BARULHÃO GOSTOSO

 

 

Maria Mijona fedia. Tinha esse apelido de Maria Mijona porque fedia a mijo. Mijava na roupa, mijava no papelão que dormia. Fedia mijo no cabelo, no braço, nas micoses do pescoço, na barriga branca inchada de lombriga, nos dentes cariados, no calcanhar sujo de graxa e terra, na roupa puída, nas pernas, na pererequinha.

— Maria Mijona, cê fede a mijo, sua suja! — dizia a mãe dela.

A mãe da Maria Mijona não fedia, mas fodia. Fodia com os caminhoneiros, enquanto a Maria Mijona dormia embaixo das rodas do Mercedes dois-eixos. A mãe da Maria Mijona dormia num cubículo sujo, perto do pátio dos caminhoneiros, atrás da borracharia Golden Shower. A  Maria Mijona adorava ficar na borracharia conversando com o Seu Orlando, o borracheiro dono da borracharia. Ele que disse que a pererequinha dela fedia a mijo. E depois desse dia que ele descobriu que a pererequinha dela fedia a mijo, ele deu um filhotinho pequenininho de cachorro, bonitinho, pra Maria Mijona. Ela adorava brincar com o cachorrinho. Não gostava era de dormir no papelão fedendo a mijo, dentro do quartinho atrás da borracharia. Odiava quando a sua mãe ia fazer xixi de madrugada perto dos pneus dos caminhões estacionados ao lado da borracharia e ouvia o barulho do xixi saído de dentro da mãe dela. A mãe dela mijava alto. E a Maria Mijona tapava o ouvido pra não escutar o barulho. Ela acordou uma vez e viu uns caminhoneiros escondidos vendo a mãe dela mijar o jato e ouviu eles chegando pra cima dela.

— Faz o barulhão! Faz o barulhão gostoso aê, faz!

E viu que eles gostavam de ficar ouvindo o barulho. O barulho alto, jorro forte, grosso, líquido amarelo escuro furando a terra seca.

— Putamerda, feito mijo saído das beiça da buceta de uma égua arrombada! — disse um dos caminhoneiros.

E a Maria Mijona ficava com vergonha porque a mãe dela era mais mijona do que ela e deve ter sido a mãe dela que ensinou ela a ser mijona assim, pensou.

— Parece a bixiga de uma porca no cio!

E a Maria Mijona ouvindo aquilo, riu e  lembrou que a mãe dela não tinha mais bixiga, porque no mês passado a mãe dela tava mijando na roda do caminhão e a Maria Mijona tava com o ouvido tampado como sempre, mas mesmo assim escutou o grito da mãe e correu pra lá e viu a mãe caída no chão toda ensangüentada apontando pro canto e dizendo:

— Não olha pra lá, Maria, não olha pra lá!

E a Maria olhou e viu um troço vermelho estranho e perguntou mãe o que é aquilo e a mãe dela disse que era a bixiga e desmaiou e a Maria Mijona foi lá e viu que  era uma bola de carne e  fez xixi em cima da tal bixiga da mãe dela pra limpar, viu que a bixiga da mãe dela tinha braço e perna e cabelo e pererequinha também e disse que coisa esquisita e pegou a bixiga e deu a bixiga pros cachorros do Seu Orlando comer. E brigaram pra comer tudinho. Não sobrou nada da maldita bixiga.

— A bixiga desgraçada que fazia a minha mãe fazer aquele aquele barulho todo quando tava fazendo xixi! — comemorou a Maria Mijona.

Mas não adiantou, porque a mãe dela continuou mijando pros caminhoneiros.

E ela odiava quando o Seu Orlando chamava os caminhoneiros pra verem a mãe dela mijar. Juntavam em volta dela e gritavam Bucetuda! Arreganhada! Buçanha arrombada!, e jogavam dinheiro perto da mãe dela pra ela mijar mais e davam dinheiro também pro Seu Orlando.

— Faz o barulhão aê, ô vadia ! Barulhão! Mija, vaca! Barulhão! — gritavam em coro.

