PRECIOSIDADE

 

Valéria tem olhos de medo

como o dos pássaros

pequenos e frágeis.

 

Há agitação

sob as camadas

de sua plenitude

alva.

 

Cabelos e plumas se confundem

no lume

que vejo

e que imagino...

 

Valéria

fala pouco

mas olha muito.

 

Pra mim, basta.

 

E sigo, besta

a escrever muito

e falar pouco.

 

Ah, se nossos silêncios

se tocassem...

 

 

 

 

 

 

SUBÚRBIO

 

As pessoas na rua

aplaudem

as casas sem campainha.

 

 

[Poemas do livro Liberdade, 2004]

 

 

 

 

 

 

DELIVERY

 

Somos nazistas alienados

contribuindo semi-cegos

para os campos de concentração

de renda.

 

Criamos necessidades de consumo

inúteis

matando chances e gentes

ainda mais cegas.

 

Quem tem olhos,

tem bolsos

cheios

e milhões

de vendas.

 

 

[Do livro Vice-rei, 2002]

 

 

 

 

 

 

PAPEL

 

De todo o silêncio

ouço só o esplêndido

silêncio das árvores.

 

Pois o silêncio de quem fala

e cala

é incompleto.

 

Por isso, ouço o silêncio

distante

das árvores que nunca vi.

 

 

[Do livro Caminho a manhã, 2002]

 

 

 

 

 

 

UMBRAL

 

Estou trancado.

 

Lá fora

leões

que amo.

 

A casa encolheu

ou eu que cresci?

 

Estou armado até os dentes.

Eles têm fome.

Ouço seus rugidos.

 

(Algo em mim quer ser um monstro.)

 

Cansado de ferimentos

olho para a porta

a chave pesando a mão.

 

 

[Do livro O outro, 2005]

 

 

 

 

 

 

SOL E CÉU

 

Fazer cada pequena coisa

perfeitamente

requer tempo e paciência

que temos em alguma árvore perdida.

 

Ouço suas folhas.

 

 

 

 

 

 

ESCREVER LAVA

 

Geralmente é quando leio

que o silêncio crepita distante.

 

É preciso então parar.

Prestar atenção:

 

Uma folha em branco

para conter a luz

antes que se perca

no escuro labirinto do momento.

 

Sinto

no ar seco

a invisibilidade

a que aspiro.

 

E na catedral inexistente

acendo uma vela imaginária

com a palavra.

 

 

[Poemas do livro Alquimia, 2004]

 

 

 

 

 

 

CONS-TATO

 

Sabe essa falta

dentro do peito

na madrugada?

 

Essa que Drummond

chamou de ausência

e tirou pra dançar?

 

Eu não sei dançar com ela.

 

(Então aperto-a

sinto-a plenamente entre minhas mãos

e deixo cair

o pó de palavras

quente.)

 

 

 

 

 

 

PAZ

 

Vou sem pressa

para a casa

que há em mim.

 

 

 

 

 

 

AMAR: QUEIMAR AMARRAS

 

Na tempestade tátil da mão

ao vento sussurros certeiros

cuspir com fogo de dragão

e sabor de nevoeiros...

 

 

 

 

 

 

SEMELHANÇA NA DIFERENÇA

 

Filosofia e Poesia

são dois braços

de um mesmo dorso

esticados no esforço

de tocar

além do tempo.

 

 

 

 

 

 

DO CRIAR CAMINHOS AO CAMINHAR

 

Atrás

das grades

da rotina

deixei a sombra

de um sonho

que não era meu...

 

Hoje, a vida plena

sorri em cada canto

de cada cômodo cômodo

que por mais que seja cômodo inclusive

deixo

quando dá na telha.

 

Criar

e curtir criadores...

 

Amar

sem contar

nem conter

amores:

movimentos de mãos

e de terra

e de tudo

maravilhosamente

i n c o n t r o l á v e i s.

 

 

 

 

 

 

PONTAL

 

Pedra antes de tudo pedra

quantos infinitos

oceanos silenciosos

cheios de carinhos, algas e ostras

passaram sob ti?

 

E esse céu

pintado de auroras marginais

com sangue e vento

ornado de agora

desde sempre?

 

(Cresce verde em teus velhos musgos

e a noite vem enganar a todos

com a mudança)

 

 

[Poemas do livro No fim, começo, 2009]

 

 
(imagens ©misi | wagasuki)

  

  

 

FABIO José Alfredo Santos da ROCHA (Rio de Janeiro/RJ, 1976). Poeta, publicou A Magia da Poesia (Rio de Janeiro: Papel & Virtual, 2001) e Corte (Rio de Janeiro: Ibis Libris, 2004), além de 12 e-books. Participa de onze antologias poéticas. Ganhou vários prêmios de literatura. Cursou Engenharia Elétrica na Universidade Federal do Rio de Janeiro (mas não concluiu o curso) e formou-se em Administração de Empresas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Hoje, estuda Filosofia também na UERJ. Seu site oficial: A Magia da Poesia.