©sguimas
 

 

 

 

Para Joyce Clímaco e Thais Öberg

 

 

 

 

 

Só que o mundo de hoje ficou mais inteligente.

Dostoievski. O idiota. Tradução de Paulo Bezerra.

 

 

 

*

 

 

se

 

noventa

 

e cinco por cento

da população da Terra morrer

vão sobrar ainda

 

quatrocentos

milhões de pessoas

 

ou seja, se por um lado

o fim do mundo

está mais próximo

 

por

 

outro, tecnicamente

ele é impossível

 

ao menos

para agora, ele mesmo

o fim do mundo, ele talvez

seja inviável, não possua

 

condições de consumação

 

 

 

 

 

 

*

 

 

durante o império sassânida

a população global girava ao redor

 

de cem milhões, cento e vinte milhões

e isso em todo o planeta

 

na época das

 

pousadas sassânidas

 

portanto, no auge do período imperial

 

ou seja, na era

das rotas comerciais asseguradas

 

portanto, na era das

 

estalagens

erigidas

nas faldas congeladas, no passo

 

das escarpas frias, serenadas

no declive dos

 

siguanes

 

 

 

 

 

 

*

 

 

nessas guaridas

 

de fogos comestíveis

 

sobre os colchões prenhes de traças e

 

percevejos, opiliões, aranhiços

 

nepomorphas

 

alacrães

 

nos dormitórios em que pernoitavam

 

assassinos, carteiros, falsos

sacerdotes, dublês, fugitivos

tafuis, jogadores de azar

 

moças ensurdecidas

 

 

 

 

 

 

 

*

 

 

durante o império sassânida

 

de que as madrugadas

poucos atravessavam

 

estradas desaparecidas

sendeiros esfumaçados

 

andarilhas esgotadas

 

vagueando à noite aberta, noite

 

fantasmagorizadora

 

isenta de limiares

 

para lá e para

 

cá, à

 

intempérie

 

noite estelável

 

 

 

 

 

 

*

 

 

às

 

intempéries

esteláveis, nos lugares altos

 

noites sem fim, nesse tempo

 

a população global girava ao redor

de noventa, cento e dez

 

cento e quarenta milhões de pessoas

 

galpões cristalíferos evacuados

ruínas túrquicas pré-históricas entre

florestas fuliginosas

 

          verões nublados, vaporização de ferrugem

potável

 

 

 

 

 

 

*

 

 

e noutro cenário

ainda mais assustador

a população

flutuou ao redor

tão-só

 

de vinte mil, vinte e seis mil pessoas, quando

bandos, agrupações de hominídeos

 

vagavam, migradores

 

por pântanos

e paludes de

 

polônio, as —

 

por isso, as —

 

virtuais linhas de

extinção

 

é possível pôr nesses termos

 

já estiveram muito mais próximas

do que estão hoje

no nosso tempo

ao menos em cifras numéricas

 

 

 

 

 

 

*

 

 

isto você me expunha

com uma

caretinha

de absurdo irônico

numa noite de terça-feira

 

enquanto

suas unhas de

acrigel

enfeitadas com gravuras de

 

luau

 

constelaçõezinhas em relevo

microameixas, bordados litorâneos

 

teclavam

 

a seco

 

estalos tocados

 

no iphone, onde seus

 

cachos negros, cheirosos, cachos

 

quipchaques

 

reduplicavam-se

às centelhas

 

na foto — papel-de-parede

 

à proteção de tela —

 

à imagem fugaz de seu plano

 

de fundo

 

 

 

 

 

 

*

 

 

Vênus teve oceanos

riachos de lodo e gelo

 

marismas, restingas

 

manguezais

granizados

 

antes de se interromper

a perda de calor atmosférico

 

 

 

 

 

 

*

 

 

emojis de pesseguinhos-

 

bundas

 

emojis de unicorninhos

 

emojis de

 

pulmão

 

de coronárias

 

emojis de yakisobas

 

de paus e

ouros

de magiquinhos, magos

 

emojis de ninja, coalas

 

 

 

 

 

 

*

 

 

emojis de Saturno porém

 

não há emojis

 

de outros mundos plutoides

 

não há emojis

de Ceres

 

Plutão

 

planetas-anões

 

emojis de

próteses

 

emojis da cidade noturna

Theveste, um pátio cartaginês

a prostituição espiada através das treliças

atrás da muralha afundada

a cidade dentro de um quadradinho

vitrificador de uma temporalidade

 

emojis de esmaltes

 

esmaltes-fantasmas

 

emojis de bons agouros

ou de maus pressentimentos

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Gabriel Morais Medeiros (Campinas/SP, 1988) é autor dos livros de poesia Andrômaca, quarenta semestres (Patuá, 2016), Os Bálcãs eram lixões (Ofícios Terrestres, 2019), Pornografia em extinção (Patuá, 2019), Insta fantasma (Urutau, 2021) e O tráfico de órgãos na poesia brasileira (Urutau, 2022). Traduziu o livro de ensaios e crítica de arte Pós-pornografias, de Fabián Giménez Gatto (Ofícios Terrestres, 2020). Em 2023, publica o livro de contos Abaixo da bandeira, em coautoria com Fábio Mariano e Whisner Fraga, mediante premiação obtida pelo edital PROAC 24/2022-SP. É responsável pela Ofícios Terrestres Edições, editora independente voltada a humanidades e literatura, em atividade desde setembro de 2019. Atualmente é doutorando em teoria e história literária (Unicamp), onde pesquisa a obra de Roberto Bolaño.

 

 
::  revista  ::  uns  ::  outros   ::  poucos  ::  raros  ::  eróticos&pornográficos  ::  links  ::  blog  ::