©john constable
 

 

 

 
 

 

 

 

Colibri

 

 

Ao Sergio Faz

 

 

Fragrantes flores,

Abren ya sus corolas.

Por allí anda el ave,

Parlotea y canta

-Nezahualcoyotl

 

 

 

soa           corolla       vibra

 

água         doce         chama

 

canto        com          gosto

 

 

 

corpo        ressoa       zumbido

 

abre          asas          fecha

 

penas        fluidas       pétalas

 

 

 

ave           beija         flor

 

bico          toca          pífaro

 

líquida       flauta        viva

 

 

 

 

 

 

peneira

 

 

contra os vãos de um certo crivo

cadência amena mas pulso firme

peneiro o grão de todo dia

 

do que restar exposto acima

farelo espesso e mal partido

recolho e faço o meu pão disso

 

o que passar  verso do que fica

sopro poeira ínfima neblina

que sem o ser no ar se imbrica

 

coceira no ouvido cisco ligeiro atrito

miúdo olor maná na língua dissolvido

faço disso poesia

 

 

 

 

 

 

O rebanho do meu avô

 

 

Vô João levou a boiada pro corte

Some a pasta cheia de cobres da venda

Volta pra fazenda, compadre sem dó

Cobra o quinhão dele

 

Perde casa posses e pastos tão verdes

Sai de mala e cuia mais nada paupérrimo

Mão na frente outra atrás vai pra Sampa

Cai num porão húmido

 

Duas moças seis rapazes mais vó

Deles um será bem mais tarde meu pai

Lustra couro talha as carnes mais tenras

Dorme em colchão duro

 

Juntam todo sábado pra jogar truco

Pica-fumo zap o maço tá pronto

Puxa mais uns tentos de olhos de cabra

Berra igual boi brabo

 

Cada filho seu arrebanha seu tanto

Cresce casa muda alguns bem pra longe

Fim de ano laça e abraça seus netos

Este seu legado

 

 

 

 

 

 

As metamorfoses do boi

 

 

Chico rasga a língua do boi, a mãe come

Triste dono roga ao bicho já morto

Reza rés à rês o pajé com remédios

Boi se refaz fábula

 

Pendem fitas, rabo e cornos tão belos

Flores sobre o corpo, estrelas também

Tanta carga contra o couro cai bem

Boi que se faz festa

 

Homem, pele quente sob pelo bem frio

Bumba pina roda transpira tal bicho

Lesto bole dança, folia tão viva

Boi por demais gente

 

Traz na testa dois orifícios pra ver

Fita gado grasso no pasto tal carne

Olhos negros como os das favas tão vivos

Boi se desfaz pano

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

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Rosa bela e triste

Oculta entre pétalas

Dor de internos espinhos

 

 

 

 

 

 

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o humano na escala da planta:

bípede sem pena

 

 

 

 

 

 

//

 

te chamo tília

desconheces meu nome

e me chamas ainda

 

 

 

 

 

 

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Mauricio Vieira (Santo André, 1978), é autor dos livros de poesia Manual onírico de jardinagem e As mãos vazias; do romance A árvore oca; do infantil Floresta (ilustrado por Jonathas Martins) e da antologia lusófona de ecopoesia, O livro do verso vivo (com Thássio Ferreira). Organiza em Lisboa os saraus "Doidos diversos" e "Ciranda poética". Edita a revista Arvoressências.

 

 

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