Beatriz Bajo confronta as transmutações do fogo com as palavras buriladoras do desassombro reconstruindo a substancialização-outra-ciclónica de Heraclito e as transversabilidades meteóricas de Prometeu: dramaturgia da elementariedade humana e das sublimações explosivas das reentrâncias que fundem o ser-poeta no FIGURAL babélico e rizomático.

Beatriz flexibiliza e transmigra o fogo das trajectórias do cinema-mental  sobre-sob as circularidades neo-gongóricas e as experimentações-(des)montagens das policromias poemáticas interrogando e corporificando as cosmogonias-do-eu-outro até à reconquista das ante-câmaras das cartografias da in-temporalização onde os organismos semiológicos-polimórficos fulguram como correspondências sensoriais(ambivalências magnéticas) nas cornucópias dos espelhos-do-mundo.

Beatriz projecta o ser-do-devir exploratório das fusões perceptivas, das totalizações e da hibridização silabária recriando vertigens geomorfológicas e retinianas com as migrações–emigrações da solarização-obscuridade das arquitecturas dos poemas que impulsionam o TO KALON PLATONEANO, o grotesco, a sublimidade, a viva multiplicidade de ECCE HOMO e a desnucleação da mineralogia, das plasticidades que galopam simultaneamente dentro de nós como tapeçarias desterritorializadas e como uma pulsação astral de um corpo resistente.

A Face do Fogo (São Paulo: [e]editorial, 2010) instaura a poeticidade do estranhamento e das visageidades corporais ao oscilar de intersecção-em-intersecção epistemológica, antropomórfica: estas (des)continuidades cinematográficas que Beatriz Bajo reconstrói, unifica  as turbulências/intermitências metafóricas, polissémicas, dramáticas que vascularizam a teatralização do "Pastor do ser" de Heidegger e as proliferações tectónicas dos signos compositivos do "regresso à génese", ao esplendor do deserto, às arborizações do vazio  como uma reconciliação hipnótica-primordial das luminosidades, das sombras, dos animais imperscrutáveis/acústicos.

A violência das profusões das luminárias fisiológicas e anatómicas dos poemas regeneram a animalidade esfíngica que persegue o GRITO, as formas-de-vida-monádicas até à antecipação selvática, à coalescência da catástrofe, às translacções da memória, aos estremecimentos encantatórios da transformação: a fenda da obscuridade/desocultação é permanente exaltada pela voltagem da disseminação diluviana, da Ecceidade da poeta de Londrina.

A infinidade sinestésica do Fogo de Beatriz Bajo tridimensiona a ritmicidade da transgressão sedutora e escultora do corpo-desejante-instintivo como uma reencarnação cósmica Beckettiana a vibrar nas radiações/fragmentações do desconhecido, do subsolo orgástico e na espiritualização da natureza.

A poeta provoca-nos indeterminações, tribalizações cromáticas, rodopios  cénicos, potências linfáticas, biologismos utópicos, profundezas sonoras, cosmovisões fractais, tatuagens multissígnicas, entroncamentos imagéticos, rebentações animalisantes, paroxismos da instantaneidade, erotizações, musicalidades antropofágicas: criatividade convulsiva a projectar-se nas experiências da heterogenidade do desmesurado, do exílio mutante, da metamorfose e das sensações devoradoras dos simulacros.

 

 
 
setembro, 2010
 
 
 
 

 

Luís Serguilha (Vila Nova de Famalicão, Portugal). Coordenador de uma Academia de Motricidade-Humana. Poeta e ensaísta, suas obras são: O périplo do cacho (1998), O outro (1999), Lorosa'e boca de sândalo (2001), O externo tatuado da visão (2002), O murmúrio livre do pássaro (2003), Embarcações (2004), A singradura do capinador (2005), Hangares do vendaval (2007), As processionárias (2008), Roberto Piva e Francisco dos Santos: na sacralidade do deserto, na autofagia idiomática-pictórica, no êxtase místico e na violenta condição humana (2008), Korso (2010), os dois últimos em edições brasileiras. Seu livro de prosa intitula-se Entre nós, de 2000, ano em que recebeu o Prémio de Literatura Poeta Júlio Brandão. Participou de vários encontros internacionais de literatura e possui textos publicados em diversas revistas de literatura no Brasil, Espanha e em Portugal, além de outros trabalhos traduzidos em língua espanhola, inglesa, francesa, italiana,alemã e catalão. Responsável por uma coleção de poesia contemporânea brasileira na Editora Cosmorama.

 

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