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Naquela tarde, Ana Clara tomou a decisão que adiava há dias: aceitou participar do encontro dos ex-alunos de um famoso colégio que fez história na cidade. Para isso, foi necessário renunciar a uma reunião de escritores amigos que seria realizado em outro estado.

Geralmente ela não é indecisa, mas nesse caso teve dúvidas desde o início. Por um lado, sabia da importância histórica do colégio, há muito extinto, onde estudou, na adolescência; por outro, a vontade de rever seus colegas de ofício era enorme.

Sempre apreciou o coordenador do encontro, que praticamente lhe escreve todos os dias, cobrando uma decisão. Há um grupo numa rede social com dezenas de participantes, à primeira vista animadíssimos com o evento.

Por fim se decidiu, pagou a taxa de inscrição, que inclui condução para o local, numa chácara bem distante da cidade, e o almoço de confraternização. Detesta grupos de redes sociais, e este se destaca por sua falação, parece que ninguém ali trabalha.

Estranhou o comportamento de um membro do grupo, pois essas conversas são coletivas e, quando ela se expressou, ele fez um comentário irônico com a pessoa com quem se comunicava antes. Intuiu, naquele momento, que devia desistir, pois os indícios de que tudo ocorreria novamente, como no passado, eram fortes. Mas pela milésima vez se rendeu ao hábito de desqualificar sua intuição refinada e fechou a tampa da urna dos presságios.

Os micro-ônibus saíram bem vazios, pois a maioria preferiu seus carros. Não viu nem sequer um rosto conhecido entre os passageiros. Começou a listar os colegas de sala, imaginando que pelo menos alguns deles deveriam comparecer. Tentou puxar conversa com o pessoal dos assentos vizinhos, mas as duplas ou trios conversavam entre si e ninguém lhe deu atenção.

Finalmente chegaram à linda chácara, com um imenso jardim. Ninguém disse a quem pertencia; o coordenador cumpriu seu papel e, de pé, recebeu um a um os participantes. Havia mesinhas pequenas, espalhadas, e um palco com microfone, além do local onde mais tarde seria servido o almoço. O encontro não foi tão concorrido como tinha imaginado, mas estava animado. Com ansiedade, Ana Clara logo percebeu que seus colegas mais próximos, com raras exceções, estavam ausentes. Sozinha, foi de mesa em mesa, tentando conversar com os conhecidos, mas não sentiu receptividade real em nenhuma. Quando lhe davam alguma atenção, logo chegava outra pessoa mais íntima do grupo e ela não conseguia mais se inserir na conversação.

Resolveu dar uma volta entre os arbustos, enquanto concluía que as duplas e trios de agora eram os mesmos de décadas atrás. Nada tinha mudado realmente, a não ser, claro, a aparência física de todos. Ou melhor, tinha, mas para pior. Percebeu, com desgosto, que pessoas que julgava inteligentes e que discutiam temas vigorosos e encantatórios típicos da década de sessenta, com destaque para uma jovem que julgava quase genial, tinham retrocedido de maneira que jamais poderia supor. O festival de Woodstock, um marco para a sua geração, dera lugar às conversas sobre ações ralas e canhestras dos políticos atuais. A curiosidade, a esperança e o sonho configuradores do "estado de adolescência no final dos anos sessenta" pareciam ter ido diretamente para o ralo.

Ana Clara teve vontade de chorar, mas o almoço já estava sendo servido e ela se dirigiu às filas. Uma comida horrível, quase gelada, de quinta categoria, que ela nem chegou a provar direito. Como assim, aquela taxa de inscrição, que não era propriamente alta, mas que daria para pagar um almoço muito decente se materializara naquilo? Pasma, deixou o prato de lado.

Passou o resto do tempo olhando o relógio e se surpreendendo com a imobilidade dos ponteiros. Os micro-ônibus sairiam tarde e ela queria, definitivamente, ir embora o mais rápido possível.

Um grupo de mulheres caminha até o banheiro e uma delas, de quem guardava lembranças até bonitas, diz: "Ana Clara agora é chique, como ficou chique! Vocês sabem que é uma escritora, não é? Não tem mais assunto para nós". Ninguém comenta nada e ela não consegue compreender se o tom utilizado foi de ironia, admiração ou simplesmente neutro. O que seria considerado chique, para Semíramis, profissional tão respeitada em sua área?

Por sorte, duas mulheres que já eram amigas nos tempos do colégio lhe dizem que irão embora antes da condução oficial. Ela lhes pede carona — não, ninguém oferece nada, como antes. Enquanto as espera, Ana Clara repassa a fita de sua chegada à cidade menina ainda, vinda do interior, e de como se sentia, sem ter roupas como as das colegas, sem pais pioneiros, sem frequentar o clube que era a coqueluche naqueles anos e sem estudar na Aliança Francesa ou na Cultura Inglesa, na época praticamente obrigatórias.

A Ana Clara de trajes desencontrados, que usava calça xadrez preta e marrom e um casaco vermelho batizados por uma colega de sala de "roupa de matuto", sem dinheiro nem sequer para lanches, reagiu à sua maneira, estudando além da conta e caprichando nas redações, consideradas as melhores do colégio. Namorados, naquele meio, nem pensar. Que Mauricinho que velejava nos finais de semana e esquiava em Bariloche lançaria algum olhar para ela, tímida e pobretona, apesar da boa aparência?

Na volta para casa, o filme se repetiu; as duas conversaram o tempo todo entre si e Ana permaneceu muda. Quando abriu a porta do seu apartamento, sentiu imenso alívio. Nunca mais, disse em voz alta. Nunca, jamais vou trocar um encontro com meus amigos atuais, meus pares, para forçar a barra em busca de uma aceitação que não ocorreu e nunca vai ocorrer. Essa peleja é de uma inutilidade gritante. Para quê? Nunca mais comida gelada, lugar inóspito, gente hostil. Por minha livre e espontânea vontade, não. A adolescência acabou, felizmente. Agora sou uma mulher idosa, dona do meu nariz e posso, inclusive, vestir roupas de matuto, se me der na telha. E ainda sou capaz de fazer as melhores redações do colégio, caso ele existisse.

 

 

 

 

 

 

junho, 2022

 

 

 

 

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