E a Maria Mijona não gostava de ver nem ouvir aquilo e  ia brincar com o cachorrinho na borracharia do Seu Orlando. E teve um dia que o Seu Orlando disse olha só que maneiro, Maria Mijona. E pegou umas lascas dum troço e disse que era carbureto e colocou no chão e tirou o negócio dele pra fora e fez xixi em cima e começou a pegar fogo, fogo mesmo, de verdade. É mágica, ele disse, é o líquido mágico que sai de dentro de mim e foi lá dentro da borracharia e pegou umas revista que tinham umas fotos de gente adulta fazendo xixi uma em cima da outra e o Seu Orlando disse pra ela que essas pessoas eram especiais, porque o xixi delas também era mágico e perguntou se ela queria ficar com o xixi mágico também. Ela disse, sim, sim, eu quero ficar com o xixi mágico e quero que a minha mãe fica também, quero que o xixi mágico faz a minha mãe fazer barulhinho fininho igual a mim quando eu faço xixi, mas o Seu Orlando disse que só ia ensinar pra ela e pra mais ninguém, é pegar ou largar, e ela aceitou assim mesmo e ele pegou e botou o negócio dele pra fora de novo e disse fica quietinha e fez xixi no cabelo dela, nos braços dela, nas micoses do pescoço dela, na barriga branca inchada de lombriga dela, nos dentes cariados dela, no calcanhar sujo de graxa e terra dela, na roupa puída dela, nas pernas dela, na pererequinha dela.

— É quentinho! — ela disse do banho de xixi.

E depois que ele fez esse xixi todo ele disse olha só e pegou um pouco da lasca do tal carbureto e colocou num pedaço de pão e deu pro cachorrinho dela comer e ele comeu tudinho e, sem mais nem menos,  o cachorrinho começou a correr, gritando feito um louco e o Seu Orlando colocou uma caneca d'água na frente do cachorrinho e ele começou a lamber a água toda e de repente... ta ta ta ta... surgiu um rombo na barriga do  cachorrinho. Tripa caindo, fedendo muito, muito mesmo, uma fumaça que saiu das tripa do cachorro. E aí o Seu Orlando falou olha só e mandou ela abaixar a calcinha e levantar a saia e fazer xixi em cima do cachorrinho. Fecha o olho, fecha o olho e faz xixi, faz xixi, isso, faz xixi, e ela fez e ele mandou abrir o olho, quando ela abriu o olho e olhou pra baixo, o cachorrinho tava vivinho da silva sem o buraco na barriga e tava até um pouquinho maior e com o pêlo um pouco diferente e o Seu Orlando disse que ele tornou o xixi dela mágico quando ele fez xixi nela e o xixi fez o cachorro renascer e até ficar maior um pouco, disse o Seu Orlando. Meu xixi te deu poder e como eu já sou poderoso à beça, cê viu, vou ficar mais poderoso ainda. Quer ver? Quero. Quero. Então olha só: agora faz xixi na minha cabeça preu ficar mais forte. Como assim? Abre as pernas que eu vou botar a cabeça embaixo da sua pererequinha e você faz muito xixi na minha cabeça. Muito, mas muito mesmo, tá? Faz força pra sair bastante xixi, tá? E ele deitou embaixo dela e ela fez a xixizada toda como ele pediu. Molhou o cabelo todinho. Até beber, ele bebeu o xixi mágico. E de repente ele levantou com a cara toda molhada de xixi  e deu um pulo, feliz, dizendo que era o super-homem, sou o super-homem, sou o super-homem, e pegou um pneu de caminhão grandão e levantou no alto e a Maria Mijona riu pra caramba do Seu Orlando agora fortão com o xixi mágico dela.

 

 

 

 

 

 

