©sguimas
 

 

 

 
 

 

 

 

Constelações

 

 

colho tipos

com os dedos

 

chumbo

espreita

em sua

sombra

 

cada pé

cada olho

são partes

do espectro

 

caixa

tipográfica

safra de signos

 

constelações

 

 

 

 

 

 

Malandragem malagueta

 

 

capsicum

planta marciana

veste saia rubriaguda

asas lanceoladas

guarda dentro da taça

o inferno do saber

o purgatório do querer

o paraíso do sabor

 

dentro dos pingentes de brasa

 

ígnea íngua

sob a língua

        salamandra

sopra o vento

a faísca no palato

refresco no dos outros

 

a glote engrossa na garganta

 

da nascente sob as pálpebras

verte suave sanga

insula íris

ao salvar iguaria milenar

o rubro cuneiforme

degusta na polpa das papilas

o sumo sacerdócio das sementes

malandragem malagueta

guardada nos dedos de moça

 

 

 

 

 

 

Alecrim

 

 

guardo do nosso encontro

o estado de alegria inaugurado

silo de semente rara

bem sabemos

a cura prometida e germinada

 

o seu aroma recende a sala

e neste instante

o vestido incendiado

marcando as ancas

chama o corpo para dança

em passos lentos

 

alecrim não quer água em demasia

sua textura nos ensina economia

da folhagem que bebe orvalho

oceano entre teus dedos

 

vaga de um mar distante

para um jardim sensorial onde me fauno

 

danças tu também entre os canteiros

com riso largo falas plantas

enquanto amostras

são colhidas no viveiro

exsicatas pra tua vernissage

 

rosmarinus regenera teu semblante

acompanho teus pistilos germinados

me visita na memória tua imagem

 

 

 

 

 

 

Abô (água sagrada)

 

 

I

a entrada da horta

tua tesoura de poda

vento preso entre árvores

imóvel haste da cavalinha

o jardim sensorial

convida ao giro dos arcanos

sacar os naipes dos teus passos

 

 

 

II

 

 

nacos de cactos

na cerca que vivia alí

agora seca

parto de pesadas espadas

de são jorge

sansevieria trifasciata

força invejável

desse rabo de lagarto

pra tirar da sombra

esse semblante

banho de sassanha

 

 

 

III

 

 

rogo a iansã quebrar

mal olhado, varrer o inço do caminho

ver nos olhos

novas flores

afugentar o desatino

 

 

 

 

 

 

Depois da Chuva

 

 

a água turva

não estorva

a tartaruga

 

Palhano, entre embaúbas

 

 

a lua minguante

marca lonjura de dois dias

da última vazante

 

quase enchente

depois da semana

de chuva

 

palhano inchado roncava

 

os livros, as fotografias

coleção de agulhas

os rascunhos da planta da horta

 

tudo deitado nas águas

entre as embaúbas

 

também as exsicatas

uma a uma

        foram rápidas

 

por último

mergulhei a gravação

feita pra revista

 

 

[Do livro Palhano, entre embaúbas. Papel do Mato, 2022]

 

 

 

 

 

 

[papagaio]

 

 

todos sob o mesmo céu

no quintal

farfalham folhas

soltas e secas entre capins

[o couchê das revistas

placar–mad–manchete

formam certo arsenal

cortado pras rabiolas]

 

"neste sol maluco que azucrina

& me faz levitar amando

as estrelas derrubadas"*

 

a tentativa

erguer estrelas de piva

nas formas das pipas

[corpos leves laricam

dançarão os papagaios no alto

dentro deste estado de sítio

 

os pés plantados

no sonho

não abortam

a sanha

necessária à língua

contra qualquer arbítrio

 

 

*Verso do poema "Cliente da mucosa", do livro Quizumba, de Roberto Piva.

