©sguimas
 

 

 

 
 

 

 

 

Afeto

 

 

Lembranças diamantinas

são assim claras:

a flor silvestre sobre a rocha

a transparência do ar no seu olhar

e o recorte da montanha

que a retina e a fotografia

eternizaram nessa memória

tão cristalina.

 

 

 

 

 

 

Cicuta

 

 

A minha sorte

o meu destino

são presas minhas?

 

Tantos sinais

inacabados

signos, avisos?

 

Por esse caminho

incerto voo

poso sombrio.

 

Se o coração deseja

a morte

prova do vinho.

 

 

 

 

 

 

Da carne

 

 

És pele

e pelos. E sob tua relva

resguardas

a acesa máquina.

 

Despertas e

imaginas teu ritmo

de sombra na água.

 

És ágil e concluis

o aparecer do mundo.

Chama devoradora de silêncios

que não admite a paz.

 

Submetida ao voraz apelo

no ocaso das forças

te reproduzes avidamente em mim.

 

 

 

 

 

 

I-poema

 

Ipoema

onde a poeira levanta

e amanhece o enigma

do canto.

 

Moagem de vento

o tema

que circula antigo

e atento.

 

Fogem

o amigo, o amor

o tempo.

Peneira o pó

disperso alento.

 

Madruga nas casas

antigas a gente.

O mato porém

sustenta em pé

Ipoema

a cidade a alma

e o momento.

 

 

 

 

 

 

Jogging

 

 

Madame arrebita o nariz

e o ar do parque na manhã

respira.

Coisa democrática:

no viaduto

com cola e cachaça

o pivete pira.

 

 

 

 

 

 

Moscas

 

 

Zumbem

sobre a mesa

os dois pontinhos

doidos.

 

Sujos

dos restos de gordura

como plenos

frutos maduros.

 

Esquivas

as moscas se rendem

ao espaço

e ao possuí-lo.

 

Pousadas

sobre o chão, migalhas

como sonolentas

vão e vêm

mais vivas.

 

Duas.

Feito ímãs

se alternam

se atraem.

 

Copulam no ar

e estão de novo

livres. Voam

imprevisíveis.

 

Moscas

escuras sobre

sujo igual

felizes.

 

Se confundem

com as mãos, utensílios

dos não-moscas

íntimos parecidos.

 

 

 

 

 

 

Piedade, ó serra

 

 

Se um dia você não me quiser mais

Vou subir a pé a Serra da Piedade

Para que tenha piedade de mim.

Tomarei banho de cheiro

Preparado com raminhos do Arrudas.

Mugirei como boi pesado e manso

No cercado da Serra do Curral.

Depois vou chorar minha tristeza

Debaixo daquela Gameleira

Invocando as santas Efigênia

& Teresa, São Gabriel, o arcanjo,

Até que venha em meu socorro

Nossa Senhora do Carmo

E seus anjinhos emprestados

Do retábulo antigo da Boa Viagem.

Se não adiantar tomo veneno, álcool, absinto

Hidroxicloroquina até não poder mais.

Ou num gesto espetacular me atiro

Do décimo segundo andar

Do Edifício Niemeyer

Para deixar meu coração aos pedaços

Espalhados pela Praça.

Pode crer, vou perder as estribeiras,

Fazer muita besteira, talvez até bandalheiras

Se você não me quiser mais.

 

 

 

 

 

 

Presença

 

 

A morte pôs seu ovo e vem chocá-lo

na concha que te habita.

Estranho aparelho trazes

consumindo-te em espirais de sede.

 

Ela te presente no sono

Olha-te como a um filho dormido.

Trazes o sabor na língua

mil anos e ela te reconhece.

 

Teu riso não disfarça

o que tens presa, engravidando-te.

Tocas e deixas essa mancha

sobre a matéria do mundo.

 

Teu amor, tua alegria, corroídos

algo que vens destilando

e surpreende o menor de teus gestos

o que queres, o que te anima.

 

A canção que cantas

o cigarro que fumas

trazem, embora invisível

o sinal que é sempre.

 

O mundo em sua ordem

vem pontilhando, sugestivo

lembranças pobres, presenças desnecessárias.

 

A morte e seu segredo te prendem

tecem à tua volta

o ponto em que te encontras despido.

 

E te descobres. Algo além da forma

um sopro no vento.

Na luz da tarde a vida se irradia

da ponta de um estilete

a tua vida, o teu conhecimento.

 

 

 

 

 

 

Sopro

 

Escuto de perto

o som lamentoso das folhas

uma canção morna

como a tarde brasileira.

 

Coração forte

de chão vermelho.

Os insetos multiplicam

a trama sutil

de seu descobrimento.

 

Repousa na paisagem

a vegetal pronúncia do tempo

crescem sombras das mesmas raízes

vindas de mim

dos membros ossudos dos lenhadores

do aboio feliz na campina.

Um rio imaginário que se turva

e espera a madrinha da chuva.

 

O vento corre e eu viajo.

Sou ausente

na memória enlutada da terra.

 

 

 

 

 

 

Zoon politikon

 

 

optica política

loptic olitic

olopt litic

poloptic

polop

pop

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Regis Gonçalves é jornalista, poeta, ficcionista e biógrafo. Trabalhou como estagiário, repórter, redator e copy desk em diversos veículos da imprensa. Estudou Sociologia na Universidade Federal de Minas Gerais. Como autor literário, publicou os livros Queima de Arquivo, Opus Circus, Tama Tato Texto, O Arquiteto da Cena, Retratos Erráticos, Recife (coleção História, Cultura, Sabores & Lugares) e Lúcia Machado de Almeida — uma vida quase perfeita, além de contos & poemas em periódicos. Vive em Belo Horizonte.

 

 

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