Sagrado Coração Humano

                          

Sempre o Sol

poente

sobre um falso

Nilo;

perigosamente

aproximo-me,

onde

infensos 

jacarés,

trituram

ossos da

inocência.

 

 

E a criança,

que habita

o interior

do meu

sagrado

coração

humano,

morre,

bombardeada

em Gaza,

despedaçada

no ônibus

em Tel Aviv,

com 

um tiro na

cabeça,

no banco

de trás

do carro

dos pais,

na periferia

de São Paulo,

ou foi encontrada

esquartejada,

na rodoferroviária

da Capital

das Araucárias. 

 

Deglutida

por carnívoros

porcos

políticos

em comunhão

com

subtransgênicos

retroalimentos

sociais.

 

Sob olhos

de bilhões

de caros

telespectadores,

que não fazem

nada.

 

 

 

 

 

 

Pérolas aos Troicos

 

Por que tentais, pois, "alargar" a mente? Requintai-a. 

Herman Melville

 

Intelectuais &

artistas

trafegando

entre a

Paula Gomes

& a Trajano

qual reunidos

à tripulação

do Pequod,

ávidos em caçar

leviatãs rosáceos,

lançam

roll mops

na garganta

dos que

desafiam

a histriônica

estética

da Augusti 

Follia

babilônica.

 

Enquanto eu,

que não posso

agregar-me

o rótulo,

nem de

intelectual,

nem de

artista,

há quarenta

anos

remoendo o

talásseo

dos

paralelepípedos

com minha

perna

de marfim

e meu

cachimbo,

estou farto

de tentar

encontrar

Maria

Rosa

entre

Helenas

traiçoeiras.

 

Quem se

importará com

hecatombes

realizadas em

honra

ao deus

vampiro

do Anhangava,

se a arroba da

carne

frouxa

despenca

com a

variação

do dólar?

 

 

 

 

 

 

AnthropoCetáceo

 

Igual a

personagem

desconfia

do ator

que é,

em voz

e carne,

ao remover

a primeira

camada

de maquilagem,

 

anthropocetáceo

emerjo,

 

do frívolo

mar

espesso

das

convenções sociais

 

 

 

 

 

 

Mutamorphatriz

 

Íntima equestre

escravagista,

de perfil dadaísta,

ao seu dispor

para o que for

 

lógica, desafeto

& corrosão

 

abstrata figura

mutamorphatriz,

 

fronteira do abismo,

espécie rara & beleza,

plágio

da Realeza,

sem salvo conduto

 

& eu,

 

agrimensor

do absoluto

 

 

 

 

 

 

Tanatologia das Relações Humanas

 

Para melhor compor

o puzzle

das fantasias

nostálgicas

acerca do futuro,

horas em dedicado

estudo

ao feixe solar

que incide sobre a colcha

ou ao intervalo

entre fusas e semibreves

no minueto

calha sob chuva.

 

farta

de sua máscara hipócrita,

aguarda

o habeas corpus

que a liberte do mundo real;

 

[hypnos sussurra

em seus ouvidos

enquanto felinos

festejam a sua volta]

 

o mundo

ao seu redor

sempre lhe pareceu

um tanto

fora de órbita.

 

 

 

 

 

 

Humano

 

Agora,

 

não

igual

aos

instantâneos 

amarelecidos 

que

fixaram

o

já visto,

 

sou.

 

Sagrado

&

Obsceno

 

Obscuro

&

Sereno,

 

em Si.

 

 

 

 

 

 

Nagant M1895

 

Aperte o gatilho para saber

que você está vivo

 

Sparring arremessado

às cordas,

entre o

franco desgaste técnico

e nada,

 

besta que se debate,

encilhada.

 

Gira o tambor,

matemáticas probabilidades

de um universo

quântico;

 

olhos postos às raias do espanto.

 

 

 

 

 

 

Terra do Sempre

 

Se digo-te tantas e

tantas vezes:

— Veja! Eu te vejo!

E repondes que não compreendes,

Ato simétrico ao rito

em que te negas a minha frente.

 

Eu;

com minh'alma rente a tua

e ao mundo todo

a nos consumir no entorno

de Ser/ Star Aqui,

ênclise do elixir

em caravana certa

 

Segue desperto

 

o Sol erétil,

no tule tenro

do Céu.

