~



É preciso viver sem paixões.

Mergulhar no absoluto anonimato,

Permanecer morto ou vivo até ao fim.

Aclamar o tumulto escuro e bruto.

Encenar o drama clemente e lento.

Sentir um amor ideal por anjos nebulosos.

Descobrir um novo fundo de poesia e aguardar

uma voz que nos ordene docilmente:

— Não te movas, nem te inquietes,

nem traias o que

ainda não

és.







Porto



A poesia vai

Pela rua,

Nua.

Esconde-se

Nas manhãs mais

Frias.

E é à noite que lhe foge

A voz.

Lenta

E lenta,

Lentamente,

Até

Desembainhar

Na

F

O

Z







~



Luz(a) alma


Sossega e vive do ar

A cómoda alma, armário espacial.


Plana e cisma a esmola pintada

Na rua nua e perfumada.


Sonha a universal fundação,

À beira-rio, navio-fantasma e fruição.


Entoa, na guitarra infantil, dramática gente,

Num acorde simples, medieval.


— Ó alma lusa,


Acorda e sente,

Mesmo que à tangente,

O que é ser filha de Portugal.







~



O poema


como


Pétala de escravo

marinho


que enternece.







~



Hoje acordei com uma andorinha no estômago.


A noite era de tempo limpo e sono.

Sabia a quebra milenar, cabelo solto.


Nenhuma angústia, lei, mato ou víscera defronte.


O prédio seguia o seu curso normal de vida, espécie de abrigo impune.

Gineceu.


Observava sem capacidade estrelada o céu, quando a miúda astronomia me

Espantou a inocência.


A circular impressão se revelara.


Tal como no meu estômago, assim uma via-andorinha, se alongava, qual

fita emprestada, distraidamente, no ar.







~



No

Silêncio

De ouro da

Ponta do pargo,

Por um fio não

Desci para a

Gruta  ida

De     t

I







~



Cisma

Em mim um

Conceito,

Quase uma

Ordem estabelecida.


— o desejo.


Quanto

Menos o

Pratico,


Mais

se manifesta e me

surpreende por

excitante e novo.


Glicínias.







~



Beber tanto azul

Até limpar 

A neurose.



[Poemas do livro Azul Instantâneo, 2017]

 


 

[imagens ©fernanda lemos]



Pedro Vale vive no Funchal (Portugal) desde 2002 onde é professor de primeiro ciclo. Cursou Ciências da Cultura e frequenta o mestrado em Gestão Cultural na Universidade da Madeira. O seu primeiro livro — Azul Instantâneo — foi lançado em dezembro de 2017 e o autor trabalha há largos meses na sua segunda edição.
 
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