Poema quadrante

                                    A        V        E

                                    V                  V

                                    E        V        A

 

 

 

 

 

 

Vida Musical

 

Para Adriana Bernardes Cajaty, in memorian


Sei que a vida é uma escala em tom maior,

Que nem todo instrumento está afinado,

Que o certo muitas vezes fica errado,

Que o parto com freqüência não dá dor...


Penso que a vida é uma orquestra sinfônica,

Que o sopro do maestro é só o espelho,

Que Santo Agostinho é um filho vermelho

Da branca placidez de Santa Mônica.


Pergunto se a vida é um pouco do céu,

Caso haja como entrar sem ter mecenas

(Quanto houver na esperança que o Sol traz)...


Não sei por que acham que a vida é um troféu

Que vale quanto pesa em ouro, apenas,

Quando o valor é o que não pesa — em paz...

 

 

 

 

 

 

Silogismo Número 1

 

Todos os rostos são tão parecidos...

Toda expressão de amor se reproduz...

Todo abraço aberto forma uma cruz

que pesa ou que alivia os indivíduos...



Todos os olhos brilham brilho humano...

Todas as peles calam-se entre rugas...

Todos os foguetes são tartarugas...

Tudo o que é sagrado é um pouco profano...



Todas as fortalezas falam baixo...

Todo sábio tem seu esconderijo...

Todo tema impossível planta aresta...


Não sei se essas coisas, em que me encaixo,

têm a impossibilidade que exijo

ou só a possibilidade funesta...










Retórica Para uma Platéia de Fantasmas

 

Eu ouço mil vezes mais do que falo.

Mas ouço a mesma frase há cem mil anos...

Nem é preciso avisar aos meus tímpanos

que o beijo deságua em vão pelo ralo...


Antes éramos mármore de Vênus

fundindo-se em ouro branco de Adônis...

Hoje, não suportamos telefones,

pois não nos vermos é um problema a menos...


Mas lamentar não adiantaria...

Não posso adormecer na vida falsa

que os dias deixados têm esquecido...


Nosso passado, uma história vazia,

morreu quando nem começara a valsa

que nunca será — por nunca ter sido...

 

 

 

 

 

 

Meu Filho

Talvez você se torne homem do espaço...
Talvez você mal saiba discorrer...
Talvez você queira virar mulher...
Talvez você ultrapasse até Picasso...

Talvez não seja mudo, nem falante...

Talvez alguém lhe passe a perna, filho...
Talvez seja uma estrela em cujo brilho
reflua a transparência do diamante...

Talvez eu não consiga compreender...
Talvez você me odeie algumas vezes...
Talvez nossas ruas sejam opostas...

Talvez um bom marido possa ser
ou ter, que o amor é múltiplo entre os meses...
— Caminhe, filho, e não me vire as costas...

 

 

 

 

 

 

Amor diferente

 

Não quero enfrentar o dragão da vida

munido apenas de arte e poesia,

pois sei que ele, sagaz, debocharia,

ter-me-ia  na conta de outra comida...


Não quero ter apenas mente forte,

como se o mundo fosse geografia...

Como se o corpo fosse anatomia...

Se fossem, como explicar-se-ia a morte...?


Mas nada, como eu sei, de uma outra esfera

se encanta pelas línguas da serpente

em sua pequenez de "feio" ou "belo"...


Nada que se arrasta ou se desespera

pode ser chamado, ao se olhar de frente,

senão como "o suplício paralelo".










Haikai 2

 

após o tango

um esfaqueado

é exercício


após o losango

um quadrado

é vício.

 

 

 

 

 

 

A culpa da arma 

A culpa da arma não é do inventor.
A culpa da arma nem é mesmo da arma.
A culpa da arma é de quem não tem dor.
A culpa da arma é das almas com Karma.

A culpa da arma não é do meteoro.
A culpa da arma não é do obelisco.
A culpa da arma odeia desaforo.
A culpa da arma é de um rápido risco.

A culpa da arma é uma lágrima seca.
A culpa da arma é de um líquido medo.
A culpa da arma é um furo na parede.

A culpa da arma é da biblioteca.
A culpa da arma é mais tarde ou mais cedo.
A culpa da arma é Vossa! — Olhai! E vede!

 

 

 

 

 

 

A-ciência

 

conflito
luta luta

natureza
homem
ciência
máquina
homem
natureza
ciência
produção
produção
aliança
harmonia
técnica
tecnologia
produção produ

tecnologia atrope

produção produção

máquina técnica ciência

manipulação
atropelamento
técnica lei

harmoni
harmo
hegemo
domínio
produção-
cracia
destru
nia
alian
hegemonia
ciência
harmon
destruição

dom
tecnologia

ínio
máquina poder

destruição
lei
hegemonia
produção produção produção

tecnologia técnica

poder
ódio

pode-o
pódio
conflito produção domínio

destruição poder lei manipulação

ciência técnica

atropela-mente
tecnolo
mente
tec maqu

luta luta luta luta

AR

MA  -  quina

GE  -  nte

DOM  -  ínio

destru
cênico
tecnofim
burocracia
cracia
cia

BURO

FURO
ar cênico

FU
natureza
natur
nat
na
t
¿

 

 

 

 

 

 

