Sob a batuta de O
Juiz, com sua usina de sons digitais de efeitos especiais e baixa
freqüência detonando vibrações físicas nos convidados para o
CarNasa nas Estrelas (tradutor: colônia selenita) "segue o baile
calmamente — com muita gente dando volta no salão", orelhada por
viseiras virtuais computadorizadas para evitar possível jet lag. O vespertório
inclui desde as vozes do infinito e o "canto do Sol" em versão
original radioastronômica, a traduções sonoras simultâneas de De institutione musica, de
Boécio, A harmonia do mundo, de Johannes Kepler, sinfonias
planetárias detectadas por sondas intergaláticas, a "nostálgica"
Música das estrelas, de Karl Kansky, o Movimento quasistar da
Quarta sinfonia, de Tomás Marco, o Concerto para voz, instrumento
e pulsar, de Federico Amendola, até uma canja da banda Microhertz
interpretando grandes sucessos de Cage, Boulez, Augusto de Campos
e uma composição denominada O silêncio, autoria de um bardo
medieval cujo DNA havia sido recuperado e vivificado in vitro na
pós-modernidade.
O quiróptero Batman
discute a sedução cínico-maniqueísta do Coringa com a
pseudo-fortaleza-bichosa de Robin, enquanto o rupestre Fantasmas
convida uma bola peluda Ewok, Chewbacca e o Grand Moff Tarkin para
uma visita à Gruta de Maquine, enquanto a Mulher Aranha troca
fio-gurinhas com a Aranha de Cristal, e esta joga mil olhos
co-líricos para o urbano Spider-Man, que aprende a manusear o
chicote a laser com um guarda gamorreano, enquanto a Vipuva da
teia de Krull morre de ciúmes, despistando a carência vendo O
beijo da mulher Aranha, de Hector Babenco num telão contíguo ao
salão de festa, enquanto a mediática Tiazinha tenta um caso
personalmente genético com o Zorro, enquanto sua arquirrival e
escópica Feiticeira ouve o poderoso Yoda sobre o uso de talismãs
na satisfação dos desejos, enquanto o musiético Al Jolson desafina
contra um neo-grupelho da Ku Klux Klan, enquanto o Camundongo, o
Farejador está atrás das Migalhas Indecentes, enquanto a princesa
Lyssa proseia com David Lynch sobre a maquiagem andrógina de Frank
em Blue velvet e Peter Gabriel insiste em contar uma imagem,
associando o make-up da
deliciosa replicante de Blade runner com a dos índios brasileiros,
enquanto Anthony Perkins divaniza sua fantasia para um Freud mais
afim de um ylem
(tradutor: pó de estrela), enquanto alguns acadêmicos do samply
bhabham calorosamente com Betty Friedman (hostess: vencedora do
concurso Máscra in Natura) sobre a "perfeita caricatura mascarada
de feminista", de Jack Deller em The man who envied women,
de Yvonne Rainer, enquanto O Máscara negocia um commercial place com o marketing-man da Colgate,
enquanto o "demônio socrático" Leporello intriga contra o pícaro
latin lover Don Juan e
Aristófanes desce d'As nuvens para descrever um Sócrates
(convidado especial) boiando entre o céu e a Terra, idéias eternas
e as sombras da realidade sensível, enquanto Freddy Krueger, o
terror que nos fascina, recita fragmentos de Stephen King para
estupefata platéia: "Como é possível estar sempre lutando contra
nossos próprios demônios e males, de vez em quando sentimos
necessidade de levá-los para passear enquanto um bloco de
centenários cai-n'águas
de Oliveira discute com três outros tipos de encapuzados
prototípicos: um grupo, remanescente do Áureo Trono Episcopal,
sobre a função do arauto como caráter dissimulado no jogo das
representações oficiais; o outro, composto por terroristas e
assaltantes famosos, e o terceiro, membros do Greenpeace, enquanto
Philippe Solers pergunta por Milalias, de Julián Rios — "Ainda
vivo? Sim!" , enquanto Cabrera Infante, perdido na Babel de tanto
anonimato falante, pede: "Cherchez la phrase!", enquanto a Morte
de O sétimo selo, de Bergman, canta solitária a Máscara negra, do
imortal Zé Kéti, enquanto Leonard Spock Nimoy auto-questiona se
devia ter usado brinquinhos em suas orelhas pontudas em Jornada
nas estrelas, ou quando foi Vincent no solo sobre o
auto-desorelhado Van Gogh, enquanto o Super Homem diz a Clark
Kent, olhando-se no espelho do banheiro, que dará ao jornalista um
terno de kevlar tecido com fio segregado
pela aranha panamenha Nephila clavipes, à prova
de bala, para suas incursões pelos guetos terráqueos, enquanto um
camaleão da ilha de Madagascar (convidado especial pela raridade
atual da espécie) ensina a Michael Jackson a mudar de cor,
enquanto Menotti del Pichia declama Máscaras para Lord Byron, que
por sua vez repica: "Quero um herói — querer incomum — quando cada
ano e mês nos oferece um novo — até que, depois de saturar s
gazetas com hipocrisia — a época descobre que ele não é o
verdadeiro", e aconselha: "Sê não o que pareces, mas sempre o que
vês", enquanto o poeta, em meio a confetes e serpentinas
meta(eu)fóricas vai heteroninamente na ala dos "significantes
enigmáticos".
