Machado, em "Um Apólogo", fala-nos do real e da ficção do real, através da fábula. Conto que encanta crianças e mira adultos.

Olha no olho do adulto e narra, com ponto de interrogação, na fala dos personagens. Questiona a ficção de suas vidas, atitudes e pensamentos — crítica velada ao mentiroso, que está em cada um e que fantasia a sua própria mentira.

Não pergunte ao Machado quem é o Machado, o que é o machado. Pessoas e coisas representam o todo, o único e o inexistente. Está é a síntese de um conto que fala da ficção do individualismo insuficiente. Que não se basta. Fala-nos de uma falsa auto-suficiência. Da empáfia e da pretensão. Da ilusão através da autoridade e da hierarquia.

Com linha, agulha e alfinete, personagens da inusitada fábula, Machado pesca a criança através da imagem, do fato consumado. Personagens que falam, conversam, têm sentimentos, disputam entre si, têm respostas na ponta da língua ou se calam.

Quem sou eu? A agulha que fura, a linha que junta. O alfinete que prega e pára. E a criança se percebe diante das ações soberbas dos personagens. E a criança se percebe como num jogo de cabra cega, tateando o escuro, tentando encontrar seu espaço. E a criança se imagina uma agulha definindo uma linha de ar insuportável. Uma linha reagindo e definindo: você não é alfinete, não tem cabeça! E o Machado, quieto, calado, pergunta nas entrelinhas: o que faz de si um senhor de si?   

Machado, através do movimento, uma agulha e uma linha em ação, em competição, e um alfinete acomodado e recalcado, aproxima a criança dos objetos, com o olho no espaço que cada um ocupa. Fala à criança através dos símbolos, entes abstratos que se tornam inteligíveis pela observação da imagem através da palavra e da imaginação.

O conto propicia o encontro da criança com a realidade. O mundo do "eu" sozinho se desmancha. Machado relativiza o poder das pessoas, sua força, quando através da agulha, da linha, da costureira e da baronesa, dá voz às necessidades de cada um. E numa quântica perfeita, coloca cada pessoa e cada coisa numa teia, formando o universo de todos num todo. O uni verso de todos em um!     

 

 

 

___________________________________

 

Conto "Um Apólogo", Seleção de Deomira Stefani, Machado de Assis, Contos, 7ª edição, Editora Ática

___________________________________

 

 

 

 

 

junho, 2008

 

 

 

 

 

Dilma Bittencourt, formada em Direito pela PUC-RJ (1972) e em Administração de Empresas pela Faculdade Cândido Mendes-RJ (1980). Auditora-Fiscal do Trabalho, aposentada. Autora de Cuba — impressões de um turista, publicado em 1989 pela Editora Revan, em duas edições.  Terceiro lugar no I Concurso de Poesia A NOVA ERA, editora Shogun Arte, 1989. Co-autora, com Lauri Prieto, da fábula futurista O visitante do Planeta Cosmos, editora TopBooks, em 2002. Primeira colocada no curso de Pós-Graduação da Fundação Getúlio Vargas-RJ, em 2004, denominado "Book Publishing, Turma 2 — Formação Executiva na Indústria do Livro".  Em 2005, concluiu na PUC-RJ o curso "A Magia da Palavra: Criatividade, Literatura e Psicanálise", em nível de pós-graduação universitária, participando, com seu professor José Francisco Gama e Silva e  colegas, da antologia A magia da palavra — contos, ensaios e poemas. É membro e uma das fundadoras do blogue Letra Falante, criado em 2007, de discussão de literatura infantil, do grupo do curso avançado de Ninfa Parreira, na Estação das Letras, de Suzana Vargas, onde fez também vários outros cursos, entre eles, "O Prazer do Texto", de Roland Barthes, ministrado por Cláudia Nina. Publicou no site Rede Reich — Orgonomia resenhas de alguns dos contos de fada dos Irmãos Grimm e no site da Editora Revan a resenha "Branca de Neve", do livro Branca de Neve e Outras Histórias, dos Irmãos Grimm, tradução de Fausto Wolff.