Os sons estranhos atraem ou repelem os seus ouvidos? Faça um teste: leia em voz alta a seguinte frase e responda ao final como você reagiu ao estranhamento sonoro: a escritora polonesa Wislawa Szymborska nasceu em Cracóvia em 1923, estudou Filologia Polaca e Sociologia pela Universidade Jaguelônica antes de casar-se com o poeta Adam Włodek. A língua precisa fazer alguns malabarismos para não se enrolar nos (para nós) excêntricos encontros vocálicos e consonantais de palavras em polonês. Pois é: o nome da polonesa Wislawa Szymborska pode ser estranho, mas trata-se de uma das principais poetas do mundo, vencedora do Prêmio Nobel de Literatura de 1996.

 

Nesta resenha, quero comentar a biografia de Szymborska, Quinquilharias e recordações, escrita por Anna Bikont e Joanna Szczęsna — duas representantes do jornalismo cultural polonês. Nesse relato da vida de Wislawa Szymborska, em cada página, recebemos uma lufada de inspiração e de vontade de escrever. O livro cobre com suavidade e lirismo os 88 anos de sua vida. Admirada por gente como Woody Allen e Zygmunt Bauman, entre tantas outras pessoas influentes, a biografia traz o mérito de rechear passagens da vida de Szymborska com versos que inspiraram a polonesa a escrever as reflexões, as angústias e os amores que viveu.

 

O título da biografia é retirado de um verso de seu poema "Escrevendo o Currículo": Passe ao largo de cães, gatos e pássaros, de quinquilharias e recordações, amigos e sonhos. Ao ler Quinquilharias e Recordações, passamos não apenas ao largo da vida da poeta, mas ao largo da vida que passou pelos séculos XX e início do XXI, ou seja, sobre judeus no campo de concentração na Polônia, sobre o entusiasmo e posterior decepção com o comunismo, sobre museus, sobre o 11 de setembro, sobre Hitler, sobre Ella Fitzgerald e sobre a morte. E o pano de fundo da vida de Szymborska é a história e a vida cultural que marca a Polônia, a Europa e o mundo durante oito décadas. Guerras, revoluções, o comunismo, ditadura, Sindicato Solidariedade e volta à democracia: tudo está lá, ao fundo e nos versos de uma poeta que precisa ser mais lida no Brasil.

 

Só para deixar uma palhinha a vocês do saboroso gosto das páginas desta biografia, coloco aqui a resposta de Szymborska a um jornalista, que perguntou a ela se já não precisava mais escrever após ganhar 1 milhão de dólares com o Nobel: Nenhum dinheiro vai substituir a força mágica, o tormento e a delícia de escrever.

 

A leitura flui gostosa quando vemos poemas espalhados pela vida da escritora e a história de Szymborska sobre a necessidade de manter as aparências, sobre aulas na escola, sobre sonhos. Quinquilharias e Recordações é uma bela porta de entrada ao universo de Wislawa Szymborska, uma poeta que tem muito a nos dizer, mesmo com seu silêncio, mesmo com sua discrição, mesmo contra a sua vontade de ser biografada. Se, etimologicamente, a palavra "recordar" sugere apontar corações para o mesmo ponto, o coração de Szymborska é uma suave ponta de versos que nos encantam em cada linha de sua biografia.

 

 

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O livro: Anna Bikont e Joanna Szczesna. Quinquilharias e recordações.

Rio de Janeiro: Editora Âyiné, 2020, 560 págs., RS$ 93,42

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junho, 2022

 

 

 

 

 

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