Fui.
O homem não começou
ainda a descobrir o futuro.
O que se conhece são
vestígios do tempo no espaço,
migalhas de infinito
em ritmo easy rider por
dimensões sem olhos,
muralhas de galáxias
no interior de grandes vazios
de matéria escura de
um Universo em expansão.
E já é muito para
tanta teimosia e rabugice.
Já é um êxtase à
"Terra inescapável"
que dá o que pensar,
previu Wislawa.
Como tudo que se
conhece,
"hoje é o amanhã que
já vai embora".
E, possivelmente, já
vai tarde com seu "futuro fictício",
diria
Ferlinghetti.
Para o que nem se
esboça no tempo
imaginário,
não há nem realidade
nem recurso.
Tudo é fantasia de
uma história em branco
na escuridão do
imponderável,
ou de cor nenhuma,
na qual, para se entrar, diria Camus,
é preciso "estar na
legitimação de uma tirania".
Sempre se estará
longe, muito longe do futuro:
nunca chega o que
estará sempre prestes a acontecer
e começa em todos os
instantes.
Quem pode com ele é
a poesia,
porque, para ela, o
vir a ser não estranha a porfia por um fio,
o silêncio visual de
paisagens pósteras.
Ninguém se interessa
muito pelo que não faz sentido:
o futuro não permite
a hipótese de salvação.
Futuro é não o que
se interroga,
mas o que antepõe
limite ao preconceito,
o que, diáfano,
carimba a duração em míseros momentos
cosmológicos.
Ninguém quer saber o
futuro: ele pré-significa o que não será
por não permitir
(ainda) a testemunha de si mesmo.
Por ter a vantagem
de não imortalizar nada,
não idolatrar
sombras, de se recompor em mímesis,
de ir além de
suposições-húmus
que se esvaem em
lucidez utópica
ou em loucuras
veneráveis,
de "reserva" como
alimentos que esperam a hora de iludir
o gosto pelo
inusitado.
Futuro é "janela da
vulnerabilidade",
"acidentalidade
fugaz", descontinuidade vagamente
pressuposta
como "necessidade de
reduzir o visível
à imposição política
do dizível".
"Exercício
experimental da liberdade"
que se fragmenta em
sua própria desmistificação.
No máximo, evidência
em perspectiva de sonho
que "morre na nudez
das manhãs".
Tudo, portanto,
condizente ao futuro,
É recorrência e make old new, futuro do
pretérito,
ou "tudo o que dizia
respeito às provas externas de uma Duração
única estava
arruinado. O mundo não oferecia garantia
de convergência para
novas durações individuais,
vividas na
intimidade da consciência".
Não se pode comparar
o futuro
senão em relação ao
passado;
o presente é apenas
a sua "praga da abstração"
com sua "tortura
contínua".
Dá o que
pensar:
"o tempo e o espaço,
a sucessão e a continuidade
são apenas acidentes
do pensamento?"
Ou que "o palpável é
nada. O nada assume essência".
Todo presumível
nasce velho.
Futuro é móvel que
se move.
Movediço.
Presente inesperado
como a aquarela "O tecido do espaço"
de Greg
Mort.
Algo que crispa,
queria Blake, os "sentidos dúcteis"
de quem perdeu a
"memória da sua vida eterna"
com nenhuma "solidez
isenta de mudança".
O que só agora
chega, por mais longínquo,
é o passado do
Universo, infância da luz,
não o que ela
ilumina.
Todo futuro zera o
precedente,
porque não há um
rosto,
um espelho refletor
da própria imagem,
porque o futuro não
está.
Ele é Singularidade
Nua.
Futuro é a Navalha
de Occam —
corta da teoria tudo
que não pode ser observado.
Não oferece um telos.
Não santifica a
falência, a derrocada até então
irreversível.
Futuro será quando
houver platônicos Otis e Efialtes
ousando de fato
"escalar os céus",
porque então a Terra
será a casa proibida,
de impossível
prodigalidade.
Futuro não
existe.
Ele é o que sempre
falta e se ausenta.
A corda heterótica
onde supor travessia para outro abismo.
O último nome a
morrer, por isso, esperança.
Ou seja, a certeza
finita de uma eterna ilusão.
Futuro é o que
apanha o Universo
em flagrante delito
de mistério,
o que faz agir
quando se pensa que
"só é novo o que
está esquecido",
é a "informação
concomitante",
uma
"palavra-acontecimento"
com sua certeza,
probabilidade e imaginação,
é o estado de
vigília,
a projeção de uma
sombra à frente do acontecimento
à "ligação
não-causal", a "jubilação dos acasos",
uma "história
invisível".
Rastros
Carlos Zílio — Carlos Drummond de Andrade — Ítalo Calvino — Oscar Wilde
Goethe — Louis
Pauwels — Mlle Bertin -Charles Fort — Wolgang
Pauli
Paul
Claudel