas.

 

Poema-arremedo

Escrito na sola

Da sandália de dedos.

 

Do mundo inteiro aguardo apenas

A hora de dar um mergulho.

 

 

 

 

 

 

II

 

 

Na Farofa do Tempo

 

As palavras ardendo,

Deixei-as no tempo

Sem protetor solar.

 

As palavras correndo,

Larguei-as ao vento,

Pipas sem amarrar.

 

Palavras na farofa do frango,

Na espuma da cerveja,

Palavras no biquíni da moça,

Na barriga do velho

Grávido de lembranças.

 

— Na farofa do tempo

a espuma do vento, a barriga da moça grávida de pipas sem amarrar,

Na farofa do tempo

o mar ardendo e grávido de vento e espuma solar. —

 

Na farofa do tempo

Que ondas hão de lamber.

 

 

 

 

 

 

III

 

 

Verdade Ou Verão

 

O aquecimento global

Arde

Na moça de fio-dental?

 

A queda na bolsa

Se resolve

Com um "up" nos seios?

 

E a globalização

Já disse a que veio

Para o rapaz

Do coco verde?

 

A paz

No Oriente Médio

Não seria um tédio

Para o tatuador

De henna?

 

Tudo se dissolve à beira mar,

Quem viver veraneará.

 

 

 

 

 

Paulo D'Auria (São Paulo-SP, 1966). Poeta, contista, bacharel em História pela USP. Participou das antologias Crônicas, São Paulo 450 anos, e Ficção científica brasileira — panorama 2006/2007. É coordenador de literatura do Projeto Macabéa/Revista Trapiches. Mantém o blogue literário http://paulodauria.zip.net.