©sguimas
 

 

 

 

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Folgo em saber

Que nada sei

Que nada sou

 

Além daquilo

Que pensei

Que passou

 

 

 

 

 

 

RÉQUIEM

 

 

Escuto um choro

De luto em coro

 

Um canto mudo

Um pranto em tudo

 

 

 

 

 

 

O DISCÓLATRA

 

 

CDs e discos na prateleira

Juntam poeira,

 

Há muito tempo não são ouvidos,

Quase esquecidos.

 

Discos de rock, CDs de jazz...

Não tocam mais,

 

Deles há tempos já não desfruta,

Já não escuta —

 

De tanto ouvi-los, tornou-se surdo.

Um absurdo.

 

 

 

 

 

 

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Os sinos da meia-noite

Avisam que um dia termina.

Ou que um dia começa?

 

(A dubiedade dos sinos

Da meia-noite me atravessa...)

 

 

 

 

 

 

SAPIENCIAL

 

 

Aprende com os teus erros

Aprende com os teus acertos

Sabendo que a sabedoria

Nunca está assim tão perto

 

Aprende com os teus atos

Aprende com os alheios

Sabendo que a sabedoria

Nunca nos disse a que veio

 

Aprende tudo que podes

Aprende como criança

Sabendo que a sabedoria

É apenas uma esperança

 

Aprende, aprende sempre

Aprende até mesmo agora

Sabendo que a sabedoria

É tudo que se ignora

 

 

 

 

 

 

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De tudo algo fica

De tudo algo se perde

E essa é a questão

 

Não ficar para sempre

Não se perder para sempre

 

 

 

 

 

 

O LARGO

 

 

A Cesário Verde

 

 

Por todo o centro espalham-se mendigos,

São parte da paisagem em meio à multidão,

Dormem pelas calçadas, sujos, sem abrigo,

Alguns na companhia amiga do seu cão.

 

Às vezes, atrapalham o caminho,

Pedindo uma moeda ou um prato de comida.

Às vezes, eles brigam; um fala sozinho;

Um outro anda pelo meio da avenida.

 

Eu vejo um deles revirando o lixo

Procurando comida, morrendo de fome

Rasga os sacos e arranca os restos como um bicho,

Um bicho de Bandeira, um bicho que era homem.

 

No centro, quando se dobra uma esquina,

Com prédios muito velhos, grandes e bonitos,

Um cheiro muito forte e ácido de urina

Toma nossas narinas, quase que eu vomito.

 

O largo se parece com um cortiço:

Famílias pobres moram ao pé da catedral.

As crianças que crescem em meio a tudo isso

Tomam o largo sujo como seu quintal.

 

Umas chutam latinhas pelo chão;

Outras pedem esmola; outras cheiram cola;

Furtam passantes; outras brincam com um cão.

Nenhuma delas foi um dia para a escola.

 

Umas são órfãs; outras, enjeitadas;

Outras vivem com os pais, despejados na rua,

Os pais desempregados, mães desempregadas.

Toda essa criançada o centro tumultua.

 

Muitos idosos pelo chão da praça,

Muitos deficientes em estado precário

Pedem ao pessoal que todo dia passa

Alheio a tudo isso em frente ao santuário.

 

Da sua fachada, santos e profetas

Rogam pelos mendigos, pivetes, drogados,

Por todas as figuras sujas na sarjeta,

Que dormem pelo chão da praça, abandonados.

 

As pombas ciscam pelo chão do largo,

Comem papel de bala e restos de cigarros.

Enquanto isso eu passo alheio, seco, amargo,

Jogando mais papéis, cuspindo mais pigarros.

 

 

 

 

 

 

POEMA TIRADO DE UMA PALESTRA

 

 

Inventamos

A bicicleta

O carro

O avião

 

O tombo da bicicleta

A batida de carro

A queda de avião

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Luiz Renato de Oliveira Périco (Jacarezinho/PR, 1983) é bacharel em Letras pela FFLCH-USP e em Direito pela FDUSP. Vive em São Paulo/SP, onde é funcionário público. Em 2006, foi segundo lugar no II Festival de Letras da FFLCH. Em 2014, obteve menção honrosa no 22º Programa Nascente, da USP. Tem poemas publicados em antologias e revistas literárias, como Toró, Ruído Manifesto, Mallarmargens, Lavoura e Sepé. Publicou Forma amorfa (Viv Editora, 2021). Instagram: @lroperico.

 

 
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