 

 

 

 

 

 

[coruja]

 

 

vem manhã plantada nas mãos

espalmadas na soleira da janela

aberta pelos cílios

do olhar da Beladona

a pupila pulsa além

de estames e pistilos

atravessa as gretas da parede

nada contra o facho de luz

vindo de fora com a poeira

e chega até

a sala, a mesa

e a uma gaiola vazia

 

três lâmpadas acesas pelo sol

ocupam o lugar do pássaro

três planetas incandescentes

para suportar tanto mal trato

lá fora

um corpo flerta o vento

contra a carne azul do universo

os papagaios figuram máquinas

avançando entre liso e estriado

um jogador não admite ter acabado

 

 

 

 

 

 

[marimba]

 

 

para desorganizar os espaços

marionetes mimam lastro

dedos marions contra a luz

malha de bambus

mamulengos dentro da mata

dançam antes do corte

pipocam pulos do saci

 

a lua cheia passou

a seiva desceu

não tem pra traça

não tem cupim

e os papagaios

figuram entre falanges

um figurino infalível

negativo preso a uma linha

 

 

 

 

 

 

[gaivota]

 

 

uma linha álacre adorna o naipe

prova a pandorga certo pássaro

plumagem de papel vegetal

 

levita

 

enquanto a íris reflete o céu

urra e empurra o papagaio

e seu desejo de ascensão

                debica

nas ruas atrás da infantaria

alegria e resistência evitam

a voracidade do leviatã.

 

 

 

 

 

 

[gamelo]

 

 

os fios nos postes desenham

tipo de memória, garatuja e aranzel

mais abaixo bem na rua

pandorga de meio fio

gurizada sentada recortando papel

 

olhos tortos seguem mãos

adornadas com unhas sujas

no impecável dedilhar

nas cordas puídas do pinho

cuja onda encobre a fala

que é fanha mas não cala

o desenredo de um destino

na marquise à beira mar

mantém a crença na aurora

desejam ainda o anil

 

 

 

 

 

 

[carambola]

 

 

cerol cerceia em silêncio

a dança, a goela

 

a imagem alada

sem fios sem nada

 

cópia montada de acenos

chama gente na janela

 

cada qual com lenço e vela

juntos esperando vitória

 

enxuga na rua o sangue

as lágrimas na madrugada

 

 

 

 

 

 

[laçadeira]

 

 

unindo forma e aviamentos

agora é sonhar aves ao vento

a verruga no dedo do varão

sangra tingindo o cerol

urubus cortejam pipas

bailam no arco da tarde

risco de rímel, rasura

ao lado do olho solar

 

mulher fermenta a luta

crianças de abrigo em abrigo

machos no gole embriagam

e os bem nascidos

decretam a família aquela

ventríloqua da televisão

empunhou fórceps

para arregaçar o estado

sem cura ou educação

 

 

[Do livro Performance para papagaios. Inédito]

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Cristiano Moreira (Itajaí/SC, 1973). Poeta, tipógrafo, editor e produtor cultural. Autor dos livros de poemas Rebojo (Bernúncia, 2005), O calafate míope: cinema incompleto (Papaterra, 2009), Dengo Dengo(infantojuvenil, Papaterra: 2016), Dente de cachorro (Nave, 2018), Imagens da Madeira (Papel do Mato, 2019). Traduziu e editou Apartados,do escritor chileno Rodrigo Naranjo. Crítico da obra de Osman Lins (1924-1978) sobre quem escreveu sua tese de doutorado e publicou uma coletânea de textos intitulada Imprevistos de arribação — textos de Osman Lins nos jornais recifenses(Papaterra, 2019). É também idealizador de projetos que colocam o exercício literário e artístico em expansão, como "Quinta da Gávea": hospedaria e quintal criativo; "Ponto de Cultura Biblioteca Rural"; "Contém Cultura" (os dois últimos com o Instituto Caracol, com quem trabalha desde 2011). Com Patrícia Costa e Jakson Chiappa, mantém a Oficina Tipográfica Papel do Mato, que integrada à Rede Latino-americana de Cultura Gráfica, com um rico acervo tipográfico, edita plaquetes de poesia contemporânea.

 

 

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