©edoardo ricci
 
 
 
 
 
 
 

RESUMO

 

Esta pesquisa começa com um problema central — educamos sem filosofia? — e apresenta alguns conceitos de Filosofia e de Educação para, em seguida, abordar as contribuições gerais da Filosofia da Educação na formação de professores e algumas posições de filósofos contemporâneos. O estudo será desenvolvido nos seguintes capítulos: as relações entre os conceitos de Filosofia e de Educação; a Filosofia da Educação de acordo com alguns estudiosos: Aranha (2013), Assmann (1998), Luckesi (2014), Niskier (2001), Perissé (2008), Porto (2006), Schmitz (1984), Severino (1990, 1994), dentre outros; e a posição de alguns filósofos contemporâneos: Edgar Morin (2004), Fernando Savater (2005), Paulo Freire (2002), A. S. Neill (1969) e Pierre Lévy (1999, 2007); a contribuição da Filosofia da Educação na formação de professores.

 

 

INTRODUÇÃO

 

Educamos sem filosofia? Precisamos de filosofia para educar? A reflexão filosófica é um embasamento para a formação de professores? Haveria um caminho próprio e independente para a educação realizar-se sem a reflexão e a fundamentação filosóficas?

 

Essas indagações são muito pertinentes nos dias de hoje e certamente também foram válidas em outros tempos, de acordo com o que sabemos a partir da leitura de A história da educação através dos textos (Rosa, 1978) e outras antologias igualmente significativas.

 

Educamos sem filosofia? Aqui estamos diante de dois questionamentos: educar significa passar o conhecimento daquele conteúdo programado que serviria apenas para padronizar o que está determinado? A filosofia é a arte de ensinar, ato este que seria o de estimular cidadãos para uma vida social e a busca filosófica de uma vida boa?

 

Edgar Morin afirma que é "preciso educar os educadores. Os professores precisam sair de suas disciplinas para dialogar com outros campos de conhecimento (2014, 2017)".

 

Uma educação sem filosofia carece de valor e de significado, pois é preciso pensar no que pode ser feito para preparar os alunos para a vida. O educador é o vetor que encaminhará a transformação individual e social das pessoas. Buscar a compreensão das coisas será a chave que nos levará à compreensão do mundo. A reflexão filosófica — educar a partir de valores de homem e de mundo, por exemplo — será tão importante para nortear o aluno em seu desenvolvimento pessoal, de tal forma que o conteúdo curricular passa a ser parte das etapas da sua formação. Os professores precisam estar preparados para essa transformação? Será que a reflexão fará parte do conteúdo educacional?

 

A filosofia como "amor ao conhecimento" sempre esteve presente na história da humanidade, seja para desvendar os mistérios dos mitos ou para apontar perspectivas para os passos a seguir com a civilização, ou seja, a filosofia não apenas contribuiu para interpretar o mundo, como também se fez e se faz presente quando se trata de transformar o mundo.

 

Como a Filosofia e a Educação mantêm estreitas relações de significado e de propósitos, podemos assumir que não educamos sem Filosofia, porque toda ação humana é precedida de reflexões sobre o que é que vamos fazer, o que pode ser feito, como pode ser feito e quais os resultados possíveis. Ambas as disciplinas se complementam, pois têm elementos comuns que caracterizam a atividade humana: enfrentar e resolver problemas, comunicar-se uns com os outros para buscar uma vida melhor individual e coletivamente, buscar um sentido para a vida, e transmitir, à nova geração, o que aprendemos com os nossos progenitores, na vida social e nas escolas que frequentamos.

 

Cabe à Filosofia da Educação "a construção de uma imagem de homem, enquanto sujeito fundamental da educação" (Severino, 1990, p. 20), pois o filósofo "indaga a respeito do ser humano que se quer formar, sobre os valores emergentes que se contrapõem a outros, já decadentes, e sobre os pressupostos do conhecimento subjacentes aos métodos e procedimentos utilizados (Aranha, 2013, p. 25)".

 

Muitos estudiosos se dedicaram a estudar a Filosofia da Educação e enfocaram o tema sob o ponto de vista histórico, antológico (seleção de autores e textos significativos), relacional (estabelecendo relações com a Pedagogia, com o Trabalho, com a Sociologia, etc.), etc., buscando uma apresentação didática e pontual de vários pontos de vista.

