O
TELEFONE
Quando
o telefone tocou, já sabia que era ela reclamando da solidão. Fazia isto
todos os dias, à mesma hora. Chamava cinco amigos pela manhã, três à
tarde e um número variável à noite. Era a solitária mais acompanhada que
já se conheceu e a que melhor soube tirar proveito dos males
modernos.
EM
BRANCO
Embora
eu não cresse em ti, invoquei teus pés, como o poeta. Diante da mudez da
resposta, invoquei uma unha, uma unha encravada, uma lasquinha suja de
existência. Nada. Não respondes. Não existes.
De
onde surgiam indagações, ficou apenas o lugar. Imenso, ilimitado, fonte
de toda criação e silêncio.
CARNÊ
DE BAILE
Boa-noite
minha cor recém-inventada, meu brilho insuspeitado, meu mistério novo. O
que será você, uma estrela ou um alfinete espetado no céu? Saudei assim
sua existência quando entrei naquela festa. Aliás, minto (desculpe, faço
isso com freqüência nos começos). Entrei ali sozinha e medrosa e não vi
nada. Tudo muito escuro e populoso. Avancei.
Ondulações,
sorrisos, vinho. As festas fazem a gente moderna tão boa. Uma alegria
generosa e eu ali, andando sozinha no escuro, sem vontade de aderir à
celebração. Pensava vagamente em como seria bom se um táxi passasse pelo
meio do salão quando você apareceu.
Foi
aí que pensei: "Boa-noite, minha cor recém-inventada". Mas só disse o
boa-noite, porque registrei na sua testa aquele sinal que avisa ao
cérebro dos homens: ôba, mulher sozinha na festa! Você chegou nada
originalmente, gavião cercando presa fácil. Mas seu olhar era tão
incisivo que descobri em mim um brilho insuspeitado. Olhei em volta.
Havia uma porção de gatas, peruas, galinhas. No entanto, você estava
plantado na minha frente. Meus olhos, já acostumados com a escuridão,
rascunharam as primeiras linhas de um poema heavy metal. Dizia: "Meu
mistério novo/o que será você/uma estrela/ou um alfinete espetado no
céu?".
Como
se vê, não chego a mentir; portanto, continuo.
Em
algum lugar daquele céu piscou uma luz pequena, lanterna de pilhas
perdida no cosmos. Mas meus olhos — e o que não fazem olhos acostumados?
— lembraram que a luz se propaga em linha reta e esta vinha direto até
mim.
De
repente, muitos conhecidos se aproximaram e me cumprimentaram com a
alegria sensual que caracteriza certas ocasiões festivas. Eram todos
homens, o que fez com que você suspeitasse que eu era uma mulher
cortejadíssima. Homem gosta de cheiro de homem em pele de mulher. Você
me oferece vinho. Detesto vinho branco gelado, mas deixo que você me
afaste do centro da sala e bebo em sua homenagem. Na claridade da copa
você percebe que não uso maquilagem e que minha roupa é simples demais,
mas uso um broche de rubis de verdade.
(imagens ©antoni tàpies)

Rosa Amanda Strausz, carioca,
jornalista, ganhou o Prêmio Jabuti em 1991, com o livro de contos
Mínimo Múltiplo Comum. Desde 1995 escreve literatura
infantil. Edita o site Doce
de Letra.