©sguimas
 

 

 

 

Héracles

 

 

Ninguém sabe

Degustar

um segredo.

 

Ele tem a cara

De um Câncer.

 

Ele tem o cheiro

De um medo.

 

Eu verto silêncios

E aromas de baunilha

Nesses dias entristecidos.

 

Eu perambulo

Pelos endereços

Inábeis

Dos tempos felizes.

 

Eu sofro

De amores voláteis

Desandando

A maionese dos magos.

 

Flor de um asfalto retrátil

Devorador de pernas

dóceis

E sonhos contidos.

 

Esvoaço a vida

Se esvoaçada

Deixa-se.

 

Falo a verve

Descontrolada

Dos abismos.

 

Amo a febre

Dos meus sentidos:

Voz embargada.

 

Desavisado sorrio

Os dias me dilaceram

Na sorte que anunciam.

 

Dobro a esquina

Cruzo o rio

Sangro desaparecido.

 

As mãos prenunciadas

São a febre

Das horas enraivecidas.

 

O olho inerte

É o remorso

Do tempo vencido.

 

A outra margem

O rosto da correnteza

cortada.

 

Palidez é a cor

mais selvagem

a mim permitida.

 

Morrer centenas

De vezes e não

Morrer sequer um dia:

 

Trançado de vozes

Calando

As pedras velozes.

 

 

 

 

 

 

Em um mapa sem cachorros

 

 

Em um dia fúnebre

Antes da hora

Do Mês dito Agosto

O prato do pranto

Foi a flor que chora

Frio e nunca no ponto

O meu verso é dessa

Forma: fugidio inexato

O sangue não é lágrima

Mas boia no mesmo prato

E eu de mim tudo perdi

Ao olhar inconformado

Os dias no calendário

Rasgados e putrefatos

Para dizer do tempo: venci

E nunca de fato

Ter o tempo segurado

Umas vezes ele me prendia

Nas outras me degolava

E o sangue doce foi

Uma mesa vazia

De esperar e embaraço

Tudo o que eu antes dizia

Hoje me olha estupefato

Frangalhos meu sonho inútil

Outroras meus simulacros

Nem fingir mais eu sei

 

De tanto que me zombaram

E se o verso me verte algo

Me exaspera ser: enfático

Sou a metade do caminho

De um fim que nunca sabe

A que veio aonde termina

se depois de tanta armadilha

Compensa todo vil pedaço.

 

 

 

 

 

 

Farpas

 

 

Faca por aqui não é

Arma branca

É arma branda.

Armados de Tenazes

Dissimulares

Com garras de angústias

E sombra nos olhares

Os outros e os outros

Em mim combatem:

A luz da minha sombra.

 

 

[Do livro Em um mapa sem cachorros]

 

 

 

 

 

 

Poemas Mal_Ditos

 

 

Um poeta em seu reino dos céus

Tem sempre esse inferno particular:

Se cortando na sutileza dos véus

Olha no olho do que há para revelar

 

Vê claro o que claramente oculto

É o mais escondido dos tesouros.

logo o acusam de estar em surto

ao dançar com a alma dos touros.

 

Chega de promessas do paraíso

repleto de prazeres artificiais.

Escrevo uma dor ácida e aviso:

sou o menos morto dos mortais!

 

Vestido com a ousadia nua:

Como flor de lótus nos funerais.

Quero a tinta que a beleza sua

E deitar vivo, aonde a vida jaz.

 

 

 

 

 

 

Amor a dentadas

 

 

Contigo já nem sei mais começar.

Atropelados todos os meios

Desisti de ser inteiro.

Me mordo em sonho quase sempre:

Destroncando o curso na montanha

Do que era rio e hoje é veio.

Só bebo dessa sede que em mim

Com fogo congelas:

Por ter os lábios e a língua feitos

Pela metade e perdidos estarem

Na polpa de tua pele como sementes.

