©sguimas [com salvador dalí]


 

 

 

poemas para o alegre

entris(tecer) de janeiro

 

 

este não é um poema fraterno

 

 

nenhum deveria ser.

todo verso é violento

tua carne comprova.

ao alcance dos dedos

as garrafas silentes

sangram sinuosas.

nenhum verso diz.

antes o silêncio seduz

ou as violetas se calam

ou o sol as violenta.

o ano não finda.

ao fundo a fenda

cresce

fácil.

eu sou deformado

em poesia fortuita

na fartura do lixo

das latas e de outros

istmos.

este não é um poema

de circunst(ânsia).

antes o trabalho

violento das horas

sobre o corpo.

teu sangue renova

a violência inova

o ano explode.

ao fim da orgia

restos de fogo

saltam dos olhos

dos andarilhos

amotinados.

o amor é um tropeço

o mais promissor

dos erros

disse o trôpego cego

engolidor de colapsos.

 

 

 

//

 

 

se o poema fosse um coice

ou mais um gozo derramado

 

tuas tetas murchas de ódio

ou teus olhos caídos no chão

 

se teu corpo não fosse falho

e minha mão não fosse suja

 

entre os restos de urina

e cidades carnívoras

 

se o poema fosse um fosso

ou um feto carcomido

 

um turvo estorvo torto

ou teu janeiro despedaçado

 

e das ruínas do teu rosto

se o poema fosse festa

 

entre a zona das coxas

e o átrio dos espasmos

 

eu enfim nada faria

nas colinas de Hebron

o vento não alivia

 

 

 

receita de poema para

o ano do dragão

 

 

primeiro

o corte certo

a simples expulsão

do excesso

 

(talhar as asas do pássaro)

 

depois

 

o surto incerto – infecto

o sacro – surdo – salto – súbito

 

unívoco

entrópico

sísmico

 

então

 

estalo ilícito de cólera

assalto exímio de ênfase

infausto idílio de sátiro

 

(ao sol de janeiro repousam

obesas moscas azuis)

 

entorte a coluna

sangre a carne

ou siga cego

e não faça

 

(nas colinas de Ninguém

somente o silêncio

tem voz)

 

 

 

 

 

 

 

três poemas tortos para três

tristes párias expatriados

 

 

promessas para o ano vindouro

de futuras práticas dissociativas

 

 

descer na escala social

cultivar verrugas e olheiras

depredar cidades inteiras

ferir o fluxo verbal

incitar catástrofes

expandir presságios

vender repolhos e bananas

violentar versos indefesos

descer na escala social

castrar novilhos ao luar

conquistar cicatrizes

catalisar catarses

opor princípios

evadir-se discreto

perder todas as lutas

matar todas as normas

descer na escala social

confabular com as moscas

agir ébrio

gozar quieto

desistir sempre

insinuar-se insano

amar mulheres sujas

plantar cebolas e aspargos

parir poemas mortos

descer na escala social

reivindicar o direito

de ser

inútil

 

 

Intertexto

Junkman's Obbligato

A Coney Island of Mind, 1958

Lawrence Ferlinghetti

 

A Paulo Leminski

 

 

 

//

 

de perto

sou essa

distância

 

a noite

é apenas

uma palavra

suja

e escura

 

se estou

sempre fora

é porque

vivo dentro

de lá

espio

 

a fome é

uma palavra

espessa e

dura

 

se poeta

quando falo

silencio

 

a vida é

uma palavra

sem cura

 

uma noite

de fome

não tem

nome

 

é apenas

um vazio

dentro

calando

fora

 

nenhuma

palavra

toca o

agora

 

A Torquato Neto

 

 

 

//

 

 

não há saída

o poema preso

a língua insípida

nefasto instante infando

toda cidade é infinita

o que dói é não saber

até quando

 

:

 

perfeitas avenidas

atrás dos poetas

nenhum sol se esconde

os carros correm

os dentes caem

a vida passa

longe

 

:

 

práticos viadutos

ultrajes e insultos

um círculo de surtos

todo verso é vício

abaixo do umbigo

tudo é permitido

daqui ninguém

 

escapa vivo

 

Intertexto

Five to one

Wainting for the Sun, 1968

The Doors

 

A Jim Morrison

 

 

 

 

 

 

três poemas para

desorganizar sábados

e assassinar domingos

 

 

//

 

 

se eu soubesse

diria teu nome

essa fome

sangrando janeiros

tuas pernas abertas

ao medo

 

 

o estômago sempre vazio

é um órgão criativo

esqueça a escassez

alimente incêndios

de poetas

o inferno está cheio

 

 

os pássaros sabem

o salto contém a queda

para voar

é preciso

cortar asas

 

 

se eu soubesse

um verso faria

teus olhos fechados

para reforma

as garrafas não falam

sozinhas

 

 

um léxico

de silêncios

para melhor

ouvir

os pelos

crescendo

 

 

ela sabe

o que eu não sei

enfiar a língua

até o fundo

do meu ouvido

exterminar a paz

dos domingos

estar ausente

apenas

sendo

 

 

 

noturno em dor maior

 

 

A Leonardo Manzoni

 

