©sguimas [com imagem de picasso]

 
 
 

 
 

SEM TÍTULO

 

 

quando minha filha

põe as mãos na minha cabeça e ora:

 

pedindo pro seu pai não morrer

 

ela tem apenas

10 anos

 

eu nunca ensinei isso a ela

isso a vida deu

 

fora daqui – fora de mim – num outro parto

eu

 

a dor

em hospital – dança de memórias

desde a tenra

infância – meu sangue foi seu pai – seu chão de

massapê

casa

de

 

barbie

 

doll

 

 

 

 

 

 

GRINDER

 

 

Nas montanhas Altai

do Cazaquistão

 

eu saco meu Visa

 

sob os ossos de minhas irmãs mortas

nos kurgans

 

(na guerra)

eu saco meu Visa

 

- meu número código -

 

eu

Mãe dos Citas

 

esta noite eu quero matar meu primeiro homem

 

(como um rapper)

 

/ Yea, shoot at a shooter, yea shoot a computer /

Pour yourself a shot of teqkilla /

Time for a banger, throw up your middle finger /

I'm a writer competition we gon' murder /

I'm a fighter and a lover like winter and summer /

I ain't really looking for no drama /

 

sim - Matangi - eu quero

plagiar suas ideias

 

e vendê-las barato

 

(crossing borders)

 

como poemas

 

 

Notas do autor

 

/ Yea, shoot at a shooter, yea shoot a computer / Pour yourself a shot of teqkilla / Time for a banger, throw up your middle finger/ I'm a writer competition we gon' murder / I'm a fighter and a lover like winter and summer / I ain't really looking for no drama. /

 

Trecho da canção "Visa", do álbum AIM (XL Records, 2016) da artista e ativista inglesa, de origem tâmil (Sri Lanka), Mathangi "Maya" Arulpragasam que assina seus trabalhos musicais com o nome de M.I.A. (abreviação de "Missing in Action").

 

 

 

 

 

 

MY DISNEY

 

 

- caminho entre ratos -

até chegar

à

 

esfera geodésica

do

 

Epcot

 

o poema

de

R. Buckminster Fuller

 

Agindo

 

como

um tumor

 

nas genitais

da

 

minha

 

infância

 

W.D.

me estuprou

ali

 

me fez

putinha

 

do

 

seu capitalismo

 

- me fez comprar ratos -

e pô-los

 

no

 

meu cu

 

à venda

 

- isto é um poema -

 

 

o futuro do poema

 

 

 

 

 

 

SEM TÍTULO

 

 

um livro exige

e pouco dá, Praxíteles

 

somos os últimos a caminhar pelas ruas nevrálgicas

pelo sol craniano da loucura

a fomentar a esquerda literária

as polêmicas públicas

 

um livro exige

e pouco dá, Praxíteles

 

nenhuma graça para os que se lançam nos túneis de horror materno

nas fazendas de escalpo

 

caminhamos solitários pelas ilhas febris

criticando a direita do verbo

a cantoria flébil

as substâncias inúteis o sol adiposo das ilhas de editoração oficiais

 

nada restará de denso

no espólio das Ilhas Venezianas

nada resta de denso

para estas ilhas convertidas ao senado retórico dos circos ciganos

ao teatro monocórdico dos poetas fracassados

 

estas ilhas de autoindulgência

paiol de sevícias

 

palco de políticas, Praxíteles

 

 

 

 

 

 

APPAREILLAGES ÉLECTRIQUES

 

 

em posição fetal

após um tiro

 

uma criança carioca

aprendeu a ler

 

 

(na escola brasileira)

 

– o sangue no oco do casulo da seda –

 

 

o alfa

 

 

 

feto

 

 

 

 

 

o alfa

 

 

 

bélico

 

o surdo bumbo

(Bombyx mori)

 

do

 

 

 

 

verme

 

 

 

T'san

 

 

 

 

guarde criança guarde

 

 

os fios brancos

na boca

 

 

 

 

(aberta a tiro)

 

 

a pluma

de mil índios

 

 

 

mortos

 

 

 

 

 

antes

 

 

 

 

 

 

JIQUIÁ

 

 

foi

aqui q

minha

depois de criar 10 filhos

enlouqueceu

 

onde meu pai

e seus

irmãos passaram

fome

 

– mas antes de tudo –

 

foi aqui

q minha avó

 

viu

 

brilhar

 

sob o chão arenoso

 

aquela

 

projeção do Futuro

– do porvir do Homem –

 

sob

insígnias nazistas

 

eu venho aqui

pela primeira vez

 

torre

secreta

 

entre palmeiras

Chichén Itzá

 

(enquanto apanhava

do marido)

(de novo)

(de novo)

(de novo)

 

ela via

 

no céu

 

a baleia gigante

 

se contorcendo

 

em fogo

 