FIRST FISTING


 
É só a mamãe e o papai saírem pra trabalhá que eu vô de novo. Tchau, mamãe. Tchau, papai. Todo dia eu fico rapidinho com frio igual de vontade de tomá um banho quentinho, mas logo passa o nervoso e eu começo a gostá da hora que a Catarina, a empregada preta que é da idade da minha mãe, vai me mandá fazê o negócio que eu gosto de fazê todo dia depois que ela me dá o almoço. E me dá até dois iaculte depois que termino. É loguinho depois que ela me dá o almoço que ela me leva pra sala e deita de perna aberta na poltrona da sala. E o cheiro de xixi de gente velha vem logo no meu nariz. E eu até já sei o que que a Catarina qué, porque todo dia é igualzinho na lambida que ela me manda eu dá no xixi dela. E tem muito cabelo preto e enrolado de gente grande no meio das pernas dela. E o cheiro de xixi de gente grande e o buraco vermelho que eu enfio a língua que a Catarina manda, "Igual lambendo picolé! Igual lambendo picolé!", que ela fala pra eu fazê. E dá gosto ruim de fígado de galinha que a minha mãe às vezes manda eu comê. E a Catarina até aperta às vezes a minha cabeça com força e eu fico sufocado com o cheiro de xixi e um outro cheiro enjoativo que dá vontade de vumitá. Mas eu gosto quando ela fica gritando meu nome e é estranho que ela fica repetindo que eu tenho que lambê o buraco, mas eu já sei que tenho que lambê, mas mesmo assim ela fica gritando meu nome. E de ontem e anteontem ela começou a pegá o meu braço e enfiá ele dentro do buraco, mas ela segura no meu cotovelo e aperta ele e enfia minha mão e mais um pouco, mas é com tanta força que dói o meu ombro. E ela bem faz um pouco de xixi igual espuma de pasta de dente no meu braço. E quando ela pára de enfiá e meu ombro pára de doê, até eu sinto cheiro de cocô quando ela enfia meu braço dentro do buraco de novo. E ela fica gritando meu nome altão. Eu só não gosto quando ela pega no meu pipi, que ela fala que é pra vê se tem a fimose, que eu não sei que que é isso, mas quando ela pega nele e puxa a pelinha pra trás arde e eu não gosto. Só gosto de enfiá a mão no buraco. E quando termina e a Catarina vai pra cozinha lavá as panelas e depois limpá a casa eu sempre vô na casa do Carlinho mostrá pra ele o cheiro de xixi de adulto que fica no meu braço. E a gente joga gude e brinca com o forte apache dele. E todo dia é assim. A Catarina fala que minha mãe nem pode sabê que eu tomo dois iaculte todo dia, porque se ela sabê vai ficá zangada pra caramba comigo.

 

 

 

 

 

AUTO-AJUDA

 

 