 

 

 

 

 

 

Aracnídea

 

Subcutânea

aranha

ferina

 

introduz,

em veia

bailarina,

 

poção

 

contra —

indicada

à cicatrizes

 

& queimaduras,

 

e

teu rosto

resplandece

feito Luas,

 

anti-

eclipse,

razão

erradicada.

 

 

 

 

 

 

*

 

Poderia eu elevar-me a um lugar alto

Embebedar-me de orvalho e farto

Falar da solidão.

 

Pois há em mim um demônio

Que olha-me com olhos de sonho

E despe-se da razão.

 

 

 

 

 

 

Hordas

 

Indiferentes aos meus

rastros

Cobertores pardos

movem-se

Como águas turvas,

marés

a transformar as

ruas

Em albergues

da solidão.

 

E é de neblina

o véu

que me encobre

o rosto.

É desgosto meu

hálito de alcatrão.

 

 

 

 

 

 

Convite à uma dança

 

Eis-me aqui

a contemplar encantos,

danças ao fogo cigano

Que brotam do teu

sorriso e tornam-me

lago e Narciso

em Ti.

 

Musa descarada,

mal sabes

a que cobra

destes asas.

Por quanto tempo

queres

te manter

ilesa?

 

Eu,

que já flertei medusas

sei, que há mais perigos

em teu afeto franco

a despertar minha alma

a tudo que é sensível,

que tanto quanto

possa descrever,

é apenas

tocar pássaros

de seda,

comer com

os olhos

banquetes

sobre a mesa.

 

Saiba,

o desejo é

armadilha estranha;

nos conduz

à jardins magníficos,

quais girassóis imprecisos

que tangem-se,

momentâneos

e ruborizam-se
na fronte do sol

 

 

 

 

 

 

Dicas para se visitar lugares sem fazer uso de papel moeda ou cartão de crédito

 

1. Relativizar a distância proposta e escolher entre pegar carona ou o atrevimento de ir caminhando.

 

2. Vigiar a noite.

 

3. Repousar de dia.

 

4. Cuidar para que não roubem seus calçados.

 

5. Frequentar os melhores restaurantes pela porta dos fundos, de preferência após as 14 horas, para almoçar sobras.

 

6. Improvisar talheres.

 

7. Perceber que o que é pouco pode tornar-se suficiente pois até a sobra pode faltar.

 

8. Usufruir o vento no rosto.

 

9. Discernir que a sobrevivência é feroz apesar de consistir naquilo que é simples.

 

10. Abdicar do rigor da higiene.

 

11. Consequentemente, abdicar do flerte.

 

12. Não frequentar estabelecimentos comerciais pela porta da frente, a não ser que esteja necessitando de adrenalina, porém aguente consequências.

 

13. Aguentar consequências.

 

14. Usar do filtro lúdico ao perceber olhares de estranhamento, pois eles diminuirão na medida em que você se tornará invisível.

 

15. Contemplar estrelas.

 

16. Ao mesmo tempo, aguçar os sentidos frente aos perigos, ou seja, revitalizar o selvagem.

 

17. Escolher o coletor; abdicar do caçador.

 

18. Compreender a diferença entre o desprezo, a compaixão cristã e a compaixão hindu.

 

19. Destilar as horas, sabendo que só há hoje, cingido entre duas refeições [se houver sorte] e um lugar seguro para repousar.https://mail.google.com/mail/images/cleardot.gif

 

 

[imagens © camilla marinoni]

 

 

Ricardo Pozzo (Buenos Aires, 1971). Poeta, tradutor, fotógrafo, músico e produtor, radicado em Curitiba, é um dos coordenadores do blogue coletivo Pó & Teias. Atualmente, é o fotógrafo responsável pelo Jornal RelevO, de literatura, e é o curador do projeto Vox Urbe — as terças literárias do Wonka Bar. Gravou, juntamente com os poetas Rodrigo Madeira e Tullio Stefano, o CD de récitas Psiconáutica — Cartografia da Hesitação. Gravou, com a poeta Angela Gomes, o CD de récitas Cádmio. Possui publicações de seus poemas em antologias, inclusive duas do coletivo Pó & Teias. Lançou, em 2011, o caderno poético UrbeFagoCitoZ pela editora artesanal Rock Leituras. Em 2012, foi publicado pelo Jornal Cândido, da Biblioteca Pública do Paraná e gravou sua participação no RádioKaos, programa de vanguarda nas rádios de Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo.