Cada vez menos

 

a Marcello Guimarães

 

as borboletas parecem bem

extintas.

não, elas surgem, percebo, em

muitos poucos meses.

tenho a lembrança de desenhos

e filmes de caçadores-colecionadores

as perseguindo.

possivelmente a inteligência

delas as fazem arredias

(prefiro pensar assim)

 

 

 

 

 

 

Um poema-sinopse para o filme Cão sem dono,

de Beto Brant

 

duas perspectivas:

a dele aleatória ou

sem palmas ao desejo

 

a dela cheia de asas rumo

sabe-se lá aonde

 

se olham num apartamento

entre poucos móveis e um

vira-lata clássico

 

a esperança e a dor universal

perpassa-os ali

 

 

 

 

 

 

A perda da paisagem (bh/mg)

 

menininho dentro do ônibus

a pampulha passa

e ele chora

 

 

 

 

 

*

 

acostumado com noites a fio

não se preocupe

a lua faz seu

papel

 

eles descem a avenida

um deles

pensa:

algo no mundo se esclarece

 

 

 

 

 

 

*

 

flores no parapeito

do cárcere —

não

não é nada

ele só se arrepende

 

 

 

 

 

 

Epifania

 

e parte pra porrada

quando quer passar

e não pode ao

ver o arco-íris grandiloquente.

tira sua máquina kodak de quinta

e fotografa sua deidade

 

 

 

 

 

 

*

 

barulho, fanfarras

grilos e rãs

estridulam no dia pós-chuva

 

 

 

 

 

*

 

essa vida é

o que a gente

sequer vê

 

 

 

 

 

 

*

 

os dois

bar no bairro

luz-penumbra

jazzinho madeleine peyroux

e ela

linda

de cabelos cacheados dizendo:

vou fazer 25 anos

 

 

 

 

 

 

Colírio

 

para Mônica

 

tinta de todas as cores

esboçada nos meus olhos

incansáveis de te ver

 

 

 

 

 

 

*

 

fez

desfez fez

fez desfez

desfez

fez fez desfez

desfez ...

a cama depois que ela se foi

 

 

 

 

 

 

Infância/interior

 

lembrança semi-infeliz —

lagarta na árvore

que queimava a gente

 

 

 

 

 

 

Conto-haicai

 

um caipira intelectualizado

no brejo:

bença bashô!

 

 

 

 

 

 

Presságio de tempestade

 

lá fora o

vento

usa as folhas

pra falar

 

 

(imagem ©dannyglix.com)

 

 

 

 

 

Isaías Faria. Poeta, escreve em diversas revistas eletrônicas, sites e blogues, incluindo o seu, Estações. Fotógrafo, vive em Belo Horizonte. Prepara seu primeiro livro de poemas, Distrações.