Passeava desde o começo da noite por
Paris, deslumbrado com a cidade. Estaquei sobre a calçada alta, numa esquina, e
pus-me a observar do outro lado da rua, entre cortinas e vidros emoldurados por
paredes de madeira, o movimento de um bar de música latina a todo o vapor. Na
rua deserta do Le Marais, um bairro de casario antigo, de madrugada, sentia o
calor daquela cantoria. Estava frio e uma chuvinha começava a cair. Jamais
havia pisado na Europa antes. Aí, soou o grito: "Guarabyra!".
Pensei que fosse sonho. Quem iria me conhecer ali? Só poderia ser um
brasileiro. Apresentou-se. Chamava-se Paulo Lajão, era baterista e residia
havia muitos anos na França. Comentou que estava indo para a casa de um
conhecido, professor de guitarra na Universidade de Paris, e indagou-me se não
queria ir com ele. Aceitei o convite no mesmo instante.
Desembarcara à tarde, saído de uma turnê maluca pelos Estados Unidos.
Faria um show em Paris na noite seguinte e, cruzando o Atlântico novamente,
realizaria mais uma apresentação em Nova York no outro dia. Dispunha de pouco
tempo para percorrer a cidade, uma aspiração de anos que teria de ser vivida em
apenas vinte e quatro horas. Tinha de conhecer o que fosse possível, embora
estivesse cansadíssimo. Visitar um professor de música e saber como levava a
vida naquele país era uma oportunidade enviada pelos céus.
A chuva caía mais forte. A noite ficava cada vez mais úmida. Chegamos a
um pequeno prédio de três andares. No Brasil tudo ali seria peça de museu. Meu
novo amigo deu-me passagem para que entrasse primeiro. Quando me deparei com a
velha escadaria de madeira, piso desgastado por séculos de uso, perguntei-me se
não a teria visto antes em algum filme. Detive-me por um momento contemplando
sua beleza histórica antes de começar a subir.
Na antiquíssima e diminuta moradia, no último andar, abarrotada de
instrumentos musicais e de amplificadores que se amontoavam, ouvimos um disco
de Leny Andrade. O professor escutava atento e satisfeito. Lajão tinha ido ali
especialmente para apresentar Leny ao francês. Terminada a audição, o dono da
casa ofereceu-nos café. Desculpou-se por não ser café brasileiro, o de sua
predileção. Perguntei-lhe se não gostaria de servir-nos um café que eu trouxera
do Brasil. Arregalou os olhos indicando que sim. Propus-me a ir buscá-lo no
hotel, ali perto. Argumentaram que a chuva iria me fazer mal. Insisti para que
me aguardassem e parti.
Meia hora depois, encharcado e tiritando de frio, estava de volta à
calçada do prédio, assobiando, como combináramos, para que soubessem que havia
voltado. Lajão recebeu-me à porta e pude novamente curtir a escada sob meus
pés. Entrei no apartamento e depositei nas mãos do professor dois quilos de pó
do estupendo Café Dona Branca. O cheiro espalhou-se pela pequena sala. Enquanto
preparava o café, entusiasmado, o anfitrião respondia às muitas perguntas que
eu lhe fazia sobre a França, vertidas para sua língua por Lajão.
No dia seguinte acordei mal. Ainda chovia. Tossira muito durante o
sono. Mesmo assim, saí de novo. Entrei num bistrô e pedi omelete. Estava ótimo
o prato. Porém, antes de pedi-lo, tinha colocado em prática a estratégia que me
haviam sugerido na véspera para garantir um bom atendimento. Logo que o garçom
— ríspido, como avisaram — aproximou-se para tomar nota de minha escolha,
mostrei-lhe um pacote de café e perguntei se conhecia aquilo. Acrescentei,
pausadamente, um "brésilien", e, ato contínuo, dei-lhe de presente.
Deu certo: saboreei a melhor omelete de toda a minha vida. Paguei e saí, outra
vez no frio e na chuva. Precisava aproveitar.
À noite acometeu-me a febre. Fiz um show horrível, completamente sem
voz. Meu parceiro de palco, Sá, vendo que eu não cantava mais nada, tentou
explicar ao público num francês bem razoável o que se passava comigo. Mas
engasgou no nome da enfermidade. Pediu socorro à banda, inutilmente. Arriscou
solicitar ajuda da plateia: "Como se chama aquela doença que deixa a
pessoa sem poder falar, assim...", e tossiu. "Comment s'appelle?".
A plateia respondeu em coro: "Grippe!". Foi o melhor da noite.
Na manhã seguinte, acordei em cima da hora, tendo de correr
para não perder o avião, com o motorista desrespeitando tudo o que podia. No
banco de trás do carro pensava como fora louca minha passagem por Paris. Mas
achava que tinha valido a pena, apesar da doença e da sensação de que ficara
faltando algo muito importante. Foi quando vi aquilo. Num relance, entre os
edifícios, a imagem surgiu e logo desapareceu. Surgiu de novo mais adiante,
emergindo dentre as construções mais altas. E, finalmente, focalizei com estes
olhos que a terra ainda há de comer aquilo que me faltara ver de Paris. Sem
trocadilho, foi o ponto culminante de minha visita. Por curtíssimos segundos,
brindou-me e despediu-se de mim como que dizendo um "até breve" a
visão da pontinha de uma deslumbrante Torre Eiffel. Voilà, Paris. Até um dia!