É dia de arrancar unhas curtas

E arrastar o barulho das luas:

Para difamar o amor que me engana

E mostrar que corte de pedra não é

Dor. É só uma carícia de quem carece

De outras suavidades.

 

 

 

 

 

 

Fora de Moda

 

 

Um bando de ovelhas negras

Tosou o pastor de roupas brancas.

 

Não precisa de pele nem alma:

Quem tem as vestes tão alvas;

Quem tem as falas tão brandas;

 

Quem sabe por onde todos

Têm o modo certo

De chegar não sei onde;

 

Deus me livre esperar

Um julgamento.

 

Eu que ainda não sou

nem ovelha negra.

 

Eu que de rebanhos

Quero distância,

E me visto

Só com a alma:

 

Que para viver de aparência

Além do olhar maquiado,

Sempre há um gasto de tempo.

Quem vive muito: morre cedo.

 

 

[Do livro Poemas Mal_Ditos]

 

 

 

 

 

 

Absinto

 

 

Amanhecer sem madrugada

Barco de fogo na tempestade

Sol eclipsado

Intimo grito de ecos

Nau de um nauseado

Toque rugoso da imensidade

Órbita difusa no nada.

 

 

 

 

 

 

Árvores Secas

 

 

São matizes ferozes:

O reverso dos versos em nós;

O calado incêndio de atrozes

Suores,

Não guarda o instinto e o suor.

 

Se doem, o que em mim não dói.

O ácido é uma flor

E seja como for

Já não corrói.

 

A sede a nos afogar

É a flama exaurida

Da água que nos faltará.

 

 

[Do livro Hora Tenaz]

 

 

 

 

 

 

O Pós não é novamente

 

 

O Meu nome não o dizem.

Minhas mãos, tocar não querem.

Fazem as mesmas coisas

Mas o mesmo de sempre

é o espanto de nunca

Termos visto de tão perto

O que nos mantinha tão longe.

O medo faz doer as pernas

Em centímetros de lento caminhar.

Sem poder tirar a máscara

Com as máscaras de sempre

Incrustadas no corpo:

Estranho copo de

prazeres esvaziados.

Queremos um mundo novo

mas os donos dos cimentos:

Querem soterrar corpos

E perseguir ouros Improváveis.

O medo de morrer

o quero matar

Com sorriso na fronte.

No front a escassez

nos escava:

A fome fala

Amontoar riquezas é

cavar valas.

Juntar as mãos

Sem tocá-las

é o desafio circular

Que nos alargará os olhos.

A esperança não será esperada:

Dividir o presente

Será não morrer

Para sempre.

 

 

[Do livro Cinquenta]

 

 

 

 

 

 

De Olho : Embriagado

 

 

Conheci Junkies on the rocks

Que tristes pareciam

Na meia-noite do mundo

Sem música e poesia

Trash on the street

E pó de nostalgia

 

Andei mil lábios e nem desfaleci

E quando de olhos abertos

O mundo parecendo certo

Mostrou-me o sangue, o fogo e a flor

De pronto era Alice e o país das maravilhas

Não passava e eu nem sabia

De um conto de fados

E uma cama para sempre vazia

 

Na última sessão de fotos

Um flash dilacerou

Meu coração cansado

 

Conheci Junkies on the rocks

Em ruas que não eram minhas

Em dias que me caçavam

De volta às mesmas esquinas

Quando a lua já desistia

De iluminar sagas ensandecidas

 

Hoje molho no pão vosso de cada dia

Minha pena de securas estarrecidas

Meu olho quase morto onze da manhã

E alguém à espreita da minha fugitiva vida

Um amor verso a verso retalhando

Minha dor na qual ninguém mais acredita

E os maus mal parando em pé

Numa solidão de viés quase comprometida

Conheci sweet and darkness

Far away my heart em plena descida

E ruas de um gosto de sal

Que o sol petrificou pra toda vida

Andando só e mal acompanhado

Quién supo hallar mi corazon alado?

