©sguimas
 

 

 

 

CAROLINA NÃO VIU

 

 

Deixe-se levar pelo verbo ir

Mas volte pela via do coração.

Melhor, nem vá, que o certo

É tomar mais um chimarrão.

Agora, se for e for esperta,

Ou a sombra não passar no vão,

Venha, mas venha com escada:

A janela vai estar sempre aberta.

Escancarada.

 

 

 

 

 

 

TRÊS BURACOS E UM COCO: OLHO SOBRE TELA

 

 

A vizinha não quer

a bola caindo na roupa que quara.

O vizinho não quer

que eu roube cebolinha.

O filho da dupla não quer

que o gato namore seu canarinho.

Mas deixaram uns furos no muro

para que eu não deixe de admirar

tudo que sempre nunca quis.

 

 

 

 

 

 

SUBTRAÇÕES

 

 

que tal pegar tudo que temos

e deste todo fazer a grande falta

um salto que cai, uma queda que salta

essa soma assim sem mais nem menos?

por que não juntar o nosso nada

o eterno que move, o nunca que repousa

e fazer destas perdas somadas

o achado de alguma coisa?

 

 

 

 

 

 

A VOLTA TRIUNFAL

 

 

aqui vamos fazer nossa casinha

ali a fábrica não ficará muito longe

uma escola com vista pra montanha

e o templo sem imagem nenhuma

desta vez não vamos sujar o rio

nem inventar leis desalmadas

apenas novamente simples heróis

descobrindo mundos, trocando fraldas

 

 

 

 

 

 

NAS CORDAS

 

 

Um pouco de judô ajuda

quando vem o rolo compressor.

O sol pinta, o vento borda

e o gesso ainda é o melhor professor.

 

 

 

 

 

 

SOM DE CRISTAL

 

 

Aos pés da santa cruz

jurei o meu tesouro

deixei de seguir oncinha

pendurei o boné de touro.

O joelho formiga no inverno

mas é no cantar da chinela

que se conhece o riscado do terno.

 

 

 

 

 

 

MANO DO PAPAI

 

 

o amor que tu me tinhas

não me cabe explicar

o anel que tu me deste

não me cabe anular

 

aquilo que não entendo

eu uso em outro lugar

 

 

 

 

 

 

MARÉ ROSA

 

 

As cores dizem tudo,

disse-me solene uma

que acredito cego

em outros assuntos.

 

Surfar em tal tsunami

é manha de Gioconda.

Pintar como eu pinto

é de outras ondas.

 

Tenho olho musculoso

de muito passar vermelhão.

Não queira por migalhas

vir me tirar do chão.

 

A cor diz muito mesmo

aos meus olhos de Romeu.

Mas não posso ver sangue

especialmente o meu.

 

 

 

 

 

 

 

A LÂMPADA DE EDISON

 

 

Beethoven, inventor do surdo da Mangueira,

não ousava escrever um simples bilhete.

Para encomendar seu bom strudel de feira

Recorria aos talentos do velho amigo Goethe.

 

 

 

 

 

 

MARÉ DE SI

 

 

A memória melhora

o que o mar levou.

Saudade das tolas hemorragias

jorrando da terra do nunca

para as ondas sem coração.

Virar areia é preciso.

Às vezes volta à praia

o sangue do que já foi.

 

 

 

 

 

 

OURO DE SÁBIO

 

 

o oco no bolso

o vácuo no cofre

o zero no banco

espaços em branco

à espera do ouro

da imensa primavera

 

 

 

 

 

 

IMPERATIVO DA PRIMAVERA

 

 

humano, assuma o ar silvestre

época de amor conforme o calendário

flores façam tudo o que não digo

coração, aceite o eixo terrestre

ninho esta vida leve no bico

viva de brisa o papo sozinho

estações, aqueçam seu poeta

primaveras, passem com carinho

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Roberto Prado (Curitiba, 1959) é poeta, escritor, compositor, jornalista, publicitário, revisor, tradutor, roteirista de rádio e televisão. Compositor com dezenas de canções gravadas. Além de atuar nos meios tradicionais, realiza relevante trabalho de divulgação literária em diversos meios digitais. Fez pesquisa, produção musical e roteiros para mais de 500 programas radiofônicos com a história de compositores, intérpretes e instrumentistas brasileiros. Publicou Abertura (1977); Sala 17 (1978); Reis Magros (1978); Sangra:Cio (1980); OSS (1985); O Corvo (versão do poema de Edgar Allan Poe, 1985); Feiticeiro Inventor (1986); Perolas aos Poukos & Erdeiros do Azar (1988); Os catalépticos, O Livro de Tao (versão do clássico de Lao-Tsé, l992); Motim (1994); Eu, aliás, nós (1994); Tao, O Livro (versão completa, 2000); Passagens (2002); Fantasma Civil (2013); Presença de espíritos (versão impressa e audiolivro com Antônio Abujamra, 2018); Amplo Espectro (2019); Os 12 Trabalhos de Hércules (2022).

 

 

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