©arek socha
 

 

 

 
 

 

 

 

A conclusão



Tinha nada.

Tinha apenas a poesia.

A sua poesia.

Agora não tem nada.

Mais nada. 







A perfeição



Os mortos não cortam cabelo.







A fatalidade



Sempre distante,

Sempre ausente,

Sempre perdido.







A explicação



Aliás, não sei o que é.







A denúncia



Lá estão as coisas, 

no chão, sozinhas,

indiferentes — tão







A escuta



Gritava no passado.

Se houvesse isso.

Se tivesse havido.

Nesse possível ali.

Agora, só, escuta.







O buraco 



É um buraco

de onde eu não consigo

sair.

É um buraco

de onde eu não vou sair.

É um buraco

de onde (temo)

não sairei jamais.

É um buraco

absoluto.







O remorso



Não devia ter vindo

aqui.

Aqui estou.

Olhando.

Para nada.







O centro



Por todo lado,

Perdas.

Perdas de todo tipo,

Por todo lado.

Não citarei nenhuma

delas.

Todas.

Indicarei apenas o centro

delas.

Este.

Aqui.

Eu.







A memória



Naquele tempo

Ainda havia horizonte.

Naquele tempo

Ainda havia esperança.

Naquele tempo

Ainda havia ilusão.

Agora, não há nada,

Nada mais.







O desejo



Este desejo de sentido.

Esta vontade ascendente.

Voltar lá, chegar outra

vez. Onde tudo começa.

Partir, outra vez.


Este desejo de sentido

em meio às cinzas.

Palavras, dir-se-ia. O

instante. Esta distância,

esse abismo interior — 

exterior — intransponível. 


Não há mais para onde ir

— e talvez nunca tenha

havido outro lugar outro.

E o desejo, então, já

fosse um: — Apenas. 


Agora. Outro lugar,

outros lugares — a

inacessibilidade do mundo. 







O faltante



Ele volta muitas vezes,

faltante,

ao mesmo lugar.


Às vezes, passa o dia

voltando, do despertar ao

adormecer.


O sol chega, dura, parte, e

ele fica, assim.


Sempre à procura de

algo que pensa ter

esquecido ali.


Volta com a esperança de

que encontrará o que

procura.


Muitas vezes, todos

os anos, todos os dias,

a vida toda.


Inspeciona,

obsessivamente, as coisas

que lá estão.


Imagina o passado como

casa, como

almoxarifado, despensa.


Deve estar lá, entre

aquelas coisas, o que lhe

faz falta.


Nada encontra, e retorna

ao presente,

desencontrado.


Sabe, no fundo, que não

encontrará

o que procura.


Sabe, no fundo, que o

que procura não está em 

lugar.


Sabe, e

desesperadamente

ignora, que ele é isso:


(Uma perda)

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Anelito de Oliveira (1970) publicou Do sigiloso (Loope, 2021), Degredo (Sangre Editorial, 2019), Os acampamentos insustentáveis (Kotter, 2019), Traços (Patuá, 2018), A menina chinesa (Páginas, 2019), O iludido (Páginas, 2018), A aurora das dobras (Inmensa, 2013) e Transtorno (Orobó, 2012), entre outros trabalhos em gêneros discursivos diversos. Editou o Suplemento Literário de Minas Gerais (1999-2003), criou e editou o jornal Não (1994-1995) e a Revista Orobó (1997-1999). Concebeu, juntamente com Andréia Carvalho Gavita, e edita o periódico Sphera: Habitações do encantado. Dirige os programas "A partilha do poético", no Canal Revista Sphera e "Diário Negro", no Canal TV Matracas. Os poemas aqui publicados com exclusividade fazem parte da coletânea inédita As coisas no chão, textos produzidos na virada da primeira para a segunda década deste século e que aparecerão brevemente na edição impressa de toda a produção poética do autor sob o título geral de Desforra.

 

 

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