Uma crônica é um texto curto e leve que trata de acontecimentos corriqueiros do cotidiano e que, por isso, geralmente têm uma "vida curta". No entanto, esta definição não abrange todas as crônicas que viraram romances, como Crônica de uma morte anunciada, de Gabriel García Márquez. Junto ao relato de Gabo, podemos colocar outro livro que traz a "Crônica" no título e que nada tem de curto, de cotidiano, nem de superficial. O romance Crônica da casa assassinada, do mineiro Lúcio Cardoso, é o oposto do que se entende por crônica: é denso, pesado, com personagens desequilibrados psicologicamente e, justamente por tudo isso, um livro delicioso.


Lúcio Cardoso enfatiza neste enredo que o ser humano é complexo e difícil de ser explicado com coerência. A trama acompanha a outrora rica família Meneses, donos de uma casa grande onde se passa toda a história: três irmãos decadentes que não se dão muito bem e que moram juntos na casa herdada dos antepassados ricos. Hoje, já não mais abastados, acompanham a deterioração de suas vidas em paralelo com o desgaste da casa que habitam. Os narradores vão se alternando, a casa vai sendo construída e destruída — em suas paredes de concreto e em suas paredes psicológicas. Traições amorosas, ciúmes, incesto e morte: estes são os ingredientes que temperam os cômodos desta casa. Há um estranhamento desde as primeiras páginas, que certamente derrubará os leitores menos abertos a um enredo pouco convencional.


Lúcio Cardoso poderia ser um morador desta casa assassinada. Sua narrativa de cunho intimista e introspectiva permite que sejam feitos paralelos entre os conflitos vividos pelos Meneses nesta "Crônica" e os vividos pelo autor em sua angustiada existência. Lúcio foi um dos primeiros artistas brasileiros de renome a assumir a sua homossexualidade, que, temperada com a culpa por ser católico, garantiu algum sofrimento e respingou na angústia que caracteriza todos os seus personagens que passaram pela assassinada casa. Nessa casa, aliás, poderia ter morado também Clarice Lispector, que se apaixonou pela literatura de Lúcio e pelo próprio escritor, apesar (ou, talvez, justamente por causa) da impossibilidade de realização de tal paixão.


Crônica da casa assassinada é um longo e perturbador romance (quase 600 páginas), escrito em 1959, por um autor cuja vida não foi menos tranquila do que a história que narra nesta imperdível crônica.



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O livro: Lúcio Cardoso. Crônica da casa assassinada.
Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2021, 560 págs., RS$ 55,19
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março, 2022

 

 

 

 

 

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