dizem qessa guerra naum existe. ?naum existe

como. naum existindo. como se fosse doidice

da gente. ?quer dizer qa gente ta inventando

tudo. isso mesmo. como sonho doido. eu vc

a gente aqui fudidos ate os ossos melados de

lama de merda de mijo de catarro y de sangue

y é tudo doidice. !assim mesmo. tem gente

ate q diz qa vida é assim tambem assim. ?quem

diz isso é vc. !eu não. !vaite fuder. so digo

o q dizem. falar mais é besteira. ?diz

pra passsar o tempo naum é mesmo. mais

ou menos. espie a dor por exemplo. ?q q tem

a dor. preste atenssaum. a dor naum doi. ?naum

doi ta doido. digo y repito q dor nenhuma

doi. sei q vc me acha uma besta mas explique.

naum sei se consigo explicar naum. ?entaum

fala isso pra q. ?pra passar o tempo. ?quer coisa

melhor q fazer passar o tempo. ficar dormente.

paralisado. como bicho ibernando dentro do

baba dele mesmo. gosma dura pra proteger ele.

assim. sei é quessa noite naum passa. essa noite

é a vida toda. so isso. a vida é uma treva so

 

?ja notou como tudo qa gente bebe tudo qa gente

come ficou amargo. é sua boca. naum pode ser

naum. !vem agora vc dizer o qeu sinto ou naum

sinto. !naum falta mais nada. é porq vc naum sente

mais o amargo. ele ja faz parte de vc. vc nem

notou quando principiou a amargar. !é naum. é

porq naum tem guerra nenhuma. eu sabia q vc era

uma besta agora tenho certeza qé doido. !olhe a

guerra. ?q guerra. q coisa nenhuma de guerra.

isso é somente a vida. doido y burro. ?então

pra qessa arma. essa fumaça. aquilo ali em

pilhado ?é lixo é. parece lixo mas naum é

lixo. é gente morta. gente igualzinho a gente.

estrassalhada mas gente. amontoada mas gente.

se naum é vai la remexer. se naum levar

uma bala no meio da cara vai ver. seu levar uma

bala no meio da cara naum vou ver nada. y ai naum

tem guerra mesmo. nem pros vivos nem pros mortos.

 

tamos aqui tem tempo demais. ?isso importa. naum

muito naum. muito pouco vc quer dizer isso sim.

!tanto faz como tanto fez. tambem não é assim.

!é assim é isso mesmo. ?q importa se tamos aqui

ou ali antes ou depois. se a gente pode dizer é

porqisso deve significar alguma coisa. ?y se não

significa nada. ?muda alguma coisa. mudar mudar

não muda naum mas a gente deve acreditar q muda.

?por q. sa gente não acreditar em algo em qualquer

coisa a gente termina como aquele gato afogado.

?lembra. naum sei como a conversa chegou no

gato afogado. chegou porq chegou. o q quero

dizer. ?y por qnão diz logo. ?por qa gente deve

dizer logo porqa conversa fica dessa maneira.

naum sei mais nem o qa gente tava conversando.

vc é certinho demais demais. !eu não. o certinho aqui

sempre foi vc. ?mas agora quer saber sobre gato

afogado naum é. não deixo de querer desquerendo.

!explique. querendo porq querendo y desquerendo

porq desquerendo. isso é coisa de burro empacado.

eu não. o burro aqui sempre foi vc. ?eu. !eu não. olhe

pra vc y veja seu é quem não sou o mais mais daqui.

?mais mais por q. tamos os dois aqui y vc me vem

com mais essa. olha pra vc olhe pra mim. so

posso olhar um de cada vez. olhar vc ou me olhar.

?q conversa é essa. olha pra mim. ?ta olhando.

tou. ?qé q ta vendo. !vc. ?pode ver tudo não pode.

posso y se rodar posso ver mais. agora olhe para

vc. tou olhando. ?ta vendo o q. eu. eu não q vc ta

vendo é uns pedaços de vc y uns pedaços de mim.

y naum pode mais qisso naum. assim como

eu. isso é conversa fiada. fiada não. afiada.

pode ir me pagando qeu ensinei uma coisa q

vc não sabia. ?y quem disse qeu naum sabia.

vc mesmo. ?eu. !é. se soubesse sabia desde o

começo y naum ia ficar conversando

comigo feito besta naum.

 

!é guerra sim. !é. !naum é. !é. !é naum. ?naum

ta vendo qnaum é. vendo vendo tou naum. é mesmo.

vendo vendo a gente naum ta. ?entaum y a guerra.

?como a guerra. se naum é guerra é paz. a gente

ta em paz. ?mas a gente naum so vive em guerra.

?quem disse. ?quem naum disse. sei qa gente

anda. y para de quando em vezes. dez mil

vezes parou. dez mil vezes andou. andou andou

andou. parou parou parou. !entaum tamos em

guerra. se naum fosse guerra a gente tava sempre

parado. !em paz. !é. em paz. ?y se a gente tiver em

guerra pensando qta em paz. !naum. entaum tamos

em guerra. mas isso naum tem fim. se tivesse a gente

parava. sempre em guerra sempre em paz. isso agonia

um qualquer. é porisso qa gente naum para. nem

pode parar. se parar a gente entra em paz. acho qse

a gente parar entra em guerra. entaum a gente ta

rodando. dando volta. posso ate imaginar. um cercado

de penedos uma lagoa no meio y nas margens nossa

comida a comida de sempre y esse caminho batido

pela gente. em tantas guerras y tantas pazes. ?isso naum

é terrivel. !é nada. isso é bom demais. !é mesmo. a gente

naum ia saber viver diferente. a gente é uma

merda. uma merda mesmo. uma merda y tanto.

 

naum sou surdo. y eu naum sou mudo. ?mas sera

qa gente é cego. a gente pode fazer uma experiencia.

?qual. eu aponto uma coisa y vc diz o qé. ?mas seu

naum souber o nome. entaum vc é somente burro.

?y se vc somente apontar sem tambem saber.

burro tambem. assim a gente so sabe se é ou

naum burro. ?qual a diferença entre a burrice

y a cegueira. é porq o burro naum sabe se é

cego ou burro. entaum a gente é burro.

mas se a gente fosse burro naum ia saber isso.

entaum a gente é cego. mas se a gente é cego

 

 

 

 

 

(imagem ©andrze jobczyk)

 

 

 

 

 

 

Alberto Lins Caldas. Autor de Oralidade, texto e história (São Paulo: Loyola, 1999); Babel (Rio de Janeiro: Revan, 2001); Nas águas do texto (Porto Velho: Edufro, 2001); Litera mundi (Porto Velho: Edufro, 2002); Oligarquia das letras (São Paulo: Terceira Margem, 2005); Wyk (Recife: Bagaço, 2007); Gorgonas (Recife: Cepe, 2008).