Com Amarrar o corpo na lua Lucas Guimaraens acrescenta mais um livro à sua obra poética, iniciada em 2011, com Onde (poeira pixel poesia), a que se juntou, em 2015, 33,333 – conexões bilaterais. Não se trata, portanto, de um estreante, mas de um escritor maduro, que vem construindo uma obra coerentemente autoral.

Do novo livro pode-se dizer que tem como traço principal o minimalismo, uma tarefa que a poesia sempre chamou para si, essa possibilidade de fazer ver o que em geral escapa à atenção. Isso não significa opção por formas breves — em geral os poemas se estendem por mais de uma página — senão por uma carpintaria marcada pela contenção, com versos muitas vezes reduzidos a uma única palavra. Assim, em "Minhas casas/ tem várias/ memórias/ dos que/ não/ mais/ são/ nem/ conversam", a forma que como que se dissolve expressa de modo forte essa memória dos que já não falam. Essa parece ser uma marca que percorre as recordações configuradas como detalhes, a opção pelo mínimo se erigindo no modo possível de apreensão e dicção: "Na casa velha/ com os avós/ havia um cuco/ de madeira./ Minimalista".

O livro divide-se em três seções, com os títulos "Lugar", "Nós" e "Linguagens". Não que se configurem partes estanques, porque os temas se irradiam, formando um todo coerente. O ritmo evoca movimentos de sístole e diástole, em que espaços, corpo e discurso ora se comprimem ora se expandem, o que já se declara no fecho do primeiro dos poemas: "Sejamos claros: seremos esquecidos/ unidos em fios de lembranças/ as tranças da menina que nascerá/ nos orna como quem/ escolhe minuciosamente/ os mais lentos caramujos/ no mais infinito jardim". É nessa dialética em a lentidão do pequeno expandida no que não tem fim — o caramujo e o jardim — que Lucas Guimaraens busca inspiração.

Isso conduz ao título, que poderá parecer de início enigmático. A lua enquanto imagem evoca inúmeras referências literárias, desde a Ismália de Alphonsus de Guimaraens, que via uma lua no céu, via outra lua no mar, até tudo que se seguiu à desmitificação de nosso satélite, mercê das viagens espaciais, dando margem a novas abordagens poéticas, como fez Carlos Drummond de Andrade. Tecer diálogo com outros textos não implica, contudo, perder o foco. O poeta é enfático, ao fazer refluir para si o tema: "Intrépida —/ disseram —/ você voltou à rua./ Inerte —/ confesso —/ fico com a lua". Daí vem a proposta que parece dar sentido ao todo, tanto que se tornou o nome do livro, em que o corpo busca superar a pequenez e limitações pela ancoragem no nosso corpo celeste mais próximo — ínfimo ele também diante da imensidão, mas reconfigurado como corpus poético:

 

saltar no amor

é amarrar o corpo

na lua e buscar asas

na loucura.

 

 

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O livro: Lucas Guimaraens. Amarrar o corpo na lua.

Rio de Janeiro: 7Letras, 2022, 116 págs., R$ 49,00

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novembro, 2023

 

 

Jacyntho Lins Brandão é o atual Presidente da Academia Mineira de Letras. Foi diretor da Faculdade de Letras e vice-reitor da UFMG na gestão 1994-1998. Atualmente, é professor emérito da mesma instituição. Ao longo de sua carreira, publicou diversos volumes de literatura, tradução e teoria literária, estes dedicados geralmente à literatura grega clássica e ao ensino de grego antigo e da filosofia grega. Em 2018, foi um dos 10 finalistas do Prêmio Jabuti, a mais tradicional premiação literária no Brasil, na categoria tradução, pelo livro Ele que o abismo viu: epopeia de Gilgámesh (Autêntica, 2017), em que verteu o famoso poema épico diretamente do arcádio para a língua portuguesa. Seu mais recente livro é Harsíese (Patuá, 2023), coletânea de poemas.
 

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