 

Esta pesquisa busca responder a estas perguntas tendo em mente que a educação se efetiva na história da sociedade como parte da cultura humana, isto porque, "somente o homem pode e deve educar-se" (Mondin, 2014, p. 122). Portanto, educar é diferente de adestrar. A educação persegue objetivos que vão sendo alcançados aos poucos a partir dos esforços individuais e coletivos, tendo em mãos os instrumentos que contribuem para a formação do caráter, do senso crítico e para a condição da efetivação da prática transformadora. Tendo sempre presente o questionamento sobre o que é a educação, a filosofia não permite que a pedagogia se torne dogmática, nem que a educação se transforme em adestramento ou qualquer outro tipo de educação incompleta.

 

 

I – A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO CONFORME ALGUNS ESTUDIOSOS

 

Podemos, para efeito de estudo, comparar a contribuição dos autores de manuais didáticos, que estão preocupados em ensinar Filosofia da Educação sob vários aspectos (Aranha, 2013; Assmann, 1998; Giles, 1983; Luckesi, 2014; Perissé, 2008; Schmitz, 1984; Severino, 1994; dentre outros), e os filósofos que criaram novos conceitos para a filosofia da educação (Freire, 2002; Morin, 2004; Savater, 2005; etc.). De um modo geral, todos respondem positivamente à nossa questão central: não educamos sem filosofia.

 

Em unidades, partes e capítulos, Aranha (2013) apresenta em 330 páginas: filosofia e educação: reflexões introdutórias; educação e sociedade; pressupostos filosóficos da educação; concepções contemporâneas de educação. É um panorama abrangente e atualizado, pois oferece trechos de filósofos e de educadores para leitura.

 

Sobre Filosofia da Educação, Aranha (2013, p. 25) afirma:

 

Se a filosofia é uma reflexão radical, rigorosa e de conjunto que se faz a partir dos problemas propostos pelo nosso existir, é inevitável que entre esses problemas estejam os que se referem à educação. Portanto, cabe ao filósofo acompanhar reflexiva e criticamente a ação pedagógica, de modo que promova a passagem "de uma educação assistemática (guiada pelo senso comum) para uma educação sistematizada (alçada ao nível da consciência filosófica" (Demerval Saviani apud Aranha, 2013, p.25).

 

A partir da análise do contexto vivido, o filósofo indaga a respeito do ser humano que se quer formar, sobre os valores emergentes que se contrapõem a outros, já decadentes, e sobre os pressupostos do conhecimento subjacentes aos métodos e procedimentos utilizados.

 

A obra de Schmitz, O homem e sua educação: fundamentos de filosofia da educação (1984), está dividida em duas grandes partes (a filosofia da educação e o homem) e vários capítulos, dentre os quais os seguintes: a educação como orientação do homem para seus fins; educação, elemento de transcendência; a família, agente da educação; o estado e a educação, a igreja e a educação, valores e educação.

 

Uma perspectiva diferente da Filosofia da Educação é vista por Schmitz:

 

Mas a filosofia, embora seja uma ciência universal, pode também ser tomada como uma ciência mais particular, embora ainda geral. Assim é, por exemplo, a filosofia da educação. Ela já não se refere a todo ser, mas ao ser da educação. (...)

 

A filosofia da educação é ciência, pois possui todas as características de uma verdadeira ciência:

 

- Tem objeto próprio, que é o ser da educação. Naturalmente este ser da educação toma em consideração o ser do homem, que é o sujeito da educação. A filosofia da educação fornece os fundamentos para o aperfeiçoamento do homem por meio da educação. (..)

 

- A filosofia da educação tem também método próprio: a reflexão racional sobre a educação na sua essência, ou o ser da educação. (...)

 

_ O fim próprio da filosofia da educação é a educação do homem, ou melhor, o estabelecimento dos princípios da filosofia para a educação do homem, para que ele se eduque de acordo com seus próprios fins e características (1984, p. 16).

 

Luckesi (2014) divide o conteúdo em três partes e encaminha o assunto para um aspecto mais pragmático: da filosofia da educação à pedagogia; do senso comum pedagógico à postura crítica na prática docente escolar; e da pedagogia à prática docente.

