[Ecoperfomance em Rio Paranaíba | imagem Ivan Domingues]
 
 
 
 

 
 
 
 

Que Djami Sezostre transgride a gramática, todos os que leem sua poesia, já o sabem. Porém, existe uma outra "gramática" que nos perpassa e nos faz sentir algum estranhamento ao ver a presença tão acentuada do corpo do poeta nas páginas de um livro de poesia. Esta "gramática" com aspas nos impõe aquela noção de poesia como algo que pertence ao pensamento e à materialidade das letras e fonemas e não ao corpo nu.

 

Em um país que tem uma forte tradição da poesia concreta, intelectualizada e urbana — uma poesia da qual temos, na cabeça, apenas uma reminiscência da imagem da feição do poeta, normalmente caricatural — uma presença tão contundente do corpo, como vemos em Djami, causa mesmo algum estranhamento.

 

Mesmo um dos mais bucólicos dos poetas brasileiros, Manoel de Barros, em sua simbiose com a natureza, ainda atende àquela "gramática" que nos ensinou que a poesia tem como matéria, a palavra e que o suporte para a palavra poética é o livro, ou quando um tanto ousada, a voz.

 

Nosso "lado ocidental" legou um dualismo psicofísico que hierarquiza e separa corpo e alma, ou corpo e pensamento, ou corpo e intelecto, ou corpo e consciência, ou corpo e espírito, ou corpo e espiritualidade, ou corpo e sujeito, ou corpo e subjetividade, ou corpo e transcendência, ou corpo e essência, ou corpo e verdade, ou corpo e poesia.

 

Sempre entendendo o corpo como algo inferior, entrada para o pecado, falível, efêmero, profano, imperfeito, frágil, mercantilizado, vulgarizado, supérfluo, frívolo, instável e, portanto, diferente da poesia que lida com o que haveria de mais nobre na humanidade.

 

É claro que tal "gramática" à qual me refiro vem sendo transgredida na cultura ocidental desde as vanguardas, mas o tipo de transgressão que Djami perfaz reflete a contemporaneidade de não querer mais romper com nada, na medida em que já não há mais como identificar os limites daquilo que poderia ser rompido, mas sim um tipo de transgressão que se dá por meio de um retorno àquilo que é a sua biopoesia: o seu corpo.

 

Este retorno é a chave para compreender a presença acentuada do corpo do poeta em contato com o ambiente, uma nudez erótica e por vezes, espalhafatosa, em cores acentuadas que adicionam um elemento pseudorrealístico. Um corpo em sua altivez, que parece acentuar aquela espécie de estranhamento que mencionei no início deste texto.

 

Este estranhamento é a chave para compreender a presença do corpo em uma poesia que tem na voz uma matéria tão essencial quanto a escrita. Uma poesia que poderia ser ágrafa, mas que nunca existiria sem a corporeidade desse poeta que insere seu corpo na paisagem, assim como insere as letras no corpo do livro.

 

Djami corporifica sua poesia e poetiza seu corpo. Suas performances sugerem uma busca que parece mimetizar sua escrita, uma busca por espontaneidade, por intuição, por instinto, por sentir mais do que pensar, por animalizar o pensamento e deixar que as palavras sejam reflexo das sensações do corpo, que se torna reflexo de sua poética.

 

Uma poesia que vem, não da natureza externa, mas sim da natureza que está dentro do próprio poeta, uma biopoesia que é, antes de tudo presença no mundo, vivência, momento, existência besta, mínima, trivial. E as palavras são vistas como coisas ordinárias, fisiológicas, carnais. Djami Sezostre faz poesia assim como respira.

 

Um corpo que escreve com os dedos e com as mãos e com os braços e com as pernas e com o pênis. Um corpo que se inscreve na poesia e a enuncia, tal qual o próprio verbo. Um corpo em estado de transe, tal qual os versos em estado de corpo. Um corpo que tem uma língua que fala e lambe as palavras. Um corpo que tem um pênis que mistura sêmen e catarse. Um corpo que se torna a própria poíesis ao abrir as asas e virar lírio.

 


 

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