 

um erro sempre serve

se a dor vertendo inverte

se do fácil fogo faz afago

um erro perfeito é muito raro

perícia de preguiça infinita

um despertar de misérias muitas

se das ruas da morte a sorte

do mais perfeito dos erros

essa ilegal mania minha

de verter do inverso o nexo

em noites de contínuo açoite

a súbita invasão desmedida

ladeira abaixo

rio acima

 

 

 

um meta

poema

lírico

 

 

A José Luís dos Santos, em memória

 

 

 

do

euro – branco –

cristo – centro

 

mais um

preto

pra vala

 

enquanto

a moderna

poesia

burguesa

prospera

 

euro – demo –

cristo – crática

 

este não é

um poema -

panfleto

 

antes

um soco

no vento

 

versos

apenas

sendo

 

estorvo

opaco

inútil

cansaço

obscuro

silêncio

 

eu não

procuro.

eu encontro

 

uma vela

pra vala

de mais

um preto

 

toda

novidade

é feia

 

os poetas

são cúmplices.

 

uma vergonha

dos versos

verte

 

disse Samuel

Becket

em meio

aos destroços

de si mesmo

 

e o circo

aplaudiu.

 

mais um

preto

pra vala

 

nenhuma

poesia

nessas

salas

 

apenas

um poema

seco

 

ou o som

sujo

 

da mais

suja

 

das

chuvas

 

Intertexto

"Aforismos"

Pablo Picasso

 

 

 

 

 

 

três poemas

pelo fim de todos

os janeiros

 

 

etílicas elucubrações noturnas

desprovidas de senso prático

 

 

se fosse poesia não seria isso

seria sangue – sêmen – vício

fálico artifício

inflado orifício

a festiva perda completa

da mais viva vida inteira

o íntimo entalhe preciso

dessa dor mais derradeira

uma paisagem de garrafas

uma cidade cantando

o riso escorrendo solto

da boca dos morros

se fosse poesia

e sem saber até quando

 

 

 

//

 

 

o futuro chegou tarde

nunca fomos tão longe

nunca caímos tão baixo

 

 

 

//

 

 

um poema nasce

dentro do ouvido

 

o sentido

fora do corpo

 

a cidade

sobreTudo

 

fora da palavra

nada existe

 

dentro

tudo escuro

 

 

 

//

 

 

duas cervejas sorvidas

sob um sol amarelo – incêndio

 

o júbilo arregalado

dos teus rútilos olhos súbitos

 

se fosse poesia

seria isso

 

Intertexto

"Dionisios Ares Afrodite"

Paulo Leminski

 

 

 

 

 

 

//

 

 

não houve acerto

entre fartura e ofício

a rota perdeu o rumo

o resto partiu a reta

o que falta eu sinto

e com isso eu finto

o que fácil me cala

e infiel me mata

 

mesmo que sentido

não haja bastante

e a foz talvez

não se alcance

fica esse arado

inscrito no rasgo

a fértil fúria

do acaso

de sermos isso

e mais nada

dois signos surdos

em mais uma dor suja

em busca do

súbito salto

da mais profunda

palavra

 

 

 

 

 

 

um céu escuro

dentro da boca

 

 

da inquietude

espectral das

hostis esferas –

pandemônios

migratórios

encerram

colapsos –

lábios leporinos

aceleram

urbanas

urgências –

carências

estomacais

roendo

o traçado

disforme dos

passos –

pássaros tortos

mortos no chão

azul da tarde –

usinas de urânio

cercam praias

petrificadas –

um exército

de palavras

cerzidas em

um céu escuro

dentro da

boca –

torrenciais

insanidades

nas bordas

peludas do

corpo –

poetas per

versos e

pernósticos

renomados

disputam

espessos

espaços –

indômitas

caravanas

apocalípticas

vendem

tropicais

cataclismos –

o vício da fome

devorando

tudo –

nossa

paisagem de

ossos – destroços

– janeiros de

sangue no

pescoço das

plantas

 

 

 

 

 

 

um quarteto de passos

(pós-Torquato)

 

 

primeiro passo

desocupar rápido

esse espaço.

 

não há como

se virar.

 

encaixotados

germinam

tumores.

 

segundo passo

invadir vasto

teu corpo –

ócio

vazio ósseo.

 

não há poesia

se faltar.

 

a feliCidade é

uma fábrica

de horrores.

 

terceiro passo

sentir tátil

a físsil

forma fóssil

do salto.

 

não há como

se calar.

 

escorrem

gritos

das gretas.

 

quarto passo

coma meus

olhos

esqueça.

 

Intertexto

Poemas de Torquato Neto

 

                  

 

 

  


 

 

 

 


Garbo Gomes (Ribamar Bernardes). Nascido em Joinville/SC, em 25/06/75. Aos seis meses de idade partiu com a família para União da Vitória/PR. Frequentou diversos cursos universitários e não concluiu, ainda bem, nenhum. Escreve poesia desde os 22 anos, apesar de não ter a mínima informação estética para fazer isso. Publica dois livros de poesia ainda como Bernardes. Não recomenda nenhum deles, ambos horríveis. Atualmente, pretende iniciar carreira no serviço público, como zelador: não que vá salvar o mundo, mas irá prejudicá-lo menos que se fosse um professor, por exemplo. É apenas sua opinião. Caso fracasse nesse intento, pretende morar na rua, com um violão, um pouco de poesia e suas cinco adoráveis cadelas.

 

 
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