©sguimas

 

 

 

sonho de noivos

 

 

do noivo:

 

é escoltar teu sexo

até minha cama

e amar e amar e amar

de um jeito tal

que nunca se ama.

 

é atrair teus seios

para fora do sutiã,

a fim de sitiá-los

a cada manhã.

 

é domá-los

como quem doma

jambos maduros,

para os manter à boca

sempre reclusos.

 

por fim é sonhar

que se pode,

num segundo,

resolver as mazelas

do mundo.

 

 

 

da noiva:

 

é sonho de alcova

em que um homem,

como um véu,

toda me envolvesse

de carícia torva.

 

em que um homem,

como uma pedra

na penumbra,

minha fenda fizesse

ainda mais funda.

 

um sonho

que não tivesse fim

nem meio,

exceto a lâmina

pontiaguda

de dois lábios

em meu seio.

 

um sonho enfim

que nunca fosse fogo,

posto que é fumo,

mas infinito

enquanto durmo.

 

 

 

 

 

 

um rio vai dar num reino

 

 

um rio é quando

um pássaro

voa sem asas

porque dor não tem morada

 

é mar

 

mar grande

feito a vagina de isabel

 

(a arte levou

seus braços

de condessa)

 

ou feito o bico

dos teus seios

à beira dos meus lábios.

 

 

 

 

 

 

comemoração

 

 

pôr maria da luz na taça,

beber maria da luz.

 

viciar-me nela.

 

e novamente encher a taça

e outra vez beber maria da luz.

 

embriagar-me dela.

 

ato contínuo,

noite a meio,

tomar a taça

e entornar-lhe

os seios,

 

e

 

t

 

o

 

n

 

t

 

o

 

tombar de paixão.

 

 

 

 

 

 

os mudos

 

 

os mudos

quando brigam

 

(não importa a razão)

 

batem boca

com as mãos.

 

 

 

 

 

 

morrer

 

 

morrer

é apagarem-se

todas as luzes da casa

 

quando tudo gela

na noite maravilhosa e bela

e o céu se infesta

de estrelas e faz

um silêncio de rachar

 

morrer

é não mais

ir à feira

 

é ficar em casa

descansando

em trajes de madeira.

 

 

 

 

 

 

funerária caminho do céu*

 

 

— moça do balcão,

de que horas

sai o voo

do próximo caixão?

 

 

[*nome de uma funerária que existia em joão pessoa]

 

 

 

 

 

 

indiscrição

 

 

o sexo

da maria augusta

 

é um bigodinho

de hitler

 

sobre um

capô de fusca.

 

 

 

 

 

 

tardezinha

 

 

tarde

caída.

 

as rodas

de rodas

pra cima.

 

carcaças

de vento.

 

 

 

 

 

 

minha mãe

 

 

minha mãe diz

que o mundo,

com a graça de Deus,

ainda vai ser um lugar

justo e bom,

como nos sonhos caiados.

 

— vai porra nenhuma.

 

 

 

 

 

 

pássaro

 

 

o pássaro é o mais

belo instrumento

musical que existe.

 

mas ninguém

sabe tocá-lo.

 

pois,

para saber tocá-lo,

é preciso nele está-lo.

 

o pássaro

é uma flauta de ouço.

 

 

 

 

 

 

nunca tive uma alma

 

 

nunca tive uma alma

ou um corpo

completamente livre.

 

nem um deus piedoso

que me amasse

como a ele próprio.

 

desde as nuvens

um sol cambaio

vem gelar meu rosto.

 

(há salmos

na loura manhã)

 

meu corpo está em chamas.

a alma cheia de pedras.

 

                  

 

 

  


 

 

 

 


Águia Mendes é natural de João Pessoa/PB. É formado em Letras pela Universidade Federal da Paraíba. Integra várias antologias poéticas, entre elas Cem poemas brasileiros e a Coletânea de poetas do nordeste brasileiro, editada em Portugal. Fez parte do Grupo Jaguaribe Carne, dos irmãos Pedro Osmar e Paulo Ró. É citado no volume II da Enciclopédia de literatura brasileira, cuja organização é de Afrânio Coutinho e J. Galante. Autor de Jardim da infância (1979), Contos policiais (1981), Bíblia profana (1983), Blue para um cadáver sonhador (1992), O livro do adivinhão (1997), Sol de algibeira (2010), Um boi pastando nas nuvens (2010), e Asa de cigarro (2021).

 

 
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