Há anos, venho amontoando paródias da eterna "Canção do Exílio", de Gonçalves Dias, talvez o poema mais famoso da história da poesia brasileira.

 

Poema singelo, de rimas oxítonas e pobres, mas farto de musicalidade em seu refrão. Sem adjetivos, o que muitos consideram como sendo o seu maior mérito. Isso, apenas, não justifica a sua popularidade nem o fato de ter inspirado tantos outros poemas. Alguns, muito tristes. Outros, de protesto. A maioria, bem-humorada ou irônica, mesmo quando esconde certa tristeza. Jeito muito brasileiro: sabemos rir de nossas desventuras.

 

Uma boa explicação para tanta fama e intertextualidade é de Carlos Vogt, no artigo "Canções do Exílio", escrito para a Revista ComCiência:

 

O exílio nos acompanha. A nós, homens e mulheres da humanidade, expulsos que fomos do paraíso, pela temeridade ancestral de nossos pais míticos — Adão e Eva — que se entregaram à sedução do conhecimento sem limites e geraram, para sempre em nossa cultura, este sentimento inalienável de perda metafísica.

 

É de Juan Carlos Onetti a sentença seminal: "Devo terminar referindo-me ao exílio definitivo a que estamos condenados pelo simples fato de vir ao mundo. Daqui seremos exilados, não sabemos para onde nem quando".

 

No Brasil e em Portugal carregamos tão fortemente o fado da migração, pela materialidade histórica de seu acontecimento e pela imaterialidade ideológica de suas representações, que Fernando Pessoa exila-se em nada mais, nada menos que no próprio português, ecoando, além-mar, em Caetano Veloso, o verso consagrado "minha pátria é minha língua".

 

E foi em Portugal que Gonçalves Dias, em 1843, estando em Coimbra, em exílio voluntário e estudantil, escreveu, estampando Goethe como epígrafe, o que se tornaria o leitimotiv mais presente da literatura brasileira por gerações e gerações de escritores e de leitores:

 

Minha terra tem palmeiras,

Onde canta o sabiá;

As aves, que aqui gorjeiam,

Não gorjeiam como lá.

 

Outra belíssima explicação para a influência da Canção do Exílio está nos últimos versos do poema "Reflexão Nº 1", de Ricardo Alfaya:

 

Palmeiras

e exílio

todo brasileiro conhece

 

É isso. O exílio da solidão, um passarinho cantando longe, a saudade. O mote, comprovadamente, é inesgotável. Em todas as minhas andanças pela web, em eventuais momentos de puro ócio, encontro sempre um poema novo (que trato de guardar, sem questionar sua qualidade). E algumas belas surpresas.

 

Decerto, o sabiá, as palmeiras e os exílios ainda vão inspirar muitos poemas, amém. Afinal, voar é com os poetas. Por isso, esta coleção não se esgota agora e a Germina — Revista de Literatura & Arte está disposta a abrigar outras colaborações. Ou retirar daqui as que não foram autorizadas, recolhidas na internet, sem possibilidade de contato com os autores.

 

De "pinga", deixo-lhes o poema de Gonçalves Dias, traduzido para o francês por Didier Lamaison. C'est la même chose, mas é puro charme.

 

 

Chanson de L'Exil

 

 

Il est des palmiers en mon pays

Où chante le sabiá

Les oiseaux ne chantent pas ici

Comme ils chantent chez moi.

 

Notre ciel a plus d'étoiles

Plus de fleurs ont nos vals

Nos bois ont plus de vie

Notre vie plus d'amour aussi.

 

En y songeant, seul, la nuit,

J'ai plus d'aise chez moi;

Il est des palmiers en mon pays

Où chante le sabiá.

 

Il est des charmes en mon pays

Comme je n'en trouve pas ici;

En y songeant — seul, la nuit —

J'ai plus d'aise chez moi;

Il est des palmiers en mon pays,

Où chante le sabiá.

 

À Dieu ne plaise que je meure

Sans être retourné là-bas;

Sans avoir retrouvé les douceurs

Qu'ici je ne trouve pas;

Sans avoir revu mes palmiers

Où chante le sabiá.

 

 

 

 

Silvana Guimarães (Belo Horizonte/MG). Socióloga, escritora, redatora/revisora publicitária. Participou de algumas coletâneas, entre elas, duas que organizou: 29 de abril: o verso da violência (Patuá, 2015), Dedo de Moça — Uma Antologia das Escritoras Suicidas (Terracota, 2009), Hiperconexões — Realidade Expandida Vol. 2 (Org. Luiz Bras, Patuá, 2014) e 1917-2017 — O Século sem Fim (Org. Marco Aqueiva, Patuá, 2017). Editora da Germina — Revista de Literatura & Artee do site Escritoras Suicidas. Vive em Belo Horizonte.