©Gerardo Suter
Cogumelos

Varando a noite, com
Brandura, brancura,
Silêncio absoluto,

Do artelho aos narizes
Tomamos posse da argila
E do ar adquirido.

Ninguém nos avista,
Nos detém, nos agride;
Evadem-se os grãozinhos.

Punhos suaves insistem
Em brandir agulhas,
O recheio folhudo,

Até o calçamento.
Nossos martelos, marretas,
Sem olhos e ouvidos,

De voz nem um fio
Alargam as gretas,
Ombro abrindo fendas. Nós

Vivevos a pão e água,
Migalhas de sombra,
Com modos afáveis,

Inquirindo pouco ou nada.
São tantos de nós!
São tantos de nós!

Somos estantes, somos
Mesas, somos humildes,
Somos comestíveis,

Aos trancos e arranques
Apesar de nós mesmos
Nossa espécie se expande:

Pela manhã, havemos
De herdar o planeta.
E nosso pé porta adentro.

Tradução de Flávio Quintiliano

Limite

A mulher está perfeita.
Seu corpo

Morto enverga o sorriso de completude,
A ilusão de necessidade

Grega voga pelos veios da sua toga,
Seus pés

Nus parecem dizer:
Já caminhamos tanto, acabou.

Cada criança morta, enrodilhada, cobra branca,
Uma para cada pequena

Tigela de leite vazia.
Ela recolheu-as todas

Em seu corpo, como pétalas
Da rosa que se encerra, quando o jardim

Enrija e aromas sangram
Da fenda doce, funda, da flor noturna.

A lua não tem porque estar triste
Espectadora de touca

De osso; ela está acostumada.
Suas crateras trincam, fissura.

Tradução de Luiz Carlos de Brito Resende

Palavras

Golpes,
De machado na madeira,
E os ecos!
Ecos que partem
A galope.

A seiva
Jorra como pranto, como
Água lutando
Para repor seu espelho
sobre a rocha

Que cai e rola,
Crânio branco
Comido pelas ervas.
Anos depois, na estrada,
Encontro

Essas palavras secas e sem rédeas,
Bater de cascos incansável.
Enquanto
Do fundo do poço, estrelas fixas
Decidem uma vida.

Tradução de Ana Cristina César

Eu Sou Vertical

Mas não que não quisesse ser horizontal.
Não sou árvore com minha raiz no solo
Sugando minerais e amor materno
Para a cada março refulgir em folha,
Nem sou a beleza de um canteiro
Colhendo meu quinhão de ohs e me exibindo em cor,
Desconhecendo que me despetalo em breve.
Comparados a mim, uma árvore é imortal
E um pendão nada alto, embora mais assombroso,
O que eu quero é a longevidade de uma e a audácia do outro.

À luz infinitesimal das estrelas,
Flores e árvores trescalam seus frios perfumes.
Eu me movo entre elas, mas nenhuma me nota.
Chego a pensar que pareço o mais perfeitamente
Com elas quando estou dormindo —
Os pensamentos esmaecem.
É mais natural para mim deitar.
Céu e eu então animamos a prosa,
Hei de servir no dia em que deitar afinal:
E as árvores aí talvez em mim tocassem e as flores comigo se ocupassem.

Tradução de Vinicius Dantas

Decisão

Dia nublado: dia cinzento

fico
de mãos bobas
esperando o leiteiro

o gato de uma orelha
lambe a pata cinza

e ardem brasas em chamas

lá fora, vão ficando amarelinhas
as folhas da trepadeira
uma fina fita de leite
embaça garrafas vazias na janela

nenhuma glória provém

duas gotas se equilibram
numa verde envergada
haste da roseira na casa ao lado

ó se arca de espinhos
o gato afia as garras
o mundo gira

hoje
hoje não irei
desiludir meus doze engalanados examinadores
nem cerrarei meu punho
na ironia do vento.

Tradução de Elson Fróes