 

A visão de Luckesi, talvez pelo fato de direcionar a sua obra para a formação dos professores de ensino fundamental, apresenta um enfoque diferenciado:

 

A educação é uma prática humana direcionada por uma determinada concepção teórica. A prática pedagógica está articulada com uma pedagogia, que nada mais é que uma concepção filosófica da educação. Tal concepção ordena os elementos que direcionam a prática educacional (2014, p.33). (...)

 

As relações entre Educação e Filosofia parecem ser quase "naturais". Enquanto a educação trabalha com o desenvolvimento dos jovens e das novas gerações de uma sociedade, a filosofia é a reflexão sobre o que e como devem ser ou desenvolver estes jovens e esta sociedade (idem, p. 45). (...)

 

Nas relações entre Filosofia e educação só existem realmente duas opções: ou se pensa e se reflete sobre o que se faz e assim se realiza uma ação educativa consciente; ou não se reflete criticamente e se exceta uma ação pedagógica a partir de uma concepção mais ou menos obscura e opaca existente na cultura vivida no dia a dia – e assim se realiza uma ação educativa com baixo nível de consciência. (..)

 

Assim sendo, não há como se processar uma ação pedagógica sem uma correspondente reflexão filosófica (idem, p. 47).

 

Giles (1983) apresenta o tema em quatro grandes capítulos: filosofar e educar; educação e teorias do conhecimento; o processo educativo e imagens do homem; e críticas ao processo educativo. Com base na sua pergunta fundamental – Qual a imagem do homem que a sociedade coloca como imagem-ideal? -, ele conceitua Filosofia da Educação como

 

(...) atitude crítico-criativa diante de toda imagem-ideal, d conteúdo, da finalidade, dos métodos e dos objetivos da educação. Para tanto, ela considera três fatores fundamentais: a dimensão da assimilação, que arrisca transformar o educando em instrumento ou sujeito passivo do processo educativo; a dimensão intersubjetiva, que deve levar o educando a uma maior conscientização das exigências de sua integração na coletividade, e a dimensão crítica, que aguça a capacidade do educando para avaliar, nas devidas proporções, a realidade em que vive (1983, p. 29).

 

Perissé (2008), em oito capítulos, conceitua Filosofia da Educação, fala da importância das teorias educacionais, dos fins ou do fim da educação, e estabelece relações da Educação com a Linguagem, Estética, Sentido, Humor e Cultura:

 

O filósofo da educação observa os processos educativos observa os processos educativos, com a finalidade de compreendê-los, e de "recomprendê-los".  (...)

 

O filósofo da educação olha uma vez e outra para a realidade educacional e admira-se, por exemplo, com o fato de uma criança ter aprendido a ler e escrever, ou com o fato de não ter aprendido! Admira-se com o fato de uma pessoa se dispor a ensinar uma outra a desenhar! Ou a agir moralmente bem! Ou a jogar xadrez! (...)

A par dessa observação direta, o filósofo da educação (...) sempre em busca da clareza, testa os enunciados dos educadores e pedagogos (2008, p. 14-15).

 

Dividindo sua obra em 18 capítulos, Niskier (2001) trata de: ciência e educação; por que filosofia da educação?; poder e educação; dialética e metafísica, educação para a vida moral, as instituições educacionais formais e não-formais, iluminismo; etc. Cada capítulo termina com temas para reflexão (trechos de educadores e filósofos) e um texto complementar.

 

As três partes da obra de Assmann (1998), contendo vinte capítulos, abordam: aprendência: a unidade entre processos vitais e cognitivos; aprender na era das redes: glossário de conceitos; e tempo pedagógico: chrónos e kairós na sociedade aprendente.

 

O tema central do livro está em palavras-chaves como "aprendência" e "sociedade aprendente" e busca reencantar a educação, que o autor faz a partir de duas questões que fazem parte do primeiro capítulo do livro: "As tecnologias da informação e da comunicação (TIC) aumentam ou diminuem as chances de uma educação para a solidariedade? A conectividade da era das redes ajuda a criar condições favoráveis para uma sensibilidade solidária?" (Assmann, 1998, p. 17). Ele faz referência à sociedade da informação, à sociedade do conhecimento e chega à sociedade aprendente, procurando relacionar cibercultura, informação, conhecimento, economia, para refletir sobre o "equacionamento entre educação e empregabilidade como a via para a superação das exclusões" (idem, p. 19).

