Inutencílios

versos são sutis utensílios
para conjugar o nada
beijos de borboleta.
bateu cílios e voou.

 

 

Radiografia

na arritmia das horas
articular espaço-tempo
conjugar o desejo
eis a minha fratura exposta

 


Rendez-fou

neste rendez-vous
avec moi mesmo
sortir à francesa
fecha eclairs
flecha que quer
madame la marquise
je vais très bien
será um peut-être
pas deux deus
gâteau de Balzac pra dois
entrecôte de nós
estou perto
de prêt-à-porter em toi
pas delicatesse!!!
je ne veux pas perdre ma vie
duabmir-Rimbaud
rendez-fui
rendez-fou!

 

 

Texturas

Não te preocupes em me decifrar,
sou costurada com a linha da ambigüidade,
vestida de discursos de calar.
Não procure em mim suas verdades
minha bainha não foi feita,
toco em todas as texturas.
Minha cor não foi eleita,
sou camaleão sem cura.

Sou verso de intuição,
pergunta possível,
tentativa de explicação.

Meu verso é repleto de possibilidades,
não possuo seqüência, não possuo métrica.
Sou cúmplice da dualidade,
rima anacrônica perdida na realidade.
Não te preocupes em me decifrar.

 

 

Latitude

nos subúrbios de si
descobrir aos poucos
a matemática do medo

a tradição das coisas se quebra
diante das perguntas do presente

move-se cuidadosamente
por entre latitude dos atos

 


Papiro

No impenetrável palimpsesto
dorme o verso que procuro.
No revés do que vejo
a idéia que salta através do muro
oferece aos olhos um caleidoscópio.
No dédalo das entrelinhas
o sentido que ilumina o escuro.
Código desta grafia secreta
que perambula pela poesia bêbada
adormecida na inaptidão do poeta.

 

 

Sobremesa da eternidade

poetas são abutres
dos próprios desejos
mastigam com binóculos
os próprios medos

 

 

Passos e pássaros

inventar amores
desinventar dores
interno descompasso
               eterno descompássaro
tristecendo asas
para revoar
                em palavras

 

 

*

ser pessoa
todo mundo é
até fernando

ser gente é que é difícil
genético vício
gen(ético)
a gente é para o que nasce...

desde já te digo
quero deus e já
nem que seja por derrida
nem que seja ao deus de dar
nem
ou seja
sei lá
quero ser gente

 

 

Espiral

Há ainda um silêncio de nuvem que nunca dorme.
Quando me olhas, de perto e mais perto, como num labirinto,
nos confundimos, nos fundimos no ver, bocas, lábios, língua, dentes, tudo,
como o grande silêncio de ser nuvem e nunca.
As minhas mãos são de movimento.
Respiro fôlego e mar, num quase instantâneo tempo,
tão morte e tão belo.
Tudo é um só, e você é água...
E se neste sonho eu morresse sete vezes
meu segredo seria sempre o seu,
por ser tão nosso.
Foi assim que desaconteceu?

 

 

Gabriela Marcondes é carioca, médica com pós-graduação em clínica geral e endocrinologia. Desenvolve um trabalho de música eletrônica com o qual já foi premiada no luckystrike lab: music, no evento Casa dos Criadores e no PLUG — Festival de musica eletrônica. Foi selecionada no Concurso Nacional de Poesia Helena Kolody. Foi ganhadora do Concurso Nacional Poesia Voa.