Será que alguém se esqueceu mesmo de mim,

Depois de algum tempo haver lembrado?

 

Ou quem sabe aqui nos versos

 

Só e de Olho: embriagado

 

Posso dizer da vida seus mil lábios

Com línguas de fel e equívocos nos armários

 

 

[Do livro De Olho : Embriagado]

 

 

 

 

 

 

O amor é um precipício do cão

 

 

O amor é um precipício do cão

O faz latir penar perder

A linha

É fome a doer de qualquer

Maneira

Se queima arde ou lambe

Quem dirá

O que pode fazer

Ao terminar

A paixão

O duplo ereto

O etéreo disfarce

Da abstinência

Da polução noturna

Do excesso de consciência

Tudo isso veio a mim dizer

O amor é um precipício do cão

Farejado como armadilha

Farejado como pouca comida

Com amor me animarias

Nem sempre animal

Que o anima das nossas tripas

Não nos faz nada melhor

Ao suavizar tenras raízes

O dente nos aniquilará

Amor doce semente

Só me causa mal estar

O amor: não me diga nada

É um precipício do cão

O corte de papel no pescoço

Eu assim desprezado por vocês

A trajetória desvairada do tinteiro seco

A poesia como velório de palavras

A vela queimando o tiro no escuro

O verbo sem ser sujeito

O bolor furando o muro

 

 

 

 

 

 

Soprinho

 

 

Eu flerto com a morte

A vida é um

desdém

de tanto esperar

a sorte

muitas vezes

me atrasei.

 

O tempo pensa

deter-me

e eu nem sei

quanto me resta

ainda

de tudo

que já deixei.

 

 

[Do livro O Amor é um precipício do cão]

 

 

 

 

 

 

Ex-tratos fera

 

 

O frio que me congela,

não é o inverno.

Inverno aqui, verão,

em outra terras.

 

A terra que me preservam,

não dá colheitas.

Colheitas são

dos que prosperam.

 

 

[Do livro Instantâneo enlace]

 

 

Nota do autor: todos os poemas dessa seleção foram reunidos no livro Cinquenta (Kotter, 2020)

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Julio Urrutiaga Almada é poeta, escritor, tradutor literário e dramaturgo. Transeunte do mundo. Identificado com a realidade latino-americana. Geminiano com ascendente em Peixes e Lua em Câncer. Autor dos livros Proesia (Feira do Poeta – FCC, 1984), Instantâneo Enlace (Poesia Reunida - diversas fases – 2003, inédito), Livro dos Silêncios (Editora Corifeu, 2006), Arde (em espanhol, 2006, inédito), Poemas Mal_Ditos (Ed. do Autor, 2007). Poemas Mal_Ditos (2ª edição, Alternativa, 2009), Em um mapa sem cachorros (Ed. do Autor, 2009), De olho: embriagado (2009, Ed. do Autor, 2009), Beira do caminho (Poesia Reunida, Ed. do Autor, 2010), Hora Tenaz (Ed. do Autor, 2012), Máquina de moer carma (Ed. do Autor, 2013), O amor é um precipício do cão (Ed. do Autor, 2014), Caderno de ontem (Ed. do Autor 2015), O dia da perdiz (em fase de conclusão), Cinquenta (Kotter, 2020), Aún Arde (Ed. do Autor, 2021). Traduziu El río, de Javier Heraud (para o Português, editado pela Editora CPEC – Lima/Peru), que apresentou, como convidado, na Feira Literária FIL-LIMA, em julho de 2010; Cuadernos de Ayer - Projeto Poeta no Equador. Escreveu para teatro as peças Só voa quem de céu é feito e Poema de Tigres. Site pessoal: www.julioalmada.net. No Youtube: Julio Urrutiaga Almada. No Instagram: @juliourrutiagaalmada.

 

 

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