§

 

a pista aponta a ponte

riscada no raso do risco

 

traço a palavra no suporte

sorte deslizando embalada

em um gesto que viaja ao nada

coisa feita na palavra corte

 

limite contorno colorido

linha fruída tenso corpo

feixe de superfícies entorno

do que não se toca pois perdido

 

o aço da palavra põe a sorte

extensão do que apenas lido

se faz presença em libido

rota incerta na palavra morte

 

a ponte riscada no raso

aponta a pista do risco

 

 

 

 

 

 

§

 

vida veloz feroz vida

cada espaço põe o algoz

 

o que mente sai da lente

que corta o mundo bem rente

 

ao olho à alma paciente

demente posta de ser

 

que vê crível a verdade

palpável rosa em botão

 

onde a multiplicidade

onde a fugacidade

 

e as belezas impossíveis

e os desejos verossímeis

 

tudo está morto já

sob absoluta verdade

 

não distante porém há

a potência de vontade

 

toque-a com largo sorriso

desloque-se de improviso

 

vida feroz veloz vida

há nova feliz medida

 

 

 

 

 

 

§

 

mistério consentido quieto

silêncio quedo secreto

 

aquosa alcalina secreção

separação vertente

gota que se rende

ao tudo nada em ação

 

coisa que inventa sulco

troço posto arquitetura

negócio que pouco dura

trem sopeso bulbo

 

corpo feito de corpo

vivo morto disposto

oco coro em sopro

morno veio do rosto

 

silêncio quedo secreto

mistério consentido quieto

 

 

 

 

 

 

§

 

o sexo é o mesmo sempre sexo

sexo o mesmo é o sexo sempre

 

cheira fede inodoro

muito pouco não

gozo êxtase nada

sua seco vaporoso

 

rápido lento ritmo

claro escuro baço

doa pega íntimo

grosso estreito espaço

 

enche esvazia mente

paga percebe desgraça

raso fundo rente

sorte sina graça

 

é sempre o sexo o mesmo sexo

sempre mesmo é o sexo o sexo

 

 

 
 

§

 

nada acaba na calada

a morte só é um corte

 

sujeito algo que permanece

troço que não fenece

coisa que se desconhece

sujeito algo que se estabelece

 

feixe feito fixo

mínimo ínfimo

imperceptível

irreconhecível

 

sujeito pouco inteiro

esboço escombros

posto como soco

sujeito roteiro em dor

 

na balada nada cala

o corpo só no oco

 

 

 

 

 

 

§

 

versar o previsto predito

de fichas vitória

onde o imo sentido

no código porfia

 

renunciar ao deguste do fruto

no pé da estátua

para que o furte e encurte

meu fausto

 

o que curte o que fez

lança aleatória

distendido em flecha ou dado

em fúria erínia audível

 

círculo de giz reixa

a viagem só em vez da via

 

 

 

 

 

 

§

 

movimento agente rítmico

fluxo bio-silício abissal

 

tudo entorna entorno

do alvo moto-contínuo

infindo descaminho

todo feito adorno

 

não lugar que se faz

presença nos sentidos

mecanismo fruído

sinuoso se perfaz

 

energia visibilizada

vibração suspensa

coisa que não condensa

algo que não se apaga

 

agente fluxo rítmico

movimento abissal bio-silício

 

 

 

 

 

 

§

 

o agora é o vazio do que se foi

estar só se faz veloz vendo antes e depois

 

velocidade controla respiração

respiração é vento feito no pulmão

pulmão toca o mundo por diversão

diversão intermitente como sim e não

 

o lúdico só vivifica pelo gozo ou não

jogar não é remédio pra ocupar a mão

brincar é experiência sempre em prontidão

o que se enrijece quebra ao tocar o chão

 

velocidade controla o gozo ou não

jogar toca o mundo por diversão

pulmão é experiência sempre em prontidão

o que intermitente quebra a solução

 

estar é o vazio de antes e depois

o agora só se faz veloz vendo o que se foi

 

 

 

 

 

 

§

 

movimentos diferentes lentes

reagentes planos estranhos

 

a curva espreita as rodas

secas molhadas lisas frisadas

tangências atritando desgarradas

encenação harmônica que transborda

 

a bobina desenlaça o aço

e gira sobre a pista gira outra mão

a cabine fende-se fácil e faz um vão

silêncio pesa em estilhaços

 

ossos plásticos ferros panos

superfícies liquefeitas deslizantes

paisagem redobrada feito amantes

híbrido corpo sobre-humano

 

estranhos diferentes movimentos

planos lentes reagentes

 

 

 

 

 

 

§

 

garganta abismo precipício

desenha o ar em formas

 

conduz a camada gasosa

para planos efêmeros

 

e ruge o espaço rítmico

tufão vento brisa aragem

 

e brinca de por sentidos

em movimentos velocidades

 

garganta o ar em formas

desenha abismo precipício

 

conduz planos efêmeros

para a camada gasosa

 

e ruge vento brisa aragem

tufão o espaço rítmico

 

e brinca de velocidades

em movimentos por sentidos

 

 

 

 

 

 

§

 

cair na distância dói solitude

sem olhar para se segurar

 

o que não está se movimentou

deslocou deslizou derrapou

o que pressiona aqui dentro

descentro descendo descrendo

 

o que vacilou na duração

intenso imenso império

o que transborda a forma

fora da hora sem agora

 

o que indiciou o ser

fragrância suavidade

o que mapeou o dasein

massa ótica sem cais

 

segurar na solitude dói

sem olhar para se cair distância

 

 

 

 

 

 

§

 

um fogo outro de animal

como nenhum fátuo grito

 

rosas de pólvora negra

sobre as bigornas sonâmbulas

quebraram opacas luas

olhos pequenos de meu corpo

 

e rumor de velhas vozes

rojões na água gris

pele de noturna maçã

agro de espera e de boca

 

e um horizonte de cães

por uma anfíbia vereda

na boca mais que uma palavra

pôs em terra a outra pata

 

um fogo-fátuo de grito

como nenhum outro animal 

 

 

 

(imagens ©wilczekwroc)

 

 

 

  

 

Wagner Moreira (Belo Horizonte-MG, 1966). Doutor em Literaturas de Língua Portuguesa, pela PUCMG. Leciona no ensino superior. É pesquisador da área literária, e editor da "Scriptum Livros" e da "ATO - Revista de Literatura". Publicou Eu não sou Vincent Willem van Gogh (poesia, edição do autor, 1998), selêemcio (poesia, edição do autor, 2002), transversos (poesia, Scriptum Livros, 2003), blues (poesia, SAC-Dazibao, 2004), A escrita como lugar de encontros (ensaios, Universidade de Itaúna, 2005) e experiência (poesia, Dezfaces, 2007).

 

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