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Ver o céu de fora da boca
sem língua
versículo de dentro do poema
com alma
reverso da vida
AVESSO de calma
PINTURA QUE MEXI COM...
Pintura que mexi com...
...a fada que te guardei
fungando de se
na Frida
Pro-seco de
suco gástrico
Kahlo
gastando a fé
veia de campos
madurados
prantos pratas
de molhar as larvas
em pratos rasos
e extra-vagantes
de uma redoma
que roda em
volta dos sonhos
cortados
contados
de
meses caídos.
PARTE DURA QUE ATURA A MORTE
Corpo de baile —
bola de gude —
às vezes gruda
escorre e ganho cena
no tendão de fé pequena
que desfila sobre linhas
que bradas nas vigílias
de vidro e noite
/ corte
dedos nas latrinas
vão soando as campainhas
garganta e peito
e febres caninas
ladainha lá de centro
em que amassam
farinha
daquela mesma vizinha
de seios fartos e seis par-
tos
rasgos e guizos
divas versos buracos
por dentro dos ouvidos
nos meios de um/
quarto
corpos esparramados
estremecendo de leve
a o s p e d a ç o s
entre cacos de pele tingindo
costurando outros espaços
chocando novos ninhos
de um
plano
auto
-retrato
SENTIDOS SEM TIDOS
olhos silêncio bocas
orelhas percebendo gestos
narizes amargos de só um
corpos sangrando por dois,
/
guilhotinados
tamanduando o antigo de novo
tingindo os beges de antes
D i s s o l v e n d o
madrinhas sensatas
protetoras
Contra deslizes
tropeços, entrantes
derrapadas
pés molhados já
loucuras de poças
pupilas nubladas, foscas
odores queimantes
brilhantes churrascos de flores
dores solitárias ansiando
conjuntos labiais
festa de sons dissonantes
Era mais uma vez...
VERMELHO ROÍDO
No revés severo da redoma azul
Está a ânfora brilhante maçã
Desperta febril a primeira irmã
Atada às lembranças de olvido baú
Decidida a correr o perigo de vidro
(pirata com ar descolorido
peixe, piscando, refletido de luar)
Ele só pra mim
Pirraça de cacos de sol
razão, polvilhado de sal
O dia ria quando passava, tão só
Odiaria ver roído meu vermelho igual
Eu, água viva, hoje tinha tido
Sereno tesouro — nossas noites —
Mas o poste da esquina emudeceu bandido
Rasgando a fibra nervosa ideal
com a foice.
MOAMBA
alguém no encalço
descalço
fundo falso
levou saco sem fundo
no bolso inteiro
fomos
fumo
asfalto
num consolo de vidro
cigarro de sarro
do maço partido
que soma fumaça
de moços de Moçambique
descompasso
de palpite
entre o samba da massa que somos
sombra da sobra que em suma,
sumiu
VEIAS SALTADAS
aprovei as veias saltadas
assaltadas
pulsando nos campos
secretos de flores abertas
dentro de minhas mal-dadas
conversas acerca dos versos
fendidos, dos ossos
comidos da tão
esperada mente
acertada tarda
em chegar em frente
da costa
nas costas de ostras
outras postas em
recinto que sinto
medo de novo
LÁ DO SOM...RISO
som riso desnatura
fábrica inócua
enferrujado disfarce
do sem riso
de nata
de cara
madeira talhada
que arreganha e perde
amarela armadura
facada inerte/
TRANSANDO COCHICHOS
Toda prostrada tua
testando dexcalça
arranha a aranha
que tece outra trama
que lamba
outra língua
trocando de água
mudando de sina
nova cena
se na
minha
cama
caímos
da sua
suado o seio
da gana de tremer
pelo mesmo motivo
entregue entrando
tesão de umbigo
meio
transando cochichos
ao pé do ouvido.
CUTÍCULAS ABERTAS
Assim que se arranca
propositadamente
desejo de corte da
pele protetora
— fortalece
aura da unha
: rosadinha
ânsia de ver melhor
corar ali
alicate de —
já me feriram
politicamente
e cutuco da esquerda
pra direita
mas a cutícula acaba
no setor privado
de mim
roendo os dedos de
milhares
unhas de fome
sangrando de epiderme
tudo fervendo de verme.
Se pudesse...
arranhava a cara da miséria
mas é duro o pau oco
e lasca minha unha
fraca mas
de cutículas abertas
FISGADINHA DE SENÃOS
Não eu não tenho voz
Não... eu tenho voz
Só que não falo
Quer dizer, não me expresso
É pra dentro que converso
Tricotando com inverso
Que é o certo de mim
É o avesso primeiro
Ou será que é segunda?
Mas seria seguindo
O chão mais intocado
Que pisaria fundo
No mundo que eu pertenço
E grito firme
E agarro o terço
Pelo laço que agradeço
Então, no "sem-tocar"
É aonde eu chegaria
Bem perto. De quem?