 

 

 

 

 

GUCCI DEATH MERZBAU

 

 

eu uso um coturno preto

para você, Patty

eu quero esmagar você, Patty

eu quero você numa das salas do Guggenheim

eu quero você sendo

a nova Julieta do Guggenheim

sangrando por uma curra no Central Park

assando seu rosbife pensando no Teorema de Pascal

eu quero você com seus genitais expostos

aberta como um cemitério nazista

acreditando na lista de suicidas do exército

vietnamita

eu quero você

do jeito que eu deixei queimando em Oslo

só você está pronta para ser minha agente nas

galerias

esta é minha guerra civil particular

é agora ou nunca no mercado das Artes

estou cercado

por tanques de brinquedo

engaiolado

numa República Popular da China qualquer

usando uma veste invisível

de nítido conteúdo sexual

tudo preparado para aparecer na TV

 

eu o teu pequeno miúdo

tua pequena estrela cósmica

 

 

 

 

 

agora eu cago ouro como Picasso

 

 

 

 

 

The Picasso Baby

 

 

 

 

 

 

RELICÁRIOS

 

 

O encontro

das cabeças

de

 

Lampião

 

e de

 

São João Batista

da Mesquita de Umayyad

 

O encontro

das cabeças

de

 

Lampião

 

e de

 

São João Batista

da Catedral de Amiens

 

O encontro

das cabeças

de

 

Lampião

 

e de

 

São João Batista

da Igreja de San Silvestro de Roma

 

O encontro

das cabeças

de

 

Lampião

 

e de

 

São João Batista

da Münchner Residenz da Baviera

 

No Pródomo

do Monte Athos

 

 

ou na Fazenda Angicos

 

 

dança a mesma

 

 

Hidra

de Lerna

 

 

 

 

 

 

EASTER

 

 

venha para as luzes elétricas

 

filha

 

de

Zeneida R-va

— homens

são octópodes — homens

te desejam

 

como a SS

 

— banhe-se neles —

Mahatmas ácidos

dissolvendo-se

 

— os mais fracos nos seis dedos

de sua Mrigi —

— os mais belos nos nove

dedos da sua Vadava —

— os mais audazes

nos doze

 

 

dedos

de sua

 

Karini —

 

 

 

filha

 

de

Zeneida R-va

 

 

— Os de pênis —

nenhum

capaz

 

de

perfurar

tua

 

 

 

 

verdade

 

 

 

 

 

 

VOZ DO VENTO

 

 

 

 

 

scripta

 

 

 

 

 

 

ex cripta

 

porque você não me escreve

Ismália

verbum-vocat: farfalha

(istmo não-ser

: pendúculo

 

genitália-réstia

 

quase

despele) tudo transita

além e pós-além

: olho-frugal

 

(núpcia)

 

porque você não me escreve

Ismália

cantochão-músculo: lírica

(ocluso canto

: molusco

 

fresta fálica: língua

 

quase

despele) tudo transita

além e pós-além

 

verbum-vocat

 

ex

 

cripta

 

 

voz

 

do

 

 

 

 

mar

 

 

 

 

 

 

SEM TÍTULO

 

 

marcar no papel

 

o silêncio dos ossos

 

costurar na pele

a asa esquerda do dia

 

somos

como brinquedos em exaustão

 

na noite

 

da

 

 

escrita

 

 

 

 

 

 

 

QUARTZO-LÁGRIMA

 

 

 

quartzo-lágrima

da casa dos pulsos

onde fica o equinócio das fuligens

que o meu amor angariou para si

requereu

a pluma dos cactos

e o amplexo de Diadorim

para uma armadura esdrúxula

em língua de pó e parafusos d'água

eco da carpintaria

teu tempo

roeu minhas pálpebras

restaram hipérboles e elipses

não é doce

a dura-máter

HOMO VAPOR EST

Vasari disse

resina escopo e lástima

 

 

 

dezembro, 2022

 

 

Delmo Montenegro (Recife/PE, 1974) é poeta, ensaísta e tradutor. Começou a atuar no campo da Poesia Visual e Experimental na década de 90. Autor dos livros Os Jogadores de Cartas (2003), Ciao Cadáver (2005) e Recife, No Hay (2013). Este último, um dos vencedores da primeira edição do Prêmio Pernambuco de Literatura e finalista na categoria Poesia do Prêmio Jabuti, em 2014. Mestre em Teoria da Literatura, pela UFPE, no campo acadêmico desenvolve pesquisas sobre o Barroco, o Simbolismo e o Modernismo em Pernambuco. Foi um dos idealizadores e editor, ao lado dos escritores Fabiano Calixto, Marcelino Freire, Micheliny Verunschk e Raimundo Carrero, da revista de literatura Entretanto (2007).

 

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