Por que você não se mata, einh? Você é um bosta, cara! Você é um peso na vida de todo mundo. É só perguntar por aí. Ninguém vai com a sua cara gorda. Você é mesquinho, covarde, egoísta, invejoso, fraco, servil, capacho, fracassado, inútil. Por que você não se mata, porra? Einh? Responde, porra! Levanta a cabeça e responde! Eu tô falando contigo! A sua simples existência incomoda as pessoas. Têm medo delas, das pessoas. Gordo misantropo. Se entope de remédios pra  Síndrome do Pânico que já não estão mais funcionando. Você sabe que  é um fraco, um inútil. Tá estampado na sua cara de merda esse puta complexo de inferioridade que cê tem. É sim, cara! Eu sei disso, você sabe disso, todo mundo sabe disso. Como naquela vez em que você, curvado de timidez e humilhação, respondeu aquela idiotice pra balconista da livraria que havia recusado seu convite prum chope. Ela perguntado: "O quê? Não entendi o que você disse.  Desculpar a sua insistência?" e você repetindo, pernas bambas, sussuro: "Não. E-eu d-disse 'desculpe a minha existência'". Desculpe a minha existência? Desculpe a minha existência?  Porra! Isso é papel que se faça, cara? Rastejar assim. Um porco-lesma balofo deixando um rastro patético e viscoso de humilhação e vergonha. Rastro como o da bosta que desliza lenta na louça da privada que caga de medo várias vezes por dia. Se ainda fosse só isso... Sua aparência. Sua aparência, cara, é ridícula! Seu corpo rotundo é ridículo, sua cara gorda sempre molhada de suor é nojenta pra caralho! O pior são essas sobrancelhas grossas e juntas. Um Monteiro Lobato adiposo, medroso e fedorento, com iguais ridículas sobrancelhas grossas e juntas, mas sem talento nenhum pra escrita. Feio pra caralho. Brega, cafona, sem noção. Ridícula a maneira como você se veste. Eu sei disso, você sabe disso, todo mundo sabe disso. Você fede. Fede a suor quando tá nervoso. Sua muito na virilha, fica assado como um bebê cagão gigante. Encharca a cueca e a calça com tanto suor. Cheiro acre de suor de virilha de gordo que, repugnante, afasta as pessoas. Mistura de suor de bunda e resto de merda que exala azedo a metros de distância. A grande bola de merda fedorenta. Suor em abundância nos genitais sem higiene. As dobras e reentrâncias em carne viva. Haja ipoglós no bebezão. Sua pra caralho aqui na parte do suvaco também. Aqui mesmo ó, nessa mancha molhada. Puta nojeira. Ô gordão! Levanta a cabeça e olha pra mim enquanto eu falo com você! Seja homem! Nem disso você tem certeza né? Que é homem. Não age como um homem. Não encara a vida de frente. Você se esconde na sua covardia e na sua obesidade. Como naquele dia da balconista da livraria.  Porra, era previsível o fora que ela ia te dar e você sabia disso, mas mesmo assim foi lá encher o saco da garota. E no final ainda me faz esse papelão. Cena deprimente. "Desculpe a minha existência!". Tu é um merda mesmo. Acha que as pessoas vão ficar com peninha de você?  Po-rra ne-nhu-ma! Tá todo mundo cagando pra sua miséria. Você é um peso morto, um saco de gordura cheio de Arotin 20 mg, Pondera 20 mg, Procimax 20 mg, Zoloft 50 mg, Mestinon 60 mg, Alcytam 20 mg,  Cipramil 20 mg e Apraz 2,0 mg, tudo fora do prazo de validade. Seu tempo de validade também acabou. Tô falando: se mata, cara! Vai. Me dá aí um motivo pra você não se matar!? Um motivo só! Unzinho! Sua mulher não te ama, você sabe muito bem disso. Seus parentes te tratam como retardado. Seus alunos não te respeitam. Como escritor, você é um fracassado. O que? A merda do livro de auto-ajuda que você cismou em escrever? Uma farsa, cê sabe. Nem você acredita naquela besteirada toda: viver feliz, fazer fortuna, amor-próprio, fazer amigos. Queria convercer a quem, cara? Logo você? Puta paradoxo!  Pegou a fórmula e ingenuamente achou que ia fazer um sucesso ducacete, né? Ficou uma merda o livro, eu sei disso, você sabe disso, todo mundo sabe disso. Bancou a edição do bolso e tá tudo empilhado lá na sua casa. Daqui a uns meses você vai estar devendo a Deus e ao mundo. E principalmente à porra do seu tio que joga na sua cara todo dia a quantia do empréstimo que ele te fez pra bancar as impressões. Uma fortuna, cê sabe. Falido. Você tá fudido cara, fudidaço. Não tem jeito não. Se mata, porra! Toma veneno, corta os pulsos, se enforca, pula da janela, come caco de vidro, sei lá. Mas dá cabo logo dessa vida de merda. O prazo de validade acabou, eu já falei. Encara a realidade, rapá! Se mata! Seu covarde. Nem pra isso você tem coragem, né? Tô vendo nos seus olhos que você não tem coragem. Eu até te ajudo. Tô falando na boa. É só você me autorizar que eu meto uma bala no meio dessa sua cara gorda suada. Aqui ó. Na testa. Acabo com a tua desgraça. Te faço esse favor. Na verdade vai ser um favor pra todo mundo. Pá-pum, sumiu o gordo. Desapareceu o inútil, o desgraçado! Faço sim. Te dou essa ajuda.  Olha pra mim enquanto eu falo com você! Eu falei pra você olhar pra mim! Aqui ó, no meio da sua testa. Aqui onde eu tô botando o dedo. Finalmente, eu separo essa merda dessas suas sobrancelhas juntas. Essa coisa nojenta. Com um rombo. Pum! Cê não vai nem sentir. Sangue e miolo mole espalhado na parede. Vai fazer um pouco de sujeira, eu sei, mas foda-se. Os outros que limpem. Tá até aqui a arma. Olha só que buniteza. Carregadinha. Não tem como falhar. Aqui ó. No meio das sobrancelhas juntas. Posso? Einh, posso?

 

 

 (imagem ©classic)
 
 
 

Alexandre Coimbra Gomes nasceu em Barra do Piraí, região sul-fluminense do Estado do Rio de Janeiro, numa sexta-feira, 13 de junho de 1975, às treze horas. Mas ainda bem que não é supersticioso. Tem escritos (mas ainda não publicados) os livros  de contos  Levados, privados e depravados (2004) e Carne-de-vaca (2005) e dois livros de humor: Como ficar rico escrevendo livros que ensinam como ficar rico (2006) e Autobiografia de um merda (2007). Vive como professor de Língua Portuguesa e Literatura. Seu conto "APAE" foi publicado na coletânea Aos pés das letras: uma antologia podólatra da literatura brasileira. Edita o blogue Autobiografia de um merda.