ensaio
desenha-se na noite imensa,
o precipício do
mundo.
e não temos fim ou começo,
os olhos espantados à
surpresa
de uma vida da qual sabemos pouco.
encostamos nosso corpo pequeno
numa casa
aleatória,
nossos afetos todos.
e pensamos que o tempo durará
para sempre
quando ele mal dura o tempo
de começarmos a
supor
a razão vaga de tudo
— às vezes nem isso.
é preciso o
salto lúcido
e o cérebro a queimar em pensamentos,
adrenalina
em cargas rápidas
— na veia —
a vertigem de todo o
sentimento.
parede
inventa uma parede
onde possas encostar-me o
corpo
pressionado pelo teu.
uma parede de textura suave.
uma parede única,
onde nos encontremos.
Inventa uma parede
para o amor.
rubra
é rubra a ânsia do sol
que mergulha nas
montanhas.
os olivais nos esperam
como se o tempo
cristalizado
retornasse ao dia, aquele.
minha
memória, faca afiada.
outro céu
é de outro céu que escrevo,
outras
estrelas.
e de um mar imenso,
que desejo atravessar.
é de travessia que digo,
do sonho à
realidade.
são outros rumos que procuro,
da minha
verdade.
outros caminhos,
suspiros,
mãos nervosas.
é de um certo escuro que dizia,
a lua
clareando tudo.
de uma ausência,
um não estar,
e querer
ser.
do desejo derramado
sobre todas as
distâncias.
uma face
tenho os olhos cansados
de compreender
em
que ponta de pedra
se equilibra a razão.
o céu é de um azul
cortante.
navalha que
desafia a dor
ou hino de glória.
a lua amanhã não estará cheia
e a noite será
mais profunda.
todas as coisas têm mais de uma face
menos a
saudade.
por favor, um blues
nem um milagre em forma de palavra,
o poema
que ando a procurar.
só a angústia ao meio da noite.
e o vazio
da minha voz escrita.
eu devia escrever um poema moderno
assim: m o
d e r n o.
explicado e clean.
sem confissões,
sem verdades
pessoais
que o transformem em parte de mim.
devia escrever um poema
em close up.
como
os olhos castanhos
do cão, que me interrogam.
tudo o que faço
é divagar
por entre a fumaça do cigarro.
e amarrar a
ansiedade
com cordas de aço.
um blues, senhores.
por favor, um blues.
a flor do desejo
a flor do desejo a abrir-se
para ti todas as
flores
colhe-nos diziam
numa linguagem que era só fogo
voz
palavras.
preferir
à lâmina das palavras
preferir a chama,
a
boca irisada,
a língua.
palavras que soletram
lentamente o
ato.