©erik karits
 

 

 

 
 

 

 

 

No canto das coisas

 

 

No canto das coisas

algo existe rangendo

é bom ir sabendo

 

Que as coisas morrem um pouco

O pouco que cabe no dentro

 

Olhos-cachorros farejam algo

um vazio em formato de homem

só farejam e não o comem

talvez por isso o homem coma

tanto

 

Sem qualquer educação no comer

Buscando incessantemente preencher

o vazio agudo que o preenche

 

De repente

seria bom ser criança

não ter vazio, mas sim

ter por dentro ciranda,

bola, chinelo, carrossel,

viola, doce, cobertor,

noite, tropeço, mel,

desenho, rabisco, amor

e um punhado grande de céu

 

 

 

 

 

 

Às pálpebras molhadas eu digo

 

 

Às pálpebras molhadas eu digo:

— é preciso marejar o olhar

essa é a humanidade em nós

 

Umedecendo as vistas

Depois de muito mirar

As securas do mundo

 

Ser estrangeiro de si

Sem endereços ou nomes

 

A razão é mesmo um bicho pensonhento

e quando se está distraído

por um simples momento

ela te pica, e seu veneno

custa a sair

muita gente padece de razão

juro, já vi.

 

 

 

 

 

 

Os carros correm como que eu não tenho pressa

 

 

Os carros correm como que eu não tenho pressa

As faixas separadas de mim

De repente a buzina me interessa que os carros sejam exatamente assim

Faróis ao auto!

Velocidade é fim

 

Parada inglesa

Parada de taipas

Parada XV

 

Aonde vão as senhoras têm preferência

Esse é o ponto final de semana é permitido

 

 

 

 

 

 

Parto estelar

 

 

Contados os pontos

Finitos como eu

Mas belos no findar

 

Abstratos anjos gasosos

As verdadeiras nuvens

E o céu estão aí?

 

Reparar que é Hidrogênio

Também

Tão onipresente quanto Deus

Também

Tão logo se torna Hélio

Também

Nobre como deve ser

 

Um rajado

Na noite e no tempo

Vindo do infernal núcleo

Esgota contigo

 

No passado parecias eterna

No dia não parecias

Na noite parecias passageira

 

Humana luz

Resiste

Exaure

 

Orbitando no pretume onírico

É perfeita

Por esgotar-se

E brilhar o suficiente

Para parecer imortal

 

 

 

 

 

 

Colina

 

 

Foi razão de colina

Justo aquela

Hoje tão oca

Mas tão bonita

Nos seus vários tons de verde

 

Estará lá

Sempre alta

Para quem quer encurtar

A distância até o céu

 

Num vertiginoso

Gole de gravidade

O mundo para

Nada mais se torna

Tornando-se o próprio nada

 

 

 

 

 

 

Em dissensos

ou

A máquina ainda funciona

 

 

Ruborizei as maçãs

e as hortaliças

Memorizei os calores

e as películas

Categorizei os olhares

e as minúcias

Desencorajei as vontades

e as conquistas

Imaculei nossos nomes

e as notícias

Duvidei das orações

e das carícias

Memorizei nossos nomes

e as notícias

Categorizei as vontades

e as carícias

Ruborizei as orações

e as minúcias

Duvidei das maçãs

e das películas

Desencorajei os calores

e as hortaliças

Imaculei os olhares

e as conquistas

 

 

 

 

 

 

A mariposa cinza

 

 

A mariposa continha

Em seu microcoração

O contentamento de toda uma tarde

 

E sua cortante toada

Fatiava o ar

Num cortejo à eternidade

 

Súbita, ela aparenta parar

No entanto

Estava em gestos desapercebidos

 

O matrimônio se consumara

Ela plena em satisfação

Numa brasa, duma fogueira

Recém mortificada

 

A mariposa era abrasada

Pelos mornos da finitude

O prelúdio das cinzas

Que subiam suaves

Anunciava...

 

Ela então, tornou-se cinza

Enfim.

 

 

 

 

 

 

Os ri(s)os que se cruzam

 

 

riso nascente

fio d'água

acanhado em ser

o estio sorridente

iluminou toda a fronte

 

no fim do sorriso

se escondem

os abismos

risos acabam cumplices

enfim umedecem os lábios

 

no rebentar da alegria

o curso dos risos

se altera

correm tristezas

vazantes de risadas

 

deu seca

nada mais por ali

nada.

 

 

 

 

 

 

Sra. Borboleta

 

 

Bateu a Borboleta

no tráfego do céu

deu na folha de laranjeira

notícia da cascavel

mas veja só o engano

mentiram pra bicharada

sua batida não era tragédia

foi só o bater de suas asas

 

 

 

 

 

 

 

 

O canteiro

 

 

Eu quis montar uma casinha,

Lá no meio do canteiro,

Pra que os prédios todos me vissem,

E eu visse o mundo inteiro.

 

 

 

 

 

 

Batida Policial

 

 

As sirenes da polícia

abafaram a melodia

que meu coração batia

 

O volume subiu num rompante

acusado de amar

fui pego em flagrante

 

— Devolva meu coração, senhor,

veja o que aconteceu,

esse coração não é meu.

 

Ficou complicado

não tem como resolver

a pena foi dada:

TER DE ESQUECER

 

 

 

 

 

 

Tivemos vergonha

 

 

Tivemos vergonha,

mas não nossas mãos,

essas são dadas.

 

 

[De Filhos de Abel]

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


André Rosa (São Paulo/SP, 1990). Formado em Letras (Língua Portuguesa) pelo Instituto Superior de Educação de São Paulo (ISESP/Singularidades). Publicou a coletânea de poemas Filhos de Abel na 15ª edição da revista eletrônica Sucuru. Publicou o artigo "Respiros poéticos: relato de experiência com interpretação em libras de poesia de autoria indígena" no XII Seminário Nacional sobre Ensino de Língua Materna, Estrangeira e de Literaturas (SELIMEL) no ano de 2021. Foi Artista Orientador de Literatura na edição de 2020 do Programa Vocacional da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo.

 

 
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