Amigos são como navios

 

não escolha os muito pesados, de chumbo e mau-caráter

porque eles afundam em pouco tempo

não escolha os muito leves, de papel e libertinagem

porque o vento adora varrê-los com o espanador

da ironia...

não escolha os aproveitadores

porque são feitos de pedra

não escolha os levianos

porque se descosturam em alto mar

e deixam você a ver navios

afogando-se...
não escolha nunca nunca os sórdidos

(são os piores)

porque se encharcam de lama

cedo ou

mais cedo ainda

e nem o fundo das águas marítimas

com sua extensão infinito fértil

quer suas almas de lodo

não escolha os de ouro e prata

porque são feitos para a venda

e vendem também quem estiver com eles

não escolha os de plumas e paetês

porque são feitos para a quarta-feira

de cinzas

alegóricas...
Amigos são feitos de navio

por sobre cujo pátio vasto e amplidão

se observam — com o sorriso da Mona Lisa

que seria o mesmo da esfinge? —

falsos navios sendo despedaçados nas rochas

sugados nas ondas

queimando em pleno mar

na fogueira

na fogueira

no fogo inextinguível, afinal,

da Justiça

em sua sentença de Sal!

 

 

 

 

 

 

Anjo de Luneta


Dos vícios da noite, o pior é a solidão...

Bares se apagam depois que a música fica...

Antes era Mona Lisa, agora é Guernica...

Príncipes e princesas, olhai o dragão!...


A carne invisível — não vejo, não percebo...

Nem sei quantas vezes pensei em desistir...

O reino da noite é o império de um faquir

na cama de pregos, ingerindo placebo...


A noite é uma vírgula. Que o dia recusa...

O dia é casado contra a noite solteira...

O beijo da noite é uma concha entre suspiros...


A noite é uma pobre noviça confusa,

uma vaga sobrando, choro, mamadeira...

e mama água benta no covil dos vampiros...

 

 

 

 

 

 

O beco fino


Para a amada Elke Grunupp


Concluir nossa igualdade é tão terrível,

que se inventaram hinos e doutrinas

"provando" o quão alto é o nosso desnível

diante das pobres bestas, "pequeninas"...


Até se criaram canções de amor; salmos

recitam-se; festas, orgias... de quebra...

Na farsa, o cavalo jamais foi zebra,

não há maremotos, só lagos calmos...


Cada homem se acha dono das estrelas,

crê que o universo foi feito POR ele —

seu Agente! Causa! Finalidade!


Antes das pessoas — e depois delas —

havia a mesma Lei. Pois se revele

que a água da vida é de quem nela nade...





(imagens ©imagezoo / imagescom)

 

 

 

 

Marcelo Moraes Caetano é carioca, professor de português, literatura, redação, inglês, francês e alemão. Além desses idiomas, fala italiano, latim, grego, espanhol, galego e mandarim. É pianista clássico, tendo sido aluno de Maria da Penha, Linda Bustani e Myrian Dauelsberg. No piano, foi vencedor de concursos no Brasil e no exterior, destacando-se o primeiro lugar no concurso Sul-Americano Guiomar Novaes (São Paulo); primeiro lugar no Concurso Nacional Clóvis Salgado, Fundação Mineira de Artes Aleijadinho (UFMG); segundo lugar no Concurso Internacional ArtLivre (São Paulo), além de ter sido um dos vencedores do Concurso Internacional Ciudad de Cordoba, então aos 15 anos de idade. Gravou um CD em que toca obras de Liszt e Schumann. Escritor, publicou Wittgenstein und Gebrauch (Rio de Janeiro: UERJ-CIFEFIL, 2000); A clara de ovo (Rio de Janeiro: 7Letras, 2003); A humanidade na arca de Noé: tempos paralelos que se encontram na paz (São Paulo: Ed. Vivali, 2005); Romances de entressafra: um estudo de anatomia do amor platônico (São Paulo: Ed. Vivali, 2005); Tópicos de gramática normativa da língua portuguesa (Lágrimas de Portugal, 2007); Português para concursos — matéria completa (Lágrimas de Portugal, 2007); Cemitério de centauros (Poesia. Lágrimas de Portugal, 2007, com prefácio e apresentação de Marcos Almir Madeira, Arnaldo Niskier e Antonio Carlos Secchin, membros da Academia Brasileira de Letras). Esta obra (Cemitério de Centauros) acaba de ser uma das duas premiadas como melhores livros de poesia pela Fundação Gutenberg-Firjan, sendo a premiação feita em setembro, na Bienal Internacional de Literatura do Rio de Janeiro, no Riocentro (2007). Além dessas obras publicadas, é também co-autor de dois livros realizados por concurso nacional pelo jornal de educação Folha Dirigida, pela Academia Brasileira de Letras e pela UNESCO-ONU: Solidariedade (Folha Dirigida-ONU-ABL, 2005) e Educação (Folha Dirigida-ONU-ABL, 2006). Os concursos tiveram, ao todo, mais de 70 mil participantes. Os dois livros tiveram publicação especial trilíngüe (inglês, francês e alemão), além de lançamentos no Rio, na ABL, e em Paris, na sede mundial da UNESCO, na Organização das Nações Unidas, com solenidades de premiação aos autores nas duas cidades, e foram distribuídos em bibliotecas de escolas e universidades em 190 países. Mais no ArgusCultura, Autores Virtuais, Jornal de Poesia, Sane Society, Recanto das Letras, Sonetos.