Nas terras de ninguém
Não, desculpe eu não canto
Conto as horas distantes
Que me aproximam do meu canto
Uma quina atravessada
Que eu teimo em cantar de cor
Pra quem não preciso ter voz
Na esquiva da minha sina
Anoitecem as decisões
Estacionando na esquina
Onde se cruzam artérias
Das mais estudadas matérias
Da prova de abstrações
Fisgadinha de senãos
Corda que não arrebenta
Além das conexões vocais
Sussurrando por entre vãos
Mais firme que as de emboscada
Ecoando em construções
Do mesmo aço desta corda
Que se enrosca de borda
E tensa pela viola
E geme e vibra e implora
Mas não é o dedo que esfola
É o medo
Filhote no sereno
Um pote de veneno
A nota de um enredo
Que é triste e trinca o peito
Medo de não ter conserto
Que rasgando a pele espinho
É medo pequenininho
Que dói por estar sozinho
E enjoa como brinquedo
Menino que cresce e esquece
Desliga o chuveiro e molha
Seu calado travesseiro.

METADE DA LUZ
Esta estava sendo uma noite tão igual, distanciando-se das outras porque apesar da regularidade da chuva, absteve-se de manter a temperatura, retraindo-se. Tal fenômeno confluía com meu astral resignado e melancólico de noites desesperançadas e eu achei até mais cabível e piedoso da parte do estado de fora de mim. Recordei-me que o ambiente havia se tornado, por isso mais cúmplice, todavia. Talvez até o meu humor tenha se abrandado juntamente com o decorrer malicioso das horas incansáveis como eu. Assim que resolvi quebrar a rotina noturna e preparar-me um banho à meia-luz; logo eu, que mesmo durante o dia tenho o hábito de acender as luzes para assistir à água cair com mais confiança por entre meus pedaços, não nesse momento, obscenos. Então deixei a porta semi-cerrada que produzia uma fresta convidativa (o abajur implorava atenção ao lado da estreita cama de um quarto solitário) e que sugeriria uma falta de privacidade — contudo esse não era um empecilho já que a essa hora e a todas as outras, não há platéia — e também a cena inusitada propunha uma atitude mais lenta e concentrada que reverberasse na sensualidade esquecida de banhos diários. O chuveiro aparentou-me de proporções maiores também porque intermediava gotas frias que teimavam em não esquentar. Quem sabe a fraca iluminação e o imprevisto da hora pesassem para que a água se melindrasse de cair tão cedo. Mas não posso negar que foi aconchegante perceber o toque manso e já morno na minha pele aflita por novos contatos, e o perfume do sabonete contaminando meu faro tão viciado da vida de fora e os movimentos e atritos atentos, o que me causou a sensação de maior limpeza. Talvez tenha me empenhado mais do que deveria neste ato higienizador porque, ao término do banho, senti a fragilidade apoderar-se de mim a tal ponto que não me pude sustentar. Tremi desesperadamente como quando se faz absoluta a plenitude orgástica de um corpo. No entanto, não sentia que estava intacta, a sensação era de falta, como se fora arrastada a matéria por quilômetros na velocidade de um carro desgovernado. Era a alma ralada, era o tempo de agora, era a vida que.
ACASO
não há também nenhuma explicação para tal atitude deliberada de inchaço nenhum acordo prévio ou seja nenhum motivo Se bem que houve uma virose mas não que seja para tanto ela toda de bico era cobaia de um potinho de vaselina madrileño de ano remoto enfim uma tarefa para tal boticário olvidado juntamente com outras quinquilharias de armário branco A inconveniente impedia o riso e a ginga arrastada do sotaque carioca que requer alguma maleabilidade O incômodo abocanhou o dia que silenciava impositivamente Nem o condicionador labial suavizou a rigidez da carapaça que impaciente rachava-se Da metade anterior sobrava carne viva e quente A outra multifacetada em peles que não se querem unidas por mais tempo assim como as palavras ditas demais amarguradas frases desacreditadas em pedaços que se romperam na sentença de velhas vidas Ressecamentos e exageros de língua que não se segura na boca rechaçada de ter sido colocada no mundo mas pra quê, me diz? Pra quê! Se só há ruídos e desencontros Boca suja essa... de peles Melhor seria... De não ter conserto porque não é artifício nem objeto é atributo de sujeito por isso suja de peles como ia dizendo por isso aberta em fendas agora por isso sangrando Sua sorte seria um beijo Mas eis que a incontrolável tomou-se como dona do corpo gorda e espaçosa pôs-se a falar sem pausa nem medidas encaçapando as torpes mentiras as escondidas conversas miúdas Desgovernada ela desmascara as farsas de boca de lobo que se arrastam pelos asfaltos e casas maculadas de sempre mais gritava de arreganhar as bocas de siri e os segredos doloridos na ânsia de publicar todo o apodrecido que se transveste com belos sonhos de capa de livros que não se lêem na tentativa de contar estórias pra boi não dormir mais nada de conforto aos trapaceiros das verdades que usam inescrupulosamente promessas verbais como álibis pobres palavras que só dizem quando faladas como que acorrentadas em cavernas platônicas de assombradas inscrições incorruptíveis até a próxima intenção degenerada de boicotar compromissos e dissimular prejuízos e... até que a voz esmoreça primeiro rouca e grave nenhum som ecoe dos inquietos lábios que se vejam inúteis Consciente de sua fragilidade sentiu-se mais ridícula ainda que calada Precisará de saliva para adormecer os cortes que cicatrizarão no covarde bocado de porventura.

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