 

Faz-se necessário encerrar as resenhas com Morin (2004), que propõe uma cabeça bem-feita, ao invés de uma cabeça cheia, retomando as reflexões filosóficas de Michel Montaigne. Apontando a grande separação da cultura em dois blocos, a cultura das humanidades e a cultura científica, ele propõe "repensar a reforma, reformar o pensamento", que está no subtítulo do seu livro:

 

A reforma do pensamento é que permitiria o pleno emprego da inteligência para responder a esses desafios e permitiria a ligação de duas culturas dissociadas. Trata-se de uma reforma não programática, mas paradigmática, concernente a nossa aptidão para organizar o conhecimento (Morin, 2004, p. 20).

 

Essas resenhas informativas, sem ter a intenção de esgotar o assunto, nos levam a verificar os conceitos de Filosofia, Educação e Filosofia da Educação em reflexões sob os mais variados pontos de vista e em tempos também diversificados. De um modo geral, os autores acima resenhados respondem positivamente a nossa questão central, ou seja, eles afirmam que não é possível educar sem filosofia.

 

 

II – FILOSOFIA, EDUCAÇÃO E FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

 

O tema central desta pesquisa — educamos sem filosofia? — nos leva necessariamente a estabelecer alguns conceitos para a Filosofia, para a Educação e para a Filosofia da Educação. Descartamos inicialmente a perspectiva histórica, pois ela em si seria outro trabalho de conclusão de curso.

 

Filosofia é uma palavra grega que significa amor à sabedoria (philos = amizade, amor; sophia = sabedoria). "No sentido estrito do termo, Filosofia é uma atividade e uma forma de pensamento sobre certas questões da vida, do mundo e do ser humano sobre si mesmo (INCONTRI; BIGHETO, 2008, p. 13)".

 

A base da filosofia é a transformação interior, pois, quando tem conhecimento, o ser humano se liberta e se desenvolve, o que nos faz compreender o conceito de Filosofia para Leoncio Basbaum:

 

(...) a filosofia não é, de modo algum uma simples abstração independente da vida. Ela é, ao contrário, a própria manifestação da vida humana e a sua mais alta expressão. Por vezes, através de uma simples atividade prática, outras vezes no fundo de uma metafísica profunda e transcendental, mas sempre dentro da atividade humana, física e espiritual, há filosofia(...). A filosofia traduz o sentir, o pensar, o agir do homem. Evidentemente, ele não se alimenta de filosofia, mas sem dúvida nenhuma, com a ajuda da filosofia (apud Luckesi, 1990, p. 38-39).

 

Para Aranha (2013, p. 20), o "admirar-se é a condição para problematizar, o que marca a filosofia não como posse da verdade, mas como sua busca. Sob esse aspecto, se o filósofo é capaz de se surpreender com o óbvio e questionar as verdades dadas, aceita a dúvida como desencadeadora desse processo crítico".

 

Fernando Savater, em As perguntas da vida (2001, p. 210):

 

Filosofamos partindo do que sabemos para o que não sabemos, para o que parece que nunca poderemos saber totalmente; em muitas ocasiões filosofamos contra o que sabemos, ou melhor, repensando e questionando o que acreditávamos já saber. Então, nunca podemos tirar nada a limpo? Sim, quando pelo menos conseguimos orientar melhor o alcance de nossas dúvidas ou de nossas convicções. Quanto ao mais, quem não for capaz de viver na incerteza fará bem em nunca se pôr a pensar.

 

Enquanto a filosofia parte "do que sabemos para o que não sabemos", a educação parte do que não sabemos para chegarmos a saber, a educação nos faz ampliar o que sabemos e a questionar o que deveremos saber.

 

Mesmo tendo diversos conceitos para a Educação, que variam conforme a época, podemos listar os seguintes como norteadores de nossa abordagem:

 

  1. A educação envolve considerações éticas, epistemológicas e até mesmo metafísicas:

 

A educação pode ser um instrumento poderoso tanto de emancipação individual como de subserviência a sistemas de governo. Tanto é libertação como sujeição do indivíduo ao poder e às normas do Estado. No primeiro caso, torna o indivíduo reflexivo e crítico; no segundo, transforma-o em parte da massa. A educação é uma experiência própria ou o resultado de experiência doutrinária e da propaganda (Niskier, 2001, p. 35).

 

  1. "Educação é uma atividade consciente e intencional que visa ao aperfeiçoamento do homem" (Schmitz, 1984, p. 33).

 

  1.  Em geral, designa-se com esse termo a transmissão e o aprendizado das técnicas culturais, que são as técnicas de uso, produção e comportamento mediante as quais um grupo de homens é capaz de satisfazer suas necessidades, proteger-se contra a hostilidade do ambiente físico e biológico e trabalhar em conjunto, de modo mais ou menos ordenado e pacífico. Como o conjunto dessas técnicas se chama cultura, uma sociedade humana não poderá sobreviver se sua cultura não for transmitida de geração para geração; as modalidades ou formas de realizar ou garantir essa transmissão chama-se educação. Esse é conceito generalizado de educação, que se tornou indispensável graças à consideração do fenômeno não só nas sociedades chamadas civilizadas, mas também nas sociedades primitivas (Abbagnano, 2014, p. 357-358).

 

Para os conceitos de Filosofia e de Educação, e também de Filosofia da Educação, começamos com a afirmação de Eduardo O. C. Chaves sobre o livro de Niskier (2001): "John Dewey uma vez disse que toda filosofia é, em última instância, filosofia da educação" (apud Niskier, 2001. p. 11). Portanto, se pensamos em educar, usamos da reflexão como atitude inicial. É o que Dewey afirma na obra Democracia e educação:

 

A "Filosofia da Educação" não é a aplicação exterior das ideias já feitas a um sistema de prática escolar que tivesse origem e metas radicalmente diversas: é apenas uma reformulação explícita dos problemas da formação de mentalidade reta e de bons hábitos morais, tendo-se em vista as dificuldades da vida social contemporânea (apud Pagni; Brocanelli, 2007, p. 225).

 

Uma afirmação de Perissé complementa a visão geral de Dewey: "As reflexões oferecidas pela filosofia contribuem para que as ciências da educação trabalhem fundamentadas em conceitos rigorosos e orientadores" (2008, p. 9).

 

Outro exemplo adequado é o seguinte: em A história da educação através dos textos, Maria da Glória de Rosa (1978) coloca Homero, com seus poemas Ilíada e Odisseia, como importantes para a cultura, a filosofia e a educação da Grécia, pois eles "mostram a valentia, a prudência, a lealdade, a hospitalidade, etc. como virtudes fundamentais" (idem, 1978, p. 18) na formação educacional do homem grego.

 

As relações entre Educação e Filosofia parecem ser quase "naturais". Enquanto a educação trabalha com o desenvolvimento dos jovens e das novas gerações de uma sociedade, a filosofia é a reflexão sobre o que e como devem ser ou desenvolver estes jovens e esta sociedade. É o que podemos observar na afirmação de Perissé:

 

O filósofo da educação observa os procedimentos educativos, coma finalidade de compreendê-los e de "recompreendê-los". Filosofar implica esse constante retorno aos temas em análise. Filosofar é observar e reobservar, pensar e repensar, com base em pressupostos e premissas (a serem sempre explicitados, por uma questão de honestidade intelectual) e com uma atitude de assombro que ser atualizada constantemente (2008, p. 14).

 

Independentemente da concepção e compreensão sobre o papel da educação na sociedade contemporânea, é improvável que a qualidade desejada seja alcançada sem lançar mão da ajuda do estudo da filosofia, isto porque não se trata apenas de descobrir qual deve ser a função social da educação, mas fundamental qual é a função do ser social educado.

 

Compreendemos que a educação, "educo", do latim, não significa apenas incutir em cada indivíduo conteúdos e formas já estabelecidas, mas também, "trazer para fora" ou "fazer sair" de cada sujeito aquilo que representa a própria presença de si no processo educativo. Sendo assim, a escola deverá ser vista sempre como um lugar onde se encontram os saberes e os desejos individuais que se combinam para atuarem nas perspectivas apontadas pelas experimentações científicas e as reflexões filosóficas.

 

 

III – A FILOSOFIA E A PRÁTICA EDUCATIVA

 

A atitude de filosofar ou de refletir sobre os dilemas do mundo contemporâneo tornou-se uma necessidade real para qualquer ser humano que vive em sociedade; nela desenvolvemos a consciência social a partir das relações que estabelecemos no ambiente que habitamos e produzimos cultura.  Viver em sociedade, portanto, em meio às intensas contradições, exige reflexão e ação, isto porque, ao mesmo tempo em que nos ocupamos em questionar os hábitos e os comportamentos, temos a responsabilidade de transformá-los. Mas transformá-los em que sentido ou em que direção?

 

Ao aceitarmos como necessária a atitude filosófica, nos damos conta de que, para combinarmos reflexão e ação, precisamos lançar mão de mediações que nos permitam efetivar as transformações pretendidas; uma dessas mediações é a educação. Nesse sentido, o processo educativo, efetuado em meio às contradições criadas pelo sistema socioeconômico e político de cada época, sob o olhar atento da filosofia, permite-nos fazer dos problemas sociais, o material didático exemplar para educar. Essa ideia encontra concordância com Saviani quando diz: "Se tomarmos, por exemplo, Aristóteles e Platão, ou outros pensadores reconhecidos como filósofos, veremos que tais pensadores fizeram filosofia exatamente na medida em que pensaram os problemas de sua época" (2009, p. 37).

 

O que temos de concreto no olhar dos primeiros filósofos é que, sem reflexão dos problemas sociais, não há educação, ou não há educação para a transformação, isto porque, segundo o próprio Saviani, "a transmissão pura e simples de resultados da reflexão de Aristóteles, da reflexão de Kant, da reflexão de Sartre, e assim por diante, não constitui propriamente a tarefa da filosofia" (2009, p.37 e 38). De modo que não basta que a filosofia seja filosofia e a educação seja educação, mas, essencialmente, que ambas tenham, na recíproca relação que estabelecem no processo educativo, clara finalidade contida no projeto pedagógico e nas diretrizes políticas que conduzem cada sociedade.

 

A escola, portanto, se não conduz o processo societário, acompanha e contribui para que, os que com ela se educam, tenham algumas facilidades para alcançarem a ascensão social como sujeitos da história, mas, para que isso aconteça, há que haver cotidianamente dentro do processo educativo, professores que se assumam a função de serem preparadores desses sujeitos, como bem destaca Antonio Gramsci:

 

Por isso, pode-se dizer que, na escola, o nexo instrução-educação somente pode ser representado pelo trabalho vivo do professor, na medida em que o professor é consciente dos contrates entre o tipo de sociedade e de cultura que ele representa e o tipo de sociedade e de cultura representado pelos alunos; e é também consciente de sua tarefa, que consiste em acelerar e disciplinar a formação da criança conforme o tipo superior em luta com o tipo inferior (2004, p. 44).

 

O "trabalho vivo" não é apenas o emprego da força física e intelectual, mas aquele trabalho que vivifica o ambiente e conscientemente é realizado para que o "tipo inferior" de conhecimento, e também de comportamento, se eleve para o nível superior, qualificando também a cultura e, portanto, se torne pleno de conteúdo filosófico que passa a vigorar como elemento fundamental no processo de aprendizagem.

 

No entanto, vivemos épocas cada vez mais dinâmicas em que as informações circulam dando ao "trabalho vivo" novos elementos e desafios para o ensino da aprendizagem. O termo francês "apprenance", que pode ser traduzido por "aprendência" é o conceito central que Assmann retoma de Hélène Trocmé-Fabre e nos faz compreender que:

 

O termo "aprendizagem" deve ceder lugar ao termo "aprendência", que traduz melhor, pela sua própria forma, este estado de estar-em-processo-de-aprender, esta função do ato de aprender que constrói e se constrói, e seu estatuto de ato existencial que caracteriza efetivamente o ato de aprender, indissociável da dinâmica do vivo (apud Assmann, 1998, p. 15).

 

Considerando, como características da era das redes, a hipertextualidade, a conectividade e a transversalidade, Assmann propõe "usá-las em proveito da educação do desejo de solidariedade, porque a bipolarização da sociedade entre "info-ricos" e "info-pobres" está em contradição comas oportunidades oferecidas pelo próprio potencial tecnológico" (Assmann, 1998, p. 21).

 

Vista dessa forma, a filosofia participa do processo educativo como instigação, não apenas para que a prática educativa busque ser cada vez melhor, mas, acima de tudo, para imprimir nos professores e alunos, a consciência da finalidade de cada ato educativo. É nesse sentido que a filosofia coopera com a educação, ao permitir a realização da combinação entre reflexão e ação, tornando-as práxis. É quando o educador assume com o seu "trabalho vivo", o papel de ser agente ativo da educação.

 

Entretanto, conforme Sánchez Vázquez, devemos considerar que toda práxis é atividade, mas nem toda atividade é práxis. "Nesse amplo sentido, atividade opõe-se à passividade, e sua esfera é a efetividade, não a do meramente possível. Agente é o que age, o que atua e não o que tem apenas a possibilidade ou disponibilidade para agir" (2007, p. 220).

 

Depreende-se disso que, a atividade passiva, realizada na esfera dos limites das possibilidades, na qual, pouco a pouco, se acomoda o executor de formas desqualificadas, que já perderam a eficiência no fazer educativo, não podem ser consideradas práxis.

 

Daí é que se torna atual a pergunta: educamos sem filosofia? Entendemos que sem filosofia a educação perde seu apoio crítico. Perde também o vigor que motiva os agentes da educação para fazerem o impossível na realização das atividades educativas. Fazer o meramente possível no processo educativo é acomodar-se aos parâmetros da disponibilidade. As transformações exigem sempre algo a mais, porque, a finalidade sendo consciente, mantém o sujeito da consciência sempre um passo à frente da possibilidade da educação vir a ser uma atividade passiva e sem compromissos com as mudanças sociais.

 

Tendo sempre presente o questionamento sobre o que é a educação, a filosofia não permite que a pedagogia se torne dogmática, nem que a educação se transforme em adestramento ou qualquer outro tipo de pseudoeducação.

 

É essa também a posição de Rubens Alves:

 

Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas. Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do voo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados o seu dono podem levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre tem donos (2002, p. 29).

 

Se a escola é uma gaiola, os seus alunos deixaram de ser pássaros, porque a essência dos pássaros é o voo. Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em voo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o voo, isso elas não podem fazer, porque o voo já nasce dentro dos pássaros. O voo não pode ser ensinado, mas encorajado" (Alves, 2002, p. 30).

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Ao chegarmos ao final deste trabalho, no qual procuramos refletir sobre a questão "Educamos sem filosofia? ", concluímos, com a ajuda dos autores estudados, que a filosofia e a educação, ao mesmo tempo que são áreas do conhecimento interligadas, representam processos em permanente evolução na formação de alunos e professores dentro e fora da escola.

 

Contudo, essa interligação interdisciplinar não é tarefa fácil nos dias de hoje, tendo em vista que não basta que as disciplinas e temas de estudo estejam nos currículos e nos planos de aula das escolas, do ensino fundamental e médio, é necessário que os professores sejam convencidos e educados para que a reflexão adquira valor e significado, bem como se transforme em ação na vida cotidiana.

 

O educador, visto como líder da busca do conhecimento em sala de aula, deve ter consciência que todo o seu esforço está voltado para a preparação dos alunos para atuarem e fazerem a sociedade do presente e do futuro. Conhecer e conhecer-se, como também, construir e construir-se, compõem o mesmo processo de transformação individual e social em qualquer tempo e lugar.

 

Diante disso, compreendemos que, para cumprir bem a função de educar, os professores precisam mergulhar fundo em busca da consistência teórica, filosófica e pedagógica, isto porque, se o ato de educar é diferente do ato de adestrar, é imprescindível combinar forma e conteúdo em um nível que, pouco a pouco, leve, pelo esforço individual e coletivo, à elevação do senso crítico e a efetivação de práticas transformadoras.

 

É percebível que a educação, apesar de todos os percalços, persiste ao longo da história; sua presença em todos os tempos no espaço escolar, de uma forma ou de outra marcou as gerações passadas. No entanto, ela sempre se deparou com a polaridade dos dilemas, da emancipação e da subserviência dos indivíduos aos interesses das classes dominantes e do Estado.

 

Por sua vez, a filosofia não tem o poder de impedir que a educação seja usada como instrumento de dominação e alienação pelos governantes, mas ela, embora obscurecida e rejeitada em determinadas épocas, manteve o lugar de ser motivadora e formadora do senso crítico de quem com ela se aliou. Por outro lado, a imposição doutrinária não anula as possibilidades de buscar fora dela elementos que venham forjar os rompimentos necessários, para que o conhecimento venha a ser então um instrumento de libertação.

 

Nesse sentido, compreendemos, em nosso estudo, que a educação é uma atividade consciente, voltada para o bem ou para o mal. Isso porque ela pode estar a serviço da transformação ou da conservação de valores, práticas e interesses que tornam os indivíduos escravos da própria consciência e subservientes à ordem dominante. A filosofia, como ato intencional para a emancipação, nos desafia a decifrar os enigmas, não apenas do que deve ser ensinado nas escolas em cada época, mas também como deve ser ensinado o conteúdo que preparamos.

 

Filosofar, então, no processo educativo, representa a reflexão sobre os dilemas humanos e da sociedade em que vivemos, em vista de transformá-la sempre para melhor, constituindo em cultura e em comportamento as soluções conscientemente apresentadas. As soluções, na medida que os problemas sociais são compreendidos, surgem como finalidade da própria presença individual e social no mundo, constituindo-se como indicativo e direção do caminho a ser seguido para chegarmos ao que muitos autores apontam como o "bem viver" para todos.

 

Com esse entendimento concluímos que "educar com filosofia" não significa utilizar a mesma para "consumo" apenas em sala de aula. A filosofia tem o compromisso com a sociedade em qualquer momento e lugar. O seu espaço é a consciência individual formada na convivência social. A escola é o lugar apropriado para a iniciação filosófica, mas ela é imprescindível para a economia, para a política, para o Direito, etc. Nesse sentido, a filosofia deixa de ser genérica e integrada a cada área, passa assumir o seu papel como "filosofia da práxis".

 

 

REFERÊNCIAS

 

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução: Alfredo Bosi. Revisão: Ivone Castilho Benedetti. 6.ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014.

 

ABREU, Cristiano Nabuco de; EISENSTEIN, Evelyn; ESTEFENON, Susana Graciela Bruno (Org.). Vivendo esse mundo digital. Porto Alegre, RS: Artmed, 2013.

 

ALVES, Rubem. Por uma educação romântica. Campinas, SP: Papirus, 2002.

 

______. Gaiolas ou Asas: A arte do voo ou a busca da alegria de aprender. Porto, Portugal: Edições Asas, 2004.

 

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da Educação. 10.ed. São Paulo: Moderna, 2013.

 

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[Trabalho de conclusão apresentado na UNIMES, Núcleo de Educação à Distância,

Faculdade de Educação e Ciências Humanas, no curso de Licenciatura em Filosofia, em 2017]

 

 

novembro, 2024

 

 

 

Jorge Luiz Antonio. Professor universitário, tem graduação em Biologia, Letras (Português/Inglês/Espanhol) e Filosofia (UNIMES), mestrado e doutorado em Comunicação e Semiótica (PUC-SP) e pós-doutorado em Teoria Literária (UNICAMP).

 

Ademar Bogo. Doutor em Filosofia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA); Pós-graduado em Psicanálise pela Escola Freudiana de Vitória/ES. Professor do Departamento de Filosofia e Ciências Humanas (DFCH) da Universidade Estadual de Santa Cruz em Ilhéus/BA. Escritor e Membro da Academia Teixeirense de Letras –ATL.

 

Juliana Caram. Empresária, formada em Direito pela Faculdade de Direito de Itu (FADITU) e em Filosofia pela Universidade Metropolitana de Santos (UNIMES).

 

Orivaldo Corrêa Santesso. Bacharel em Teologia pelo Seminário Teológico Batista Nacional (STBN) Campus de Ibitinga, com licenciatura em Filosofia pela Universidade Metropolitana de Santos (UNIMES).

 

Erlani Goulart de Souza. Professora pedagoga formada em Letras (Português/Inglês), Filosofia e Sociologia, pós-graduada em Psicopedagogia, Psicopedagogia clínica, Mediação e Direção